quinta-feira, 25 de maio de 2006

SMS 159. Conferência regional de segurança

25 Maio 2006

Penso que não exagerei, na semana passada, com o alerta para a segurança e com os sublinhados para uma vigilância mais atenta, mais responsável, dissuasora e preventiva, com efectiva visibilidade e presença continuada das autoridades policiais em locais e corredores estratégicos. A GNR, onde não há PSP, não pode limitar-se com razões de sobra a fazer o expediente das vítimas; a PSP, onde a GNR a não substitui, não pode converter-se com fundados motivos em vítima sistemática do expediente; as restantes autoridades (polícias de investigação e de imigração) não podem comprazer-se apenas com os resultados de operações esporádicas por mais evidente que seja o êxito e a tonelagem do crime perseguido; e os Municípios, os 16 em conjunto e cada um por seu lado, não podem continuar a assobiar para o lado nesta matéria da segurança.

É impensável, por exemplo, que a GNR no Algarve obedeça a três ou quatro comandos diversos se não é que não são longínquos e que nada têm a ver com Algarve e com os problemas especiais do Algarve, conforme o caso, desmotivando quem, sendo militar, está a postos. É impensável que a PSP no caso peculiar e especialíssimo do Algarve que em metade do ano vê a sua população subir dos 400 mil e picos para mais de um milhão e meio, não esteja presente com organização, meios e recursos adequados em cada uma das cidades, grande parte das quais se atravessa, seja de dia seja de noite, sem se ver um agente à vista desarmada, com excepção para as braçadeiras da polícia de trânsito que só adianta o trânsito. Como também é impensável que os municípios, que há bem poucos anos deram mostras de febre securitária com a reivindicação de polícias municipais, agora se isentem da chamada de competências, da pressão política e das trancas à porta.

Naturalmente que não culpo as pessoas, a pessoa dos responsáveis, sejam agentes da administração ou eleitos. Culpo o sistema que está desadequado, desfasado e que, no caso do Algarve inesperado que temos, actua como se isto fosse o Alto Alentejo ou a Beira Litoral, que não é e está longe de ser, pois a segurança autónoma dos aldeamentos turísticos de porte não é a segurança do Algarve e dos Algarvios.

Por isso, julgo que seria oportuna a convocação de uma conferência regional de segurança envolvendo todas as partes implicadas (agentes políticos, da justiça e das polícias) e da qual saíssem pontos de situação credíveis, recomendações ao Governo e algum sinal para a população do Algarve, sobretudo a residente que, pelos factos e pela doutrina dos factos, está deveras indefesa e à mercê do acaso ou da sorte. Claro que o Governador Civil e o Presidente da Junta Metropolitana teriam ou terão uma palavra a dizer. Estou em crer que o Algarve em peso agradeceria tal palavra.

Carlos Albino

quinta-feira, 18 de maio de 2006

SMS 158. Prioridade à segurança

18 Maio 2006

Na última semana, para além de ter sido inusitadamente bombardeado com telefonemas, e-mails e conversas de café dando conta de diversos assaltos nas zonas rurais em redor de Loulé, roubos de monta em estabelecimentos comerciais das principais cidades do centro algarvio e descaradas actuações de delinquentes envolvendo negócios criminosos um pouco por toda a parte, então não é que eu próprio fui vítima? Primeiro, em plena tarde, foi um inacreditável assalto à minha residência numa das principais avenidas de Lisboa e, dois dias depois, dois brasileiros assaltaram-me à mão armada, na mesma zona. Não pelo que me aconteceu, mas por aquilo que está a vitimar todos os dias dezenas e dezenas de cidadãos, penso que chegou o momento para, de forma clara e inequívoca, todos reclamarmos por mais segurança, por esquemas preventivos e dissuasores mais eficazes das autoridades com funções policiais, por critérios mais sopesados por parte das autoridades da imigração e, sobretudo ou acima de tudo, poses sem lassidão dos decisores políticos que muitas vezes se comportam ou justificam medidas como se fossem membros de uma ONG ressabiada. É que há um género de anti-xenofobia que acaba por ser xenófona com todas as letras e que acaba por favorecer o pasto para incrementar a verdadeira e temível Xenofobia que ninguém que seja sério deseja ou quer ver nos seus dias.

Nada adianta a cada um dos responsáveis – desde políticos e polícias, a tribunais e agentes de imigração – descartar culpas para cima dos ombros de cada um dos outros, deixando o cidadão atónito perante este jogo de lavar de mãos que pode garantir sucesso para abertura de telejornais e manchetes de tablóides, mas que não passa, tal jogo, de manifestações secundárias de adolescentes tardios da democracia. Igualmente nada adianta jogos de estatística, de percentagens ou de comparações com outros países e outras regiões, quando a insegurança é um facto e, além disso, quando a criminalidade se revela cada vez mais violenta e executada por gente, essa sim, sem dúvida, xenófoba, impiedosa e desumana.

Carlos Albino

quinta-feira, 11 de maio de 2006

SMS 157. Direitos adquiridos

11 Maio 2006

«Diga lá! O ké ke kéri?» - foram estas as primeiras palavras que a funcionária, bem aperaltada e com ares de mestrado em prepotência municipal, me dirigiu, além disso espetando o dedo como bico de pita na minha inicial tentativa de dizer boa tarde, pelo que apenas disse boa e engoli a tarde. E estava eu mastigando em silêncio aquele venenoso formulário de atendimento público, quando a funcionária volta à carga, fazendo subir a voz como o clarinete de Paderne a disfarçar a fífia - «Vá! O ké ke kéri? Diga lá!». Claro que perante esta ordem municipal para eu dizer , disse imitando tanto quanto possível o contra-baixo da banda de Portimão e retirei-me sem tratar do caso. É que não tenho mesmo nenhuma paciência para aturar estes plebiscitos de duas pernas que se sentam nas repartições públicas como direitos adquiridos e que degolam qualquer educação cívica e qualquer instrução pública. Disseram-me depois que aquele plebiscito está ali apenas por ser afilhada de um padrinho, e se aqui trato deste caso de mordomia poluída sem nome e sem local, é porque também me disseram que o caso é mais geral no Algarve do que eu antes supunha e que não ocorre apenas com bicos de pita, enfim sempre são pitas, mas que se repetem com árvores de maior porte que a desconcentração e descentralização por aqui planta...

Carlos Albino

quinta-feira, 4 de maio de 2006

SMS 156. Nem a Mãe Soberana entende

4 Abril 2006

Ali, no alto daquele monte, a vez não é dos políticos, nem dos actores, nem dos animadores de tertúlias, nem dos homens ricos por serem ricos, nem dos pobres encartados por serem pobres e muito menos dos jornalistas. Ali, a digna vez é dos padres, é a vez de um padre que, de ano para ano, se costuma designar por «orador sagrado» e de cuja boca, também de ano para ano, se espera que diga palavras que de alguma forma sagrem a convivência humana e um raro momento em que os inimigos esquecem inimizades, os adversários enterram machados de guerra e os desconhecidos se tratam por conhecidos. Falo da Festa da Mãe Soberana que, em Loulé, leva em triunfo para o alto desse monte largos milhares de seres humanos numa feérica movimentação da qual, uma vez acabada, apenas resta uma coisa que é uma grande coisa – um momento raro de fraternidade humana. Pois, lá no alto do monte e pelas encostas do monte, misturam-se crentes convictos, ateus de conveniência, agnósticos por vários motivos (sendo eu um dos mais fracos motivos), mas também indiferentes por cultura, distraídos da vida arrastados, e pelo meio da amálgama uns quantos desesperados sem causas à espera de um sinal de esperança a que se mistura gente de sucesso para quem a vida tem sido um mar de rosas ou talvez mesmo um pântano de expedientes. O certo é que todos sobem, uns limitam-se a saudar com entusiasmo contagiante, outros acompanham mesmo a Mãe Soberana num exercício secular que apenas pode ter uma explicação que é uma grande explicação – um exercício raro de paz humana, além do mais transbordante de alegria. A isto não se chama espectáculo, chama-se fraternidade.

E mal anda o «orador sagrado» se não percebe isso, se não entende quem tem à frente e se pretende impor um discurso codificado, findo o qual toda a gente, à excepção do próprio, diz que falou muito bem mas não compreendeu rigorosamente nada, apesar da voz bem colocada e da frase bem construída a custa de códigos, tal alguns economistas usam para a crise económica sem nunca enunciarem claramente uma solução ou tal como alguns dentistas para ingloriamente explicarem ao paciente uma terrível dor de dentes não sendo esse o momento para teorias. Foi o que este ano aconteceu, porque há discursos «fraternos» que são contra a fraternidade – prática em que o fundamentalismo, qualquer fundamentalismo (então o islâmico!) é useiro e vezeiro. Pois o «orador» deste ano, vendo aqueles milhares de crânios, o que fez? Desfasado daquela entusiasmadíssima Festa de paz e sem compreender aquela alegre Festa de fraternidade, o «orador» como que descobriu a grande e irrepetível oportunidade histórica de derramar para aqueles crânios as coisas de peso do Antigo Testamento, do Novo Testamento e admito até que do Futuro Testamento, insistindo no filho morto quando todos, todos ali desde ateus a crentes e passando por agnósticos tementes, só vêem o filho vivo, e mais grave, fazendo incidir a oratória sagrada na Mãe Súbdita quando todos, todos desde desesperados a peritos em expedientes da vida só vêem a Mãe Soberana. É claro que, nestas circunstâncias, abandonei o mais rapidamente que pude o alto do monte, como nunca fiz. Ali, ninguém contesta e até todos desejam que a Igreja faça prova de vida o que não consegue com um sermão que nunca se sabe se é mais semelhante ao que no século XVIII antecedia o auto de fé ou se é repetição, ainda que vaga, do que se seguia à purificação dos condenados.

Loulé, melhor, a Festa da Mãe Soberana merece um «orador sagrado», mas um orador que sagre. De outra forma, nem a Mãe Soberana entende porque há no seu património valores que excedem a Festa e que jamais podem ou devem ser alienados – a paz e a fraternidade, coisas entendíveis apenas numa linguagem sem aqueles códigos que não vão ao problema, sem aquela presunção de frase bonita mas que põe em crise a convicção, sem aquelas fórmulas que desumanizam e que por mais que divinamente inspiradas pareçam ser, acabam por dar para o torto.

Carlos Albino