quinta-feira, 26 de agosto de 2004

SMS 68. Capital internacional, já?

26 Agosto 2004

Se não estou em erro, José Vitorino disse recentemente que Faro não iria ser apenas uma capital nacional da cultura mas, sim e já em 2005, uma «capital internacional» no mesmo domínio de superior afirmação do género humano. Duvido que o presidente da Câmara de Faro não tenha sido desvirtuado... Mas se não foi, José Vitorino saberá por acaso o que é a Cultura para que Faro que, nesse domínio, nem sequer é ainda a capital do Algarve e que apenas com injecções forçadas poderá ser milagrosamente capital do espavento cultural nacional, venha a ser por uma passe de mágica já «capital internacional»? E o que dirá o poeta Casimiro de Brito quando o seu projecto de instalar e converter em tradição um Encontro Internacional de Poesia nessa mesma cidade de Faro que não passou do primeiro, falhou redondamente por falta de apoios, por falta de política cultural e sobretudo por falta de visão dos responsáveis farenses? Um político com responsabilidades públicas como José Vitorino e à frente de uma cidade que quer ser a cabeça do Algarve, não pode deixar que a boca debite tudo que a língua faz subir à cabeça. A modéstia fica bem e a noção da realidade fica melhor, pelo que talvez mais senso cultural tenha tido a câmara de Albufeira ao permitir que a Guia se autointitule à vista de todos os que a essa localidade acedem pela 125 como a «capital do frango»... Não perdoo à Guia ter retirado a Faro um honroso título.

Carlos Albino

quinta-feira, 19 de agosto de 2004

SMS 67. Sociedade civil

19 Agosto 2004

Os partidos falharam. E como a esperança é a última coisa a morrer, valha-nos a sociedade civil. Os partidos falharam na pedagogia pública, colocaram-se a milhas daquelas tarefas de instrução cívica que a democracia lhes impõe e converteram-se em maquinetas eleitorais que ciclicamente prometem ao eleitorado o que não vão cumprir nem poderão cumprir porque as promessas, já de si, têm sido vagas. É verdade que felizmente ainda não andam por aí os galopins* mas há situações que estão próximas dos compradores de votos. Em vez de proporcionarem líderes promotores do debate sereno e inteligente, abrem caminho a títeres que fazem carreira com base no ataque gratuito, na tramóia bem montada e no endeusamento do ego; em vez de abrirem as largas avenidas da crítica construtiva e de estimularem o confronto público das ideias, enveredam pelo beco das mordomias organizadas, quase sempre assassinando o interesse geral e condenando o bem comum à prisão perpétua; e em vez de submeterem as ideias ao escrutínio público, não senhor, fogem desse escrutínio preferindo consolidar a chamada «carreira política» dotada já de «profissionais da matéria». Tem sido este, muito em particular, o drama do PSD e do PS do Algarve, manifestamente atados aos muitos egos, às mordomias e ao fracasso de ideias reciprocamente tolerado. Espero pela hora em que estes partidos façam uma verdadeira autocrítica.

E que sociedade civil? Naturalmente que me refiro à única tábua de salvação – a sociedade dos cidadãos, a organização cívica e o exercício da generosidade que não visa o poder nem dele se faz por natureza condicionar. Não me refiro, portanto, à sociedade civil do subsídio, à associação criada para legitimar neste ou naquele domínio o uso de dinheiros públicos sem um projecto aceitável e sem um plano de comprovado alcance mas apenas com um elenco de objectivos apresentados como que a corresponderem a duvidosas necessidades. Admito que os políticos que temos gostem disto porque lhes adorna o exercício, mas não é a essa sociedade civil que me refiro nem será essa a sociedade civil de que o Algarve precisa de ver afirmada como o pão para a boca e que não só faça a todo o vapor o trabalho que partidos não fizeram, aguardando pacientemente, pois, que o façam.

Exemplos. Sim, poderia apresentar muitos exemplos e bons exemplos, mas por ora cabe um. Creio que toda a gente já ouviu pelo menos falar da Casa do Algarve. É claro que acredito que a Casa do Algarve seja ou possa vir a ser um factor civil importante para a região algarvia. É um assunto para pensar.

Carlos Albino



quinta-feira, 12 de agosto de 2004

SMS 66. Recomeçar o Algarve

12 Agosto 2004

1 - Incêndios. Esperava-se tudo menos o que este governo fez e insiste em fazer. Depois da clamorosa omissão do Algarve da Carta Nacional de Risco, Santana Lopes parece que foi ao Caldeirão como que suspeitando que os jornais e televisões não mostraram a verdade, e mesmo confrontado com o cenário infernal em que a Serra Algarvia ficou transformada, parece que ainda ficou com dúvidas sobre a urgência e necessidade da declaração de calamidade pública! Seria preciso arder mais alguma coisa por mais hectares? A Junta Metropolitana reagiu depressa e bem, oxalá que não fique pelas palavras. Espero que Macário Correia não desarme porque, pelos vistos, a Política do e no Algarve deve começar de novo.

2 – Oportunismo. E já se esperava que por aí aparecesse o oportunismo político no rescaldo dos incêndios. Surge uma figura do Parlamento Europeu e promete pedir fundos a Bruxelas com alguma gente a acreditar, como se aquilo em Bruxelas fosse um centro humanitário de ajuda directa. Vem outra figura do governo de Lisboa e promete apoio para todos e rapidez para tudo, mas fazendo depender tudo dos estudos, das avaliações, dos cálculos e se calhar de nova visita inesperada do primeiro-ministro… Enfim, não vamos longe com este oportunismo político que apenas tem em vista a fotografia e referências nos jornais, nas rádios e nas televisões. Para um recomeço do Algarve, essas fotografias arrepiam.

3 – Turismo. Sim é a crise. O turismo não é, nem de perto nem de longe, o jogo de compra e venda das imobiliárias, jogo que se esgota no tempo porque é um jogo a prazo. Suspeito que o Turismo Algarvio tenha de começar de novo. Mas mesmo esse novo turismo não será o gabinete do secretário de Estado «deslocalizado» para em Faro a fazê-lo. Tenha Carlos Martins santa paciência.

4 – O aeródromo de apoio... Poderá ser uma mera suspeita mas julgamos que um Aeroporto Internacional como o de Faro tenha que dispor, num curto raio de quilómetros, o chamado aérodromo de apoio. E também suspeitamos que, até há muito pouco tempo, esse «apoio» seria precisamente o aeródromo de Vilamoura. Mas ainda assim se continua a suspeitar que, por força de um protocolo assinado com a Câmara Municipal de Loulé, tal aeródromo estaria já implantado «ao longo da Via do Infante», sendo certo e sabido que não está. Daí que os aviões usados para o combate aos incêndios tivessem que ir reabastecer-se a Beja. Portanto, o aeródromo de apoio ao Aeroporto Internacional de Faro, segundo se suspeita, está em Beja.

5 – Castelos na areia. Afirma Cabrita Neto que há que proceder a demolições no litoral algarvio. Mas ainda falta algum bocado de litoral para demolir? E onde esteve Cabrita Neto durante este tempo todo?

Carlos Albino

quinta-feira, 5 de agosto de 2004

SMS 65. A mãe de todos os incêndios

5 Agosto 2004

1 - Foi uma cena dantesca para as populações algarvias da Serra e um espectáculo miserável os que do fogo de alguma forma falaram. As televisões, em vez de darem números, extensões que iam sendo afectadas pelos incêndios, quantidade e qualidade os meios de combate às chamas e volumes de prejuízos imediatos e a prazo, entretiveram-se ou entretiveram o País com circunstanciais imagens da Idade Média apanhadas intencionalmente aqui e ali, com os repórteres de voz escalfada como que a darem a ideia de estarem numa frente da guerra do Iraque e em risco de vida permanente – eles e não os bombeiros. E os responsáveis, então, cada um sempre que abria a boca era um chorrilho de palavras liofilizadas, assépticas, sem sentimento e pseudo-técnicas, como que de altos gestores ou por imitação do tipo de discurso saloio que os ministros e secretários de Estado de há uns tempos a esta parte praticam certamente a conselho dos respectivos «gabinetes de imagem».

2 – Depois do que no ano passado aconteceu em Monchique e em Silves, se não se previa para quando, o fogo era previsível no Caldeirão. O Algarve ficou de fora da Carta Nacional de Risco como uma das zonas potencialmente de maior gravidade e ninguém mexeu uma palha. E compreende-se que assim aconteça pois o Algarve já não conta como um todo, contando apenas a área da moradia à beira-mar, a piscina atrás ou à frente da moradia e o campo de golfe ali ao lado. Nada mais conta. E tanto assim é que nos mais importantes centros noticiosos do País não se sabia onde ficava Alportel, o Barranco do Velho e Salir, havendo muita gente admirada até de nesta vasta área algarvia haver... floresta! Para essa gente o Algarve seria tão somente a faixa de sete a oito quilómetros da praia onde vão molhar os pés, o que também se compreende porque as políticas dos governos sobretudo desde Cavaco Silva e sem excepção transformaram o Algarve numa nova Costa da Caparica de que Lisboa e as gentes do Norte precisavam e nada mais.

3 – Erros de previsão política, erros de planeamento no terreno, erros de observação e erros de informação, mais do que vento, mais do que a onda de calor e mais do que a acção de potenciais criminosos, resultaram assim numa situação de calamidade pois de calamidade se trata, pelo que Seruca Emídio (Loulé), António Eusébio (São Brás) e Macário Correia (Presidente da Junta Metropolitana) têm carradas de razão ao terem reclamado a declaração de calamidade pública.

4 – No ano passado, alvitrou-se aqui a Jorge Sampaio para fazer uma «presidência aberta» nesta mesma serra que ardeu. Mas segundo parece para o Presidente da República, também para ele, o Algarve fica-se pelos campos de golfe e pelos sabichóes das imobiliárias envolventes. Nem respondeu, nem fez. Deveria ter respondido e feito.

5 – Para terminar, recordam-se da cena de 1994, quando com o fogo de Silves à vista, os de Albufeira enchiam os olhos de gáudio com o seu fogo de artifício? Essa foi uma prova mais do que evidente de que o Algarve não está a ser visto e pensado como um todo. Comos e cada um,k responsável e irresponsável, estabelecesse como regra isto: «Desde que o meu quintal não arda para eu estar na piscina do meu quintal, o meu Algarve está bem e é o melhor do mundo...» Ora é para esta mentalidade, meu caro Macário Correia, que deve ser declarado o estado de calamidade pública e com a máxima urgência porque essa mentalidade, no Algarve, é a mãe de todos os incêndios.

Carlos Albino