quinta-feira, 24 de novembro de 2016

SMS 693. Sobre estes apontamentos. Etc., etc.

24 novembro 2016

Pela primeira vez, já lá vão uns bons anos, este apontamento é sobre estes apontamentos. E a razão que é simples depende da resposta a esta pergunta: sobre que escrever? Claro que temas não faltam no Algarve, temas velhos e temas inesperados. As carências são muitas, as soluções, por mais que reclamadas e prometidas, tardam ou são esquecidas. Os disparates designadamente políticos são incontáveis; o provincianismo alastra e até parece que satisfaz; a ignorância, coisa que não há muito tempo dava vergonha, agora até possui uma carreira hierárquica própria; a segurança volta a estar quase confinada à caça à multa e a acções de rusga individual seletiva; sobre o estado da saúde, designadamente a pública, é melhor nem falar, e de resto morre-se no Algarve conforme a carteira que se tem. Etc., etc..

Temas não faltam, muito embora quando chega a hora de escrever sobre algum dos muitos problemas ou acerca de alguma rara solução, o mais cómodo, possivelmente o mais inteligente seja dizer que o Algarve azul e doirado é um divino sonho à beira-mar, ou que belos mariscos, ou ainda, para os românticos pecos, que esta é uma terra de moiras encantadas que nem precisam de cartão de cidadão e também de passarinhos que saíram dos ninhos, felizes, coitados. Além disso, terra de bom marisco, excelente batata-doce, com muita animação de Natal nem por sombras pacóvia. Etc., etc.. Portanto, uma terra sem problemas de qualquer ordem e sem outra inquietação, angústia ou mesmo alegria que não seja bater ou elogiar o primeiro-ministro que está lá longe, dissertar profusamente e com muita sabedoria sobre o governo central que rendeu o outro centralmente tão longe como todos. Etc., etc..

Na verdade, falando com as cabeças pensantes, o Algarve não tem problemas e como não tem problemas, também não precisa de soluções. De vez em quando, por aí surgem uns desacatos promovidos por uns energúmenos, tais como a Via do Infante, a 125, as demolições na Ria Formosa, o petróleo, uma ou outra onda de assaltos, pouco mais. Tudo sem importância e passageiro.

Para quê, então escrever, um apontamento que seja, se um apontamento é para apontar, registar alguma coisa que foi vista, ouvida, lida ou que deve ser lembrada? A região está bem e não precisa de nada. Para quê apontar?

Carlos Albino
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Flagrante constatação: Sabe-se lá porquê, mas basta subir a um monte para se verificar que a linha do mar ao fundo está muito mais alta.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

SMS 692. Municipalismo e Cidades-Estado

17 novembro 2016

Tal como nas marés, a contagem das ondas indica a preia-mar ou a baixa-mar, assim também com eleições mais ou menos à vista e em matéria de regionalização, descentralização e outras minudências populistas, a contagem de anúncios temporãos, intenções baratas ou promessas falsas indica a vazante ou a enchente da política, aliás da má política ou da política que mata a Política e que pouco a pouco vai minando a confiança dos cidadãos. Depois de tanta descentralização para as autarquias sem que estas – os seus quadros políticos e técnicos para isso estivessem ou estejam preparados -, com a contagem decrescente para as eleições autárquicas aí estão a surgir promessas, intenções e anúncios de mais descentralização, não para as regiões (assunto que ficou na gaveta) mas para as regiõezinhas mapeadas pelo poder local. Com esta prática e invocando-se em vão o nome sagrado do municipalismo, não se conseguiu, não se consegue e não se conseguirá qualquer descentralização, mas apenas a criação de sucursais do Estado, ampliando-se medonhamente a burocracia sobretudo onde e quando a burocracia se cruza com interesses inomináveis. Onde devia existir Região e não existe, como é o caso do Algarve, as sucursais locais do Estado criam uma teia burocrática mais complexa que a própria burocracia do Estado cujos excessos, à partida, foi anunciado e prometido combater. Além disso inviabilizaram qualquer ideia de região a sério, embora essa ideia seja mantida à custa de órgãos decorativos absolutamente inúteis e ineficazes que o cidadão desconhece e que apenas serve para mero prestígio socia dos empossados.

As burocracias municipais que configuram a sucurssalização do Estado e não a sua descentralização, mais longínqua ficando a regionalização, acabam por ser um travão para as pessoas, para as empresas, para todos. Nunca com tanta internet, tanto correio electrónico, tanto Google e tanto digital, foi necessário tanto papel para tanto postigo e tanta capelinha, onde as interpretações fundamentalistas da lei são o pão nosso de cada dia. O serviço público, assim, em vez de cumprir a missão de ajudar o cidadão, parece existir apenas para complicar a vida de cada um. Em vez do exercício pacífico do poder local, aí temos de volta o exercício do poder de secretaria, por vezes com tiques de autoritarismo sem travão. Pior, sem escrutínio. Pior ainda, poder que não tendo sido eleito, acaba por condicionar, interferir e dar voz de comando ao poder eleito. Nunca, com tanta cidade-estado, a região esteve tão longe, nomeadamente como desiderato e finalidade.

Naturalmente que nas regiões onde o imobiliário e actividades adjacentes é a principal se não até a única “indústria”, a burocracia apenas não é religião porque se rege pelo velho e nefasto princípio segundo o qual o segredo é a alma do negócio. E quanto mais desta “descentralização”, melhor para tal segredo. Infelizmente, a contagem das ondas desta alma e deste segredo, indicam vazante de Política, e não maré enchente.

Carlos Albino
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Flagrante liderança regional: Ninguém.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

SMS 691. As comunidades e os silêncios

10 novembro 2016

O Algarve tem várias, muitas comunidades. Umas de residentes que por prestígio rejeitam ser considerados imigrantes internos ou externos, outras de imigrantes para os quais é secundário serem residentes, umas a quem cabe apenas a legenda de trabalhadores, outras que embora pouco ou nada invistam a não ser no consumo, reivindicam o estatuto de investidores, umas que são de islâmicos, outras de anglicanos, luteranos, evangélicos, etc., umas que, com noção do conceito de acolhimento, falam e escrevem em língua portuguesa, outras que vivem e circulam como se isto fosse uma colónia sem língua, umas que formam por cultura grupos fechados, outras que por sobrevivência e instinto de integração são propensas à abertura e ao diálogo sem grande esforço ou cara franzida, umas com jornais próprios, outras apenas com cinema mudo. Há de tudo. E neste tudo, ainda entra um apreciável grupo de gente que ninguém sabe se fazem ou formam uma comunidade – os ciganos. É, no fundo, o novo Algarve multicultural e miscigenado que se vem formando nas últimas décadas. Basta ir a um cemitério para se constatar que, apesar de novo, esse Algarve já vai jazendo com uns ao lado dos outros sem disputa de língua, religião ou possidências. Já entre os vivos, claro que o comportamento, opinião ou atitude de um ou alguns indivíduos de cada comunidade ou grupo, não pode nem deve ser generalizado a todos, nem quem acolhe ou aceita a vizinhança pode ou deve exigir opinião e comportamento. Mas há uma linha que define no mínimo como estranho o silêncio de uma comunidade minoritária sobre problemas graves ou inquietações profundas da Comunidade geral onde é suposto que esteja inserida muito antes da paz dos cemitérios.

É agora conhecido e divulgado o caso das crianças portuguesas arrancadas às mães no Reino Unido, tornando visível uma rede de interesses que, muito próximo do comportamento e possivelmente da opinião dos antigos corsários, envolve médicos, advogados, assistentes sociais e pescadores de subsídios. Naturalmente que não é de pedir à comunidade islâmica do Algarve que rompa o silêncio sobre a matéria, embora também não rompa lá muito sobre matérias inquietantes que levam muitos a cometerem o erro da generalização. Cada uma das várias comunidades tem ou faz o seu silêncio próprio, o que não é grave quando o caso não é grave. Mas no caso das crianças traficadas na Inglaterra por pirataria supostamente legal, é de pedir à comunidade britânica que diga uma palavra, que esboce uma opinião, que faça uma demarcação pública e visível, que se esforce por contrariar uma cultura de suspeição.

E não entramos em pormenores.

Carlos Albino
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Flagrante orçamento participativo: Festivais, animações, celebrações, eventos e outras coisas mais quase sempre municipais mas encomendadas a agências longínquas que não pisam nem conhecem o Algarve, comendo receitas e erário público quando a política se transforma na arte de atirar areia para os olhos, bem vistas as coisas, é um orçamento participativo para tais agências.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

SMS 690. O vírus do populismo

3 novembro 2016

Obrigado, Jorge Sampaio, vem na hora exacta o alerta. O populismo é um vírus. Um vírus contagioso e muito resistente que consegue passar anos sem se evidenciar, mas é o responsável pelo surto, primeiro, da desconfiança, depois da abstenção e, finalmente, de destruição da democracia tal como a entendemos já por rotina, embora muitos a tenham desejado festivamente. E é um vírus que não ataca apenas lá em cima. Lá em cima, o trabalho do vírus só tem êxito quando cá por baixo se propaga e chega a ser cultivado como santo da casa. Esse vírus começa por anular a consciência dos que infeta, manipula com habilidade os valores do bem-comum em função de interesses, uns difusos, outros hostis ao que a sociedade de melhor quer, deseja e sabe ser possível, e porque é vírus, dissimula-se levando o infectado ao discurso enganador, à recusa do escrutínio dos actos, e à convicção dele e dos outros que contagia, de que se pauta por valores, serve o bem-comum e reforça as instituições da própria democracia onde se alojou pela lógica da conquista do poder ou da manutenção do poder. E porque é vírus, convence.

Nas sociedades onde não há comunicação ou onde a comunicação é confinada, inadequada e insuficiente (como é o caso do Algarve), não havendo escrutínio, análise e despiste, o vírus nem precisa de ter nome porquanto tem o nome de cada um dos portadores, nome que até passa por respeitável. Grassa à vontade e circula por todos os partidos sempre que o poder alcançado não coincide com o dever que o vírus atraiçoa. Grassa não apenas pelos directórios e pelas assembleias circunstanciais dos partidos locais. Grassa pelas instituições das freguesias e dos municípios, onde, em vez do serviço público e da disponibilidade criativa e apaziguadora do cidadão, faz de cada divisão, departamento ou gabinete, uma unidade beligerante que contradiz o discurso do chefe dos vírus que, por regra, é um discurso redigido pelo próprio vírus.

Esse vírus do populismo age de preferência cá em baixo, evita que alguma vez pareça provocar uma doença de Estado, porquanto nesta eventualidade, por pudor ou por sobrevivência do próprio Estado, dificilmente evitaria uma acção de erradicação, ainda que aparente. Cá em baixo é o seu terreno, sabendo o vírus que pouco a pouco vai grassando o mapa e, sem que os administrados se dêem conta, fica com o proveito da doença do Estado, sem que desta tenha fama.

Jorge Sampaio tem toda a razão. É preciso retirar do seu aviso todas as ilações.

Carlos Albino
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Flagrante cúmulo: Disseram-me e provaram que, num dado município algarvio, para um projecto de arquitectura de um jazigo, os serviços exigiram planos de água, gás e electricidade… É do outro mundo.