quinta-feira, 28 de maio de 2015

SMS 616Uma guerra de 50 anos

28 maio 2015

Há uma guerra que o Algarve trava vai para meio século – a guerra da sustentabilidade. Ouvimos e lemos as advertências de Gomes Guerreiro sobre esse caso, ouvimos muito discurso no Parlamento embora, na maioria dos casos, sem grande convicção dos oradores e também sem grandes consequências, e também ouvimos e continuamos a ouvir decisores regionais a falar da sustentabilidade, com maior acento nas fases em que haja dinheiro ou perspetiva de dinheiro para distribuir ou para lotear em função de simpatias. Também nas promessas eleitorais e nos programas redigidos para captar o voto, o adjetivo sustentável tem sido e é amplamente usado como arma que define o atirador. É de admitir que muita gente até fala de sustentabilidade sem saber o que isso implica, significa e exige, de tal maneira que aquilo que é manifestamente insustentável, por exemplo no turismo e atividades conexas, é apresentado como contributo para a sustentabilidade… Raramente se fala e discorre com seriedade e fundamento sobre essa guerra que há muito devia estar ganha mas não está, e longe está, muito longe está de ser ganha. Alguns teimosos não vão atrás dos mais pessimistas, mas cada vez custa menos admitir que essa guerra está perdida.

Daí que, para alimentar algum otimismo, se deva atribuir elevada importância ao documento elaborado pela Ordem dos Economistas/Algarve - “Linhas Orientadoras de Um Modelo Económico Regional”. Linhas que devem ser lidas nomeadamente nas entrelinhas, onde se descobrem as mesmas advertências feitas há décadas por Gomes Guerreiro e por uns tantos rezingões que, desinteressadamente da política e dos lóbis das negociatas circunstanciais, amiúde chamaram a atenção para a falta de sustentabilidade e para as consequências nefastas para o Algarve que dessa falta adviriam. Mas, para além do diagnóstico e da posologia que a Ordem dos Economistas/Algarve colocou sustentavelmente nas mãos de quem queira pensar, houve duas breves intervenções na apresentação desse documento que deveriam constar em dois outdoors, um à entrada e outro à saída do Algarve – as intervenções de Francisco Murteira Nabo e de Paulo Neves. Mais ou menos, Murteira Nabo referiu-se à tragédia que será para o Algarve a falta de uma “estratégia conceptual”, e também mais ou menos, Paulo Neves lançou um alerta que apenas se pode e deve colocar em letra de forma, na presença dos responsáveis pelo turismo e decisores conexos do Algarve. Alguns destes, parece que ainda não entenderam uma guerra de há 50 anos.

Carlos Albino
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Flagrante atalho: Em vez de se andar às curvas, porque é que não vão diretamente à questão, criando a nova Província do Sul com dois distritos (Évora e Beja) e um balcão de vendas, outrora o distrito de Faro?

quinta-feira, 21 de maio de 2015

SMS 615. Pedro Jóia, como o tempo passa e bem

21 maio 2015

Os seus dedos são de oiro fino, a sua música faz da península uma guitarra de prata, o sentimento que expressa, faz de Portugal, ao mesmo tempo, uma lembrança e uma premonição de bronze. É Pedro Jóia que, neste sábado, sobe ao palco do Cine-Teatro Louletano. E já lá vão vinte anos que estes mesmos dedos de oiro fino, guitarra de prata e sonho ou pesadelo de bronze, se estrearam numa apresentação pública perante aquilo que então era e se podia dizer “o estado-maior” dos jornalistas profissionais do ou no Algarve. Tudo aconteceu numa boa sala de Vilamoura. Ninguém tinha ouvido falar de Pedro Jóia e alguém que sabia que ali estava oiro, prata e bronze ousou dizer mais ou menos estas palavras: “E agora, terminado o debate, caros colegas, uma surpresa – vamos ouvir um jovem que daqui a dez, vinte anos, será oiro da música portuguesa, prata dos nossos sentimentos e bronze na larga praça da nossa convivência. Pedro Jóia, toque!”

Assim fez e encantou.

Passados vinte anos, regressa ao concelho de Loulé sem serem necessárias mais provas de que a profecia se realizou. Ele tem o condão de agarrar na guitarra como se um deus fugitivo a agarrar num pequeno asteróide, e o som que dali sai desafia os astros, a alma que dali emana atinge a proporção de constelações, o milagre que produz é daqueles que só a Música pode concretizar e faz com que qualquer ser humano, do mais bruto ao mais culto, sinta a prova definitiva de que o espírito existe e que o “estado de espírito” não deveria durar apenas um instante.

Jóia não corresponde à última palavra do seu nome. No início dos anos noventa, quando o ainda aluno de Belas Artes teve de criar o seu nome artístico, o então jovem guitarrista foi buscar essa palavra intermédia do seu nome pedindo desculpa ao último. Felizmente que o fez. Jóia transformar-se-ia ao longo dos anos seguintes, no símbolo do seu trabalho artístico. Andou pelas cidades, concertos, discos... Mas os anos noventa foram ontem. Curiosamente, pode ler-se agora, nas suas biografias, referência à sua longa carreira. Já longa carreira? Parece ter sido ontem que Pedro Jóia teimou em ser artista da Música e não das Artes Visuais. Só que pouco importa o tempo. Falemos antes do lugar. É que, já agora, talvez seja bom recordar que Pedro Jóia estreou-se para o grande público, no Algarve, mais concretamente, em Loulé. Ainda bem que o tempo passou e que os crédulos no seu virtuosismo não se enganaram.

Carlos Albino
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Flagrante contributo para pôr fim à desordem: A Ordem dos Economistas/Algarve, apresentou ontem (dia 20) a sua proposta de  Linhas Orientadoras do Modelo Económico Regional do Algarve, e assinou um protocolo de cooperação com a Faculdade de Economia da Universidade do Algarve. As associações públicas, no caso a Ordem dos Economistas, têm um indeclinável compromisso com a sociedade e não apenas a defesa de interesses corporativos legítimos, e é por isso que o Estado lhes delega funções próprias. A Ordem dos Economistas deu um bom pontapé de saída. E um bom exemplo a ser seguido por mais Ordens.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

SMS 614. Um “Dia do Município” muito pouco municipal

14 maio 2015

Falemos claro. A Câmara Municipal da minha terra comemora o Dia do Município (hoje, 14 de maio) e, pelo convite que me dirigiu, tem como ponto principal uma "homenagem aos militares falecidos na Guerra do Ultramar". Julgava eu que tinha havido uma Guerra Colonial, e que o ideário e a terminologia da ditadura fascista tinham perdido definitivamente essa guerra. Guerra do Ultramar foi a designação oficial portuguesa do conflito até à revolução de 25 de Abril (Guerra da Libertação, para os Estados Africanos, e Guerra de África para satisfazer a todos os que não ousavam demarcar-se).

A Câmara de Loulé, pelos vistos e como se isto fosse já Santa Comba Dão, conserva a designação oficial usada pela ditadura que, através dos seus serviços de censura, proibia a designação escrita ou dita de Guerra Colonial. Portanto, o Dia do Município da minha terra é o Dia da Guerra do Ultramar. Podia a Câmara, naturalmente, fazer uma homenagem aos Empresários Vivos do Concelho, uma homenagem aos Escritores Oriundos, aos Desempregados Meio-mortos, aos Professores Atentos, aos Médicos que Não Enriquecem Sem Justa Causa, ou até uma homenagem aos Detentores de Vistos Gold, mas Guerra do Ultramar quando o ultramar de Loulé é o do peixinho e marisco fresco de Quarteira?

Além disso, desculpem-me lá os homens vivos do Núcleo de Loulé da Liga dos Combatentes que muito respeito, o que é demais não presta, perde o sentido e é uma inútil volta à parada a toque de caixa húmida e cornetim entupido, até porque falecidos não diz bem o que aconteceu – há mortos, matados e morridos. Os militares falecidos seja onde for, apenas se homenageiam com a Verdade, e não com aquelas nostalgias que são um cancro em estado terminal ou com aquele ânimo leve que é a hepatite C da política. Está longe de ser homenagem aos falecidos, servirmo-nos deles para levar a água ao moinho, independentemente de terem sido mortos, matados ou morridos.

Carlos Albino
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Flagrante insistência: Já o disse ao presidente da Câmara e ao presidente do Núcleo de Loulé da Liga dos Combatentes, vai para um ano e sem pronta correção até hoje, que, num bizarro e patético “monumento” aos combatentes, mais bizarro ainda se ousarem colocar soldados com metralhadoras como se isto fosse o Irão, a frase lá colocada e declaradamente extraída de “Os Lusíadas” é um absoluto desrespeito por Camões. Está lá escrito: “Ditosa a Pátria que tais filhos tem”, com o nome do Poeta Nacional a subscrever. Ora o que Camões redigiu no Canto VIII, estrofe 32, 5.º verso, foi: "Ditosa Pátria que tal filho teve!", referindo-se a Nuno Álvares Pereira e ponto final. Será exigir-se muito ou demais que a arquitetura da câmara ou o presidente do núcleo reescrevam “Os Lusíadas” ou corrijam Camões por alguma conveniência que faça da Pátria uma desditosa. Além disso, quem cometeu essa calinada monumental, se for ao concurso da Manuela Moura Guedes, perde.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

SMS 613. Como te recordo, Teixeira Gomes…

7 maio 2015

O nosso Teixeira Gomes, como se sabe, cultivou uma ideia helénica do Algarve. Em páginas ou passagens apuradas, ou ele não fosse um dos maiores estilistas da língua portuguesa, deixou-nos a ideia de um mar grego, rochas gregas, praias gregas, rostos e corpos gregos. Apenas não referiu a existência de cidades-estado porque, também, no seu tempo, Portimão não era Esparta, Faro não era Atenas, Tavira muito longe de ser Tebas, e Loulé ainda mais longe de ser Tróia embora fosse a Turquia do Algarve. Sem cidades-estado à vista, Teixeira Gomes construiu um Algarve lendário e tudo o que a realidade apresentasse como mau exemplo de civilização e de cultura, isso estava ao nível das ruínas, ainda assim belas ruínas para reforçar romanticamente a última zona da terra ainda povoada de heróis, deuses, ninfas, com sibilas e seus maridos, para não falar de algum Menelau em Olhão, algum Agamemnon em Albufeira, um Heitor em Monchique, Acrísio em Alcoutim, Teseu em Castro Marim, Príamo em Lagos, Aquiles em Lagoa, Jasão em Vila Real, um Estentor na RTA, um Belerofonte na CCDR, algum Odisseu em Aljezur, certo Academo na UALG, imaginem, um Ájax em São Brás, e qual Leonteu em Loulé, Neoptólemo em Tavira, Páris em Portimão, Pátroclo na AMAL, Protesilau em Vila do Bispo, um inesperado Sufax em Faro, e, muito embora a frase vá longuíssima, ainda cabe um Astíanax em Quarteira numa homenagem aos mega-aldeamentos turísticos cheios de gregos, às empresas municipais cheias de troianos e aos majestosos hotéis cheios de cavalos de madeira low cost.

Todo este mundo helénico que Teixeira Gomes não conheceu nem anteviu, permitiu-lhe ver no Algarve, a Grécia Antiga que modelou a Europa. Hoje ser-lhe-ia difícil sustentar a lenda, embora o céu continue azul, as praias estejam cheias de deusas desembarcadas, e o mar seja um mediterrâneo um bocadinho maior do que aquele que Ulisses atravessou mas permitindo que cada cidade-estado tenha o seu mar Egeu sem as mil ilhas – Faro e Olhão ainda têm algumas mas não chega, sobretudo com as demolições.

Estamos, portanto, com as nossas cidades-estado cheias de heróis, de deuses e até de guerreiros, com um brutal senão: sem cultura, mesmo a clássica. Muita animação de heróis, muito espetáculo de deuses e até muita gritaria eufórica de guerreiros, mas sem cultura, na definição clássica. Numa Grécia destas, em algum ano próximo, até Agosto deixa de ser Azul.

Carlos Albino
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Flagrante condecoração: A Polónia, dia 12 de Maio no Palácio Foz, por intermédio do seu Embaixador em Portugal, Prof. Bronisław Misztal, confere a José Mendes Bota a Cruz de Cavaleiro da Ordem de Mérito da República da Polónia. Mais um louletano distinguido, no caso, por factos, independentemente dos argumentos.