quinta-feira, 26 de setembro de 2013

SMS 532. António Ramos Rosa

26 setembro 2013

Dizer que António Ramos Rosa é um dos maiores poetas do Século XX é dizer pouco. É preciso acrescentar que é um dos maiores poetas portugueses da segunda metade desse século. E para se precisar um pouco mais, talvez convenha acrescentar que se manteve como um porta marcado pela dedada da terra onde nasceu. O seu endereço de nascimento é este – Cidade de Faro, Algarve.

Que é uma honra para nós, seus parceiros de terra? Sim. O seu primeiro poema, datado de 1958, “Os Dias sem Matéria”, foi publicado em  A Voz de Loulé. Ao longo do tempo e dos seus abundantes títulos, as marcas de uma paisagem luminosa que lembra o Sul, parecem sobreviver desde o primeiro título “O Grito Claro”, datado também de 1958, até ao último, “Figuras Solares”, de 1996. Talvez o seu maior esplendor como poeta da originalidade – e aqui originalidade refere-se sobretudo à origem - esteja concentrado nas recolhas de 74 e 75, bem como no livro “O Ciclo do Cavalo”. Depois, a pureza de António Ramos Rosa nunca foi manchada por nenhum descuido ou cochilo. Sempre grande, por vezes quase imaterial, quase sem raiz na terra pátria, para passar a ter só raiz no mundo. Não importa.

O que há a salientar, no momento que passa, e é tão fugaz, é que António Ramos Rosa tenha sido tão fiel à poesia pura. Numa hora tão absurda como é aquela em que vivemos, em que a Literatura se mistura na alcofa das vendas a retalho, é bom que um poeta tenha escrito:

Às vezes um homem consegue ser a palavra
Entre a terra e a terra
E abrir uma porta.

A Biblioteca Municipal de Faro tem o seu nome e a sua obra. Oxalá nós tivéssemos na nossa vida a inteireza da sua poesia.

Carlos Albino
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 Flagrante indicação de voto: Escolham estes ou aqueles e, conforme, depois não se queixem, dizendo que foram enganados e que estão arrependidos.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

SMS 531. Os nomes das coisas

19 setembro 2013

Dar nomes a ruas, praças, escolas ou edifícios públicos, é um ato que, para além de simbólico, é marcante. Traduz, ou deveria traduzir, os valores em que a sociedade acredita e quer deixar vivos para a posteridade, ou põe em letra de forma, por princípio, gente de bem que a sociedade não quer que se esqueça. E é assim que os nomes das coisas, da travessa e avenida à praça de referência, passam a fazer parte do quotidiano de quem aí habita ou passa.

E nisto de nomes, também há modas. Houve tempo em que a moda foi dos reis da simpatia ou dos presidentes da República, ou por terem nascido na localidade ou por amizade com o regedor da circunstância. Noutro tempo, foram os navegadores e figuras emblemáticas da expansão marítima. Há muito Vasco da Gama, muito Afonso de Albuquerque, bastante Pedro Álvares Cabral e uma coleção de marinheiros mesmo em terras onde ninguém sabe nadar. Houve também a moda de heróis, uns heróis a sério, outros por dá cá aquela palha, sendo essa a razão de, por aí, quase não haver terra que não tenha a sua Rua Tenente Valadim, embora ninguém saiba quem foi, o que fez e porque consta. Também houve a moda dos ideais, com as ruas da Liberdade, do 5 de Outubro e do 25 de Abril a substituírem, por vezes, anteriores nomes que tão depressa foram impostos como expediente de idolatria, como rapidamente caíram em desgraça, passando a figurar na lista dos detestáveis. E o que se passou ou passa com nomes de ruas, passou-se e passa-se com escolas e demais edifícios públicos a que se queira dar bilhete de identidade.

Mas independente de modas, o que interessa é avaliar os critérios. E nem sempre os critérios são suportáveis. Porque uma coisa é dar a uma rua o nome do Poeta Aleixo, outra é perpetuar numa travessa alguém que publicou dois ou três livrecos de quadras onde coração rima sempre com feijão e não passam da cepa torta. Uma coisa é dar nome de rua a uma figura pública nacional ou local que tenha deixado obra de excelência, pensamento e exemplo estimável na sociedade, outra é usar a rua para tornar em figura pública quem foi figura normal e por vezes pouco exemplar. Até por vezes os nomes são dados “porque não há mais ninguém”. Neste caso, rendo-me à sageza de uma terra do Alentejo que, à falta de personalidade local de relevo e com direito à consideração pública, resolveu o problema atribuindo à rua o nome de “Rua de Ninguém”. Ou, outro caso, também se encontra em Palmela a Rua de Nenhures. Na verdade, dar a uma escola o nome de alguém que não produziu uma linha pedagógica ou científica, que nunca foi professor ou investigador a sério, e que jamais se revelou um lutador da instrução pública com nome para ficar, não lembra a ninguém. Pensem nisto e dêem uma volta pela vossa cidade.

Carlos Albino
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Flagrante autarca sem limitação de mandatos: André Jordan.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

SMS 530. Os novos educadores do povo

12 setembro 2013

É uma originalidade portuguesa, esta de, semanas atrás de semanas, ex-líderes de partidos, ex-governantes e deputados no ativo ou reformados se sentarem nas televisões, entrando como comentaristas e saindo como entrevistados. Falam dos mais variados temas, da economia e finanças até à educação e ambiente, com ar de peritos em tudo. Não é difícil perceber que os temas são previamente escolhidos e estudados determinando as perguntas, e que as respostas são preparadas em função da militância partidária e da capacidade de tecer argumentos ardilosos, frequentemente perto do embuste. As televisões chamam a isso comentários mas são de facto entrevistas, conferindo continuadamente a essa gente que teve tribuna e não usou na hora em que devia ter dado explicações, ou que tem e não usa para os devidos efeitos, uma espécie de direito adquirido. Mesmo que no passado tivessem feito o mal e a caramunha, aparecem impositivamente nas casas de cada um como educadores do povo, como exemplos de ética política, e como papas infalíveis.

Não é que, como cidadãos, não tenham direito ao comentário ou à expressão de opinião. Obviamente que não se lhes pode nem deve retirar esse direito. O que repugna é que, a coberto desse direito, sejam entrevistados em dia certo ao longo de tempos e tempos, como se fosse um dever nacional ouvi-los e eles tivessem o direito também nacional de serem ouvidos. Ou Portugal não tem ensaístas, pensadores, politólogos, comentadores independentes e especialistas a ponto de se ter de recorrer a políticos errantes mas disponíveis para tais serviços, ou então, estamos enganados, e o pensamento crítico, a avaliação da realidade, o escrutínio do passado e a abertura de perspetivas de futuro, terá mesmo de passar pelos estafados recrutas partidários que, por este ou aquele motivo mais que sabido, estão a fazer a travessia do deserto.

Em nenhuma democracia ocidental acontece este fenómeno português de entregar a políticos que falharam à mingua de ideias, que erraram clamorosamente ou que perderam no voto a confiança dos cidadãos, surgirem como pensadores impostos, agendados e com honras de luminárias, em entrevistas que mais não são que uma serviçal mistificação do jornalismo, a que normalmente, nas democracias maduras, se chama frete.

Se não vejam, agora que atravessamos o período eleitoral autárquico, como sub-repticiamente interferem ou tentam interferir, no que a cada um convém partidariamente. É verdade que não pisam o risco da lei, ou não sejam na generalidade advogados, mas a mensagem subliminar, a ideia apelativa subtil e o intencional argumento falacioso, lá estão. Entram nas televisões como comentadores supostamente independentes e fora da política ativa mas saem delas génios dependentes e clérigos experimentais dos diretórios partidários. Com tais novos educadores do povo, sem dúvida que, feitas as contas, a instrução pública desce. Convertem o pensamento político na tagarelice com sorriso de salão.

Carlos Albino
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 Flagrantes queixas: Na Comissão Nacional de Eleições, pelos dados mais recentes, deram entrada 157 queixas relativas a estas autárquicas. O maior número (39) relaciona-se com a neutralidade e imparcialidade das entidades públicas, seguindo-se (31) casos de tratamento jornalístico discriminatório e (27) com publicidade comercial. No Algarve também há casos em que, segundo parece, todos os meios justificam os fins…

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

SMS 529. Independentes de quê?

5 setembro 2013

Quanto à independência crítica, todos, estejam ou não filiados em partidos, é bom que a tenham, a conservem e torçam por ela. A independência de espírito é um bem inestimável, e se algum partido eventualmente a não tolera, estará a esgotar a democracia interna ou terá deturpado gravemente os procedimentos estatutários. Só que a invocação de independência dá para tudo. Por vezes nada mais é que a camuflagem de subserviências e interesses em nome de “grupos de cidadãos”, ou, pior, a máscara de vaidades pessoais, de ressaibos mal administrados e de fato eleitoraleiro dos vira-casacas.

Nesta época de candidatos livres, aí temos os independentes de várias espécies. Há os independentes por mera afirmação ou motivação pessoal, há os independentes “apoiados” por um partido ou concorrendo em lista de partido, há os independentes que já foram de um partido mas que, perdendo a corrida interna da sua facção, surgem como espécie de vingança acrítica e de pregação emotiva, e há também os independentes, sobretudo nos pequenos meios ou nos meios rurais, que em anteriores eleições foram apoiados por um partido e agora surgem com apoio de outro. Se me dizem que o independente é aquele que isso invoca por não ser filiado num partido ou neste não tem militância, sendo próximo, nada haverá a opor. Os partidos têm o direito, a legitimidade e até o dever de recrutar os melhores da sociedade, os probos, os honestos, os competentes e, naturalmente, os que tenham dado provas de independência crítica. A presença destes independentes no jogo eleitoral é saudável, enriquece a democracia e vai ao encontro dos eleitores que, estes também tenham independência crítica. E até se admite que de fora dos partidos também surjam independentes probos, honestos e competentes, com algum programa de ação e ideias que os partidos recusaram ou não previram, e que um grupo de cidadãos assuma. O problema não é esse, o problema é quando a independência é uma máscara, o resultado do mais reles oportunismo e, pior será, quando o independente julga que o mandato que quer renovar ou conquistar é como coisa de sua propriedade privada, algo que lhe pertence por direito próprio, como se cada eleitor fizesse mera figura de notário.

Mas olhando bem para programas, slogans e ideias-chave, dos que, no Algarve, invocam ser independentes, de modo geral, os programas são pobres quando não irreais, os slogans de campanha são inócuos e andam perto dos anúncios dos supermercados, e quanto a ideias-chave, ou repetem o pior populismo criticável nos partidos, ou não passam de exploração do que julgam ser as emoções localmente mais fortes. E dizem à boca cheia que são “independentes” porque dependem de si próprios, sabendo-se que o convencimento da auto-dependência é a maior negação de independência. E um embuste. Não é o grupo de cidadãos que trabalha, é o eu.

Carlos Albino
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 Flagrante pormenor: Até dia 9 (segunda-feira), os partidos políticos, coligações de partidos e grupos de cidadãos devem comunicar à junta de freguesia os representantes das candidaturas nas mesas de voto. É aconselhável que indiquem gente de olho atento para que os mortos, abstencionistas por velhice, invalidez ou sabidos, não votem. Para que não se repita o que já tem acontecido, pois há gente que não olha a meios para atingir os fins.