quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

SMS 443. Lutas por causas e pelo poder

29 dezembro 2011

Por este ou por aquele motivo e alcance, por aí se surgem iniciativas visando a formação de movimentos independentes por iniciativas de gente ou desesperançada com os partidos, por vezes a pretexto de causas a propósito das quais os partidos os seus representantes defraudaram. É legítimo mas é razoável que se separe as águas. Em democracia, os partidos existem para a conquista do poder através do voto, o que não conflitua, antes pelo contrário complementa ou aprimora esse papel, com os movimentos cívicos ou de cidadania. Os partidos lutam pelo poder com base nos seus quartéis de militantes e de milicianos cooptados, os movimentos cívicos batem-se por causas pelo que podem integrar gente de partidos ou à margem de qualquer filiação ou disciplina partidária. Os cooptados pelos partidos para a conquista do poder não são assim propriamente independentes, e os movimentos cívicos também não são privilégios de independentes, mas as regras do jogo já ficam tão claras quando se constituem movimentos de cidadania confessadamente ou não para a conquista do poder em competição com os partidos e sob a bandeira de independentes. Na verdade, é um mau sinal para a democracia quando ou se os partidos ficam reféns de nomenclaturas que impeçam a democracia interna e o debate de ideias, tomem decisões violentando a vontade expressa dos seus apaniguados, elejam dirigentes através de expedientes montados para a perpetuação de clientelas ou que atraiçoem promessas eleitorais pelas quais obtiveram o voto em sufrágio rasgando o contrato feito com os eleitores. Mas também é não apenas mau mas péssimo sinal para a mesma democracia que se tente fazer fora dos partidos o que dentro deles não se faz como se devia fazer por falta de coragem e de frontalidade, funcionando então os movimentos de duvidosos independentes como cómodo combate impessoal ou longe da cara dos efetivos destinatários do protesto político. A nível de freguesias, a luta pelo poder e a luta por causas confundem-se ficando isso civilizadamente diluído em guerrinhas cordatas de vizinhos. Mas a nível de municípios, esses sinais já são péssimos caso revelem a incapacidade dos partidos para a remoção de nomenclaturas politicamente suicidárias, sobretudo se os partidos, a nível local, tiverem ficado despovoados de quadros e funcionarem como meras máquinas eleitorais apenas animadas por líderes em tournée e pela mágica da sigla legal. E sendo assim, os independentes têm muito mais a fazer pela reclamada independência dentro dos partidos que fora deles. A não ser que se pretenda na eleição apenas ganhar um salário de prestigio social ou fazer prova de vida.

Carlos Albino
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Flagrante dúvida: A de se o Algarve em 2012 vai ter deputados, porque em 2011 não se notou a não ser aí por uns escritos genéricos e parajornalísticos.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

SMS 442. Nem quando toca a reunir

22 dezembro 2011

Diz um cómico do governo que esta não é altura para se pensar na regionalização pois o que se deve é proceder à descentralização. Mas descentralizar o quê, como e para quem quando se extinguem direções regionais supostamente criadas para funcionarem como alavancas e pedagogia de futuros centros de decisão regional? Descentralizar para os municípios quando se corta a eito nas verbas autárquicas ficando as câmaras sem dinheiro para mandar cantar um cego? É claro que as direções e delegações regionais, as extintas e as que se conservam, nunca foram nem são alavancas de regionalização e muito menos pedagogia. Foram e são empecilhos de burocracia, pequenos reinos de pareceres imperativos, correias de transmissão do chefe e zelosas máquinas de confiança partidária que muitos ingénuos têm designado por confiança política. Nesse mapa de mordomias de que os governos civis foram napoleónicos exemplos, as exceções ou tentativas de exceção tiveram os dias contados. É também claro que os municípios são instrumentos mais adequados para se transformar numa manifesta manta de retalhos aquilo que poderia ser uma região com pés para andar e cabeça para pensar. Nada melhor que descentralizar falsamente para os municípios caso o objetivo seja o de dividir para reinar, até porque, a rigor, o governo não pode descentralizar nada para os municípios, o que pode é alijar… Não descentraliza, alija. É a palavra. E é por isso que, com tais ilusórias descentralizações, os municípios ricos ficam mais ricos e os municípios pobres ficam mais pobres, assim se quebrando a coluna vertebral da solidariedade regional que é, no fundo, o que se quer partir. Na verdade, a melhor e mais fácil maneira de acabar com a ideia de Algarve é dividi-lo em 16 algarves cada qual tão ou mais endividado que o outro algarvezinho. E é assim que, com tanto algarvezinho, nem quando toca a reunir o Algarve se une. Não quando toca a reunir por reclamações de uma região que não passa de quintal de Lisboa ou de Caparica para o conveniente bronzeamento da socialite política, mas quando toca a reunir por uma ideia de Algarve.

Pequena nota: nunca se pensou que desejar Boas Festas fosse mesmo uma ironia, valendo todavia a intenção.

Carlos Albino
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Flagrante verdade bíblica: É mais fácil um injusto passar pelo fundo de uma agulha que primeiro-ministro e ministros decidirem alguma medida favorável ao Algarve.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

SMS 441. O mal está feito


15 dezembro 2011

Via do Infante, voltamos ao assunto.

O erro dos anteriores governos foi o de não terem desclassificado a via de “auto-estrada” para IP, pois de auto-estrada tem pouco. Além disso, muito boa vontade e tolerância têm mostrado os moradores das casas no meio das quais ela foi plantada, para não se prejudicar duas águias que ninguém viu e três linces da cor de um burro quando foge. Habituados à ideia de que a via era um bem caído do céu para a região, esses moradores poderiam ter solicitado indemnização pelo ruído contínuo desse pavimento acimentado de escórias contaminadas e comedor de pneus. Não o fizeram porque o terem lutado contra uma “auto-estrada” assim oferecida, além de ferir escandalosamente a militância de uns ecologistas enviesados, seria sobretudo lesar o Algarve, a sua indústria-rainha, o progresso, o futuro mais que perfeito do conjuntivo que se está nas tintas para o Algarve mas que o explora sem qualquer condicional. Agora que a estrada é paga, assiste-lhes esse direito à indemnização.  São às centenas e centenas os que se podem queixar – em nenhum lugar do mundo civilizado se faz uma auto-estrada a escassas dezenas de metros do quarto de dormir de cada um. É claro que a Via do Infante, nestas circunstâncias, deveria ter sido desclassificada, impondo-se limites de velocidade para proteção dos moradores e reconduzindo-a àquilo que efetivamente é - um itinerário sem alternativa entre localidades, inferno para quem mora junto ou perto, porque o ruído chega seguramente a um quilómetro de distância. E que ruído se houver um leve ventinho!

O erro do atual governo é o de dar este presente de Natal ao Algarve, região que só tem dado lucros ao Estado sem retorno, e não buracos – façam-se as contas. Uma via, inicialmente programada para três faixas, visando a substituição da 125 mas que levou uma eternidade para ser feita na sua metade com quatro faixas praticamente à custa da anulação de bermas; que levou outra eternidade para a sua segunda metade ir até Lagos; e que vai ditar uma terceira eternidade para a trágica requalificação da 125 depois de se ter deixado que esta tenha transformado o Algarve litoral numa Cisjordânia cheia de colonatos, pois, sem dúvida que este presente é magnífico.

E no erro dos anteriores governos e do atual estão obviamente comprometidos também os deputados e autarcas que, mal mudou o alfaiate mudaram de fato, ou, escrevendo pela ortografia antiga sem alfaiate, mudaram de facto.

Carlos Albino
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Flagrante surpresa: O Coro Infantil de Loulé a entoar canções de Natal no El Corte Inglês de Lisboa. 

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

SMS 440. Feriados daquém e do além


8 dezembro 2011

É um erro grosseiro a forma como o governo vê a matéria dos feriados, como grosseiramente errada foi a literatura com que se pretendeu justificar os cortes – Portugal não tem mais feriados que outros e até nem tem os feriados incompreensíveis que outros têm (2.º dia de Natal e de Páscoa, na Suécia e Alemanha, por exemplo) e além disso os feriados nacionais, ou são nacionais ou não são, independentemente de terem origem religiosa ou civil. É evidente que, por enquanto, Portugal não precisa de um feriado semelhante ao Dia da Unidade Alemã como a Alemanha tem, nem de um Dia da Constituição com os espanhóis celebram, porque a nossa unidade nacional (com mais alguma coisa de essencial e que dura há séculos...) foi sempre celebrada a 1 de dezembro e a Constituição (ainda que com outros pretextos e disfarces...) foi sempre celebrada no 5 de outubro. O que não se entende é que o Dia de Corpo de Deus seja feriado facultativo em Espanha e tenha que ser obrigatório em Portugal, sem que dos dois lados da fronteira se compreenda o que é que isso tem de nacional num lado e no outro já não tem. Como não se compreende como os dias da dita Assunção de Maria (15 de agosto) e da Conceição da mesma (8 de dezembro) tenham que ser feriados nacionais obrigatórios. Como também não se compreende que 1 de novembro Todos os Santos) seja feriado por todos celebrado e usado como o dia dos Defuntos que é a 2, no dia seguinte, com os próprios responsáveis religiosos a terem a imensa trabalheira de explicar que nem todos os defuntos são os santos da véspera e que nem todos os santos são os familiares do dia seguinte – outro feriado dispensável e, esse sim, que poderia ser encostado a um domingo porque é um feriado do além.

Mas claro que se Hitler tivesse sido derrubado num qualquer 25 de abril por uma revolução democrática e não no termo de uma guerra mundial que dilacerou tudo o que era país e povo, os alemães teriam nesse dia o seu Dia Nacional da Liberdade como Portugal tem, para não se esquecer da queda dos seus hitleres de trazer por casa mas que infelizmente continuam a estar vivos e tão vivos que beneficiam da presunção de inocência eleitoral.

A abolição do 5 de outubro e do 1 de dezembro é um erro grosseiro do governo, mexe com o que de mais profundo a sensibilidade portuguesa possui, e contrariamente à simbologia nacional das datas, é um gesto de outorga e sem coragem.

Carlos Albino
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Flagrante feriado que falta: Os feriados municipais que no Algarve são 16. Bastaria um  Feriado do Algarve a coincidir, damos de barato, com um religioso comummente aceite como o 1 de janeiro. O início de cada ano não ficaria bem como o Dia do Algarve? Ficaria.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

SMS 439. Fome, apenas isso

1 dezembro 2011

As notícias da fome, depois da fome envergonhada e contida, começam a chegar à praça pública. E quando tais notícias chegam à praça pública, mal vai a coisa. As cantinas das escolas básicas e secundárias têm tapado muita necessidade e nas casas de cada um só Deus sabe o que por lá vai. O mal chegou à universidade, sabendo-se agora que muitos estudantes, isolados das famílias e dependendo dos cêntimos daqui e dali, chegam a situações de carência alimentar extrema. O que podem fazer? Pouco. Estender a mão à caridade pública nas esquinas de Faro? Quem acredita? Poucos acreditarão até porque um qualquer estudante nessas circunstâncias não é propriamente elemento de bando romeno organizado. E basta noticiar essa realidade para a resolver? Não basta. É preciso dar-lhe solução, inventariar as situações de modo a que cada um dos necessitados não se sinta tingido na sua dignidade pois a fome, em gente honesta, é mal que se sofre pela calada até quase ao limite de cair para o lado.

Muitos dos pequenos roubos que jamais constarão nas queixas de esquadra, muitos dos pequenos assaltos que não entram nas estatísticas dos que apenas avaliam a realidade pelos números a grosso e não pelas causas (então, polícias a falarem de estatísticas!), e muita da agressividade que campeia nas relações do dia a dia, têm a sua origem em situações de fome. Ou pelo desemprego, ou pela brutal interrupção de esquemas pelo Estado, ou, no caso dos estudantes, pelo dilema que se lhes coloca entre estudar ou entrar na vida, a explicação está aí. As polícias podem andar atrás dos autores de furtos mas não andam atrás da fome, não podem prender a fome e entregá-la ao tribunal da área. A fome é um ladrão que escapa a tudo e até rouba a dignidade e sensatez de quem tem fome.

É claro que os municípios, entidades do Estado comprometidas, organizações cívicas, e, no caso, a própria universidade, já deviam ter-se sentado à mesa para formularem o problema, a extensão do problema e encontrar a melhor solução possível. Não apenas um município mas todos porque o problema é comum e a fome pode residir num deles mas atuar no outro. Cada um agir por seu lado pode resolver situações pontuais e redundar em prestígio ou reconhecimento social, o que não deixa de ser perverso. O problema é do Algarve e a fome que há nas outras regiões não desculpa que não se encare o facto para cá do Vascão até às moradias da Quinta do Lago. Mas possivelmente cada um está à espera do outro, ninguém sabendo por onde começar solidariamente, até porque nem para encarar um flagelo que afeta toda a região existe Algarve. Infelizmente, o Algarve, cada vez mais, é apenas uma maneira de dizer. Esse é o nosso pior défice e nem a fome envergonhada ou já pública, a pobreza extrema e uma multidão carente mas calada, faz abrir os olhos. Vamos voltar às filas dos pobres que se faziam no final das missas dos anos 40 e 50 do século passado, a pedir “um pãozinho para o pobrezinho”, ou já se esqueceram disso?

Carlos Albino
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Flagrante património: O fado chega a património imaterial da Humanidade, processo bem conduzido e justificado. Sagres que poderia e deveria ser património da mesma Humanidade, foi para o lixo. Muita culpa do Algarve e de muitos algarvios de sofá. Ou como observava Aleixo, de muitos doutores com a mosca pousada na cabeça.