quinta-feira, 27 de agosto de 2015

SMS 629. Influência em Lisboa

27 agosto 2015

Em 1957, no seu primeiro número, o Jornal do Algarve arrancava com este título à cabeça da primeira página: “A influência da Província em Lisboa”, para deixar claro há 58 anos que “mais de setenta por cento dos habitantes de Lisboa são naturais de terras de província”, além de que provincianos eram os comandos políticos de então, das secções, divisões e departamentos de ministérios à chefia do governo. Nesses tempos, sem o escrutínio parlamentar que hoje está disponível e sem a liberdade de expressão e opinião que hoje pelo menos em teoria é regra, os “provincianos” influenciavam a bem dos seus interesses e das suas terras ou regiões de origem, o mais possível e por todos os meios, designadamente os ilegítimos e até os perversos. Era a estrada, era o edifício, era a escola, era a facilidade para fábrica, fosse o que fosse, cada provinciano puxava para si e para a sua terra o mais possível, e tanto mais possível quanto maior era a simpatia captada ou raptada do ditador.

Pensou muita gente que, com a democracia, com o livre escrutínio dos atos e decisões públicas, e sobretudo com o sistema de eleição dos representantes, a defesa da província não ficaria entregue ao arbítrio dos provincianos instalados em Lisboa, ou ao dos seus cônsules destacados para, supostamente, imporem a ordem, a competência, a civilidade e a civilização nesses territórios bárbaros. Ou seja, que a província seria gerida pelos próprios provincianos competentes, civilizados e ordenados; que a luta perversa e clandestina entre os lóbis provincianos de há meio-século seria substituída pela representação parlamentar em coerência com a definição dos círculos eleitorais; e que os benefícios para as províncias não dependeriam em nada das influências em Lisboa, mas sim da forma e dos procedimentos responsáveis das províncias como províncias e não como bantustões. Vê-se que assim não aconteceu.

Eram províncias, mas injetou-se o conceito de regiões e, hoje, não se sabe onde há região na província e onde há província na região, até porque o conceito de região, no ponto de vista de política administrativa, foi chumbado em referendo perverso. Além disso, o municipalismo foi estimulado, até por via legislativa, para entrar pelos caminhos do localismo exacerbado e de autonomia em muitos casos irreal, enquanto que a organismos governamentais e a quase tudo que não seja mais que secções de expediente do poder central se dá a designação “da região”. Para mais, os tais representantes de círculo, ou são já de si filtrações dos aparelhos partidários ou, pior ainda, apuramento de pára-quedistas de conveniência da política partidária – os primeiros, de longe, ainda terão alguma coisa a ver com a “região”, os segundos, esses é que nada têm a ver com a província. E voltamos paradoxalmente à pecha de há 58 anos – quem manda na província é um cônsul de Lisboa (modo de dizer) e quem representa a região em Lisboa é mais patrício do aparelho que da província.

Vendo bem o mapa, mapa político, claro, o Algarve é o que sai e está mais prejudicado. Primeiro, porque é a província mais miscigenada do País, perdendo a memória de si própria; segundo, é a região mais tolerante, aberta e também permissiva à entrada de cavalos de tróia; terceiro, é uma não-região e cada vez menos província que, defraudada com as impotências dos D. Sebastiões, e à falta de verdadeira dinastia eleitoral e sufragada, rende-se facilmente perante qualquer Filipe tratando-o por Algarvio. Ah! Sim! Também há umas duquesas de Mântua, tratadas por Algarvias.

Carlos Albino
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Flagrantes felicitações: A III Feira da Dieta Mediterrânica, em Tavira (4, 5 e 6 de setembro), parece que promete. Poderia e deveria comprometer institucionalmente os 16 concelhos do Algarve, tal como, também instiotucionalmente, os restantes seis Estados parceiros (além de Portugal que foi o último, como sempre, Chipre, Croácia, Espanha, Grécia, Itália e Marrocos). Além disso, mais uma vez o Cante Alentejano, aí, é como beber leite com sardinha assada. Todavia, felicitações. Mas programar-se em Faro (4 e 5) outro festival a coincidir com o de Tavira, é um disparate e uma falta de “coordenação regional”. É uma descoordenação provinciana. Se fosse em Paderne, ainda se desculparia.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

SMS 628. Os sites do poder local

20 agosto 2015

No Algarve, todos os municípios têm os seus sites e assim acontece com a maior parte das autarquias inferiores a concelho. Percorrendo tais sites, verifica-se que, na generalidade, os sites dos municípios são praticamente sites “das câmaras” e que os sites das freguesias não passam de sites das juntas. O curioso é que, também na generalidade, os presidentes de câmaras e de juntas, nas suas solenes mensagens muito ao estilo de sermão redigido para o Cachopo mas pregado na Sé de Faro, justificam os sites porque estamos na era da informação, dos novos meios tecnológicos, e, claro, na era da “aproximação dos políticos” aos cidadãos, como se os políticos não fossem cidadãos que devem antes de tudo aproximar-se de si próprios, e os cidadãos não fossem políticos mesmo que percam a consciência de cidadãos. Mas, enfim, este é apenas um pormenor de personalidade e de carácter de uns e doutros, muito embora a coisa comece cá em baixo e acabe lá em cima, como nas árvores dos frutos secos.

O que está em causa? Apenas isto: quer municípios quer autarquias inferiores a concelhos têm dois órgãos – à cabeça, as assembleias que são os órgãos deliberativos e fiscalizadores, e depois (só depois, protocolar e politicamente) as câmaras e juntas que são os órgãos executivos. Nos sites, a coisa parece ser inversa: as assembleias, na maior parte dos mostruários, surgem como que um departamento da câmara, uma espécie de gabinete de apoio do executivo, algo como que uma divisão da mesma categoria da do saneamento básico, ou até mesmo como que uma secção que foi outrora empresa municipal mas já extinta. A começar pelo nome, de modo geral os sites apresentam-se como sendo desta ou daquela câmara, desta ou daquela junta, e não do Município X ou da Freguesia Y.

Qual informação e quais recursos tecnológicos? As convocatórias das assembleias estão nos confins, além dos papéis colados “nos lugares do costume” mas que ninguém lê porque as aldeias deixaram de ser aldeias e não se resumem ao largo do fim de missa, e porque nos municípios, o placar municipal é uma bolha no meio dos placares das agências funerárias, anúncios dos touros de Albufeira, e papelada da histeria de eventos dos quais, eventualmente, apenas um será acontecimento.

Na prática, que é o que interessa pelos efeitos que provoca na “ideia geral”, retirou-se a dignidade de órgão autárquico N.º 1, deliberativo e fiscalizador, como é a Assembleia seja de município ou de freguesia, apresentando-o como mero apêndice da câmara ou junta… E, embora não haja tal intenção, apresenta-se a câmara ou a junta, órgãos executivos que executam depois da deliberação e que podem deixar de executar se a fiscalização da assembleia rumar para esse cenário, como se a câmara ou a junta não fossem de uma autarquia mas sim de uma autocracia.

Não se venha com esse argumento de que “a coisa foi encomendada a uma competente empresa de comunicação”, como se fosse legítima tal delegação de competências para o analfabetismo organizado, e como se isto de sites autárquicos fosse… mais um evento.

Carlos Albino
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Flagrante artimanha: Estas inaugurações de estradas, de escolas e de obras acabadas à pressa depois de paradas há um ror de tempo, assim a mês e picos das eleições, é um excelente elemento para avaliação do quociente político de quem inaugura e justifica a inauguração. Nem há consciência de que uma artimanha nunca se inaugura…

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

SMS 627. Petróleo de quem e para quê?

13 agosto 2015

Há duas petições relativas a essa questão do petróleo, questão no mínimo esquisita e estranhamente silenciada, envolvendo interesses de larga escala, ou não se trate de petróleo e gás natural. As petições são dirigidas à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu, não sei o que darão e duvido que dêem. Mas como isto ainda não é a Guiné Equatorial, embora já pareça, impõe-se que, lendo os textos das petições, nos interroguemos, e para as perguntas não ficarem no ar, haja respostas.

1 - A prospecção e pesquisa tem sido realizada sem qualquer tipo de avaliação ambiental, que seja do conhecimento público, e todo o processo tem sido conduzido de forma que não se afigura transparente? É verdade. Não há avaliação ambiental que se conheça nem o processo tem sido transparente. Como se Faro fosse Conakri.

2 – É de ver com muita apreensão o futuro do Algarve tendo em conta os possíveis impactos que uma medida destas pode ter numa região com uma elevada dependência do turismo e do mar, com uma elevadíssima biodiversidade, sendo mais de 35% do seu território protegido por convenções e legislação da União Europeia e de Portugal? Com muita apreensão mesmo. Mesmo que o futuro da região esteja entregue a um Obiang de trazer por casa.

3 – Haverá impactos nocivos resultantes de um aumento da intensidade e frequência da actividade sísmica numa região onde não se pode ignorar o elevado risco sísmico e a possibilidade de ser atingida por um tsunami? É muito possível que no Algarve já se estude menos história que na Guiné Equatorial, mas as tragédias sísmicas do passado na Região são advertências de um Deus que não é espanhol.

4 - E um possível acidente tanto na fase de prospecção, como na fase de exploração ou no transporte de hidrocarbonetos (petróleo e gás natural), não originará graves problemas ambientais e sociais, com as perdas de recursos que um derrame acidental de petróleo e/ou gás traria para as actividades dependentes do mar? Um simples barco partido no mar da Galiza ensina isso…

5 – Os projetos de prospeção e exploração de petróleo e gás natural não correspondem já a um modelo energético ultrapassado, que agrava as alterações climáticas e enfrenta cada vez mais soluções alternativas? Claro que sim, por isso a OPEP ficou reduzida a um barril que não vale um xisto dos EUA. A Venezuela e Angola que digam se a pirataria aproveita a alguém.

6 – Este projeto, além de nada transparente e muito submarino, será defensável num ponto de vista económico, já que as contrapartidas financeiras para o Estado Português são ostensivamente irrisórias e nulas para a Região Algarvia? Sim, é verdade – contrapartidas irrisórias para o Estado, nulas para a Região, embora os intermediários (bastantes) tirem partido - os Francis Drakes chegam sempre disfarçados. Apenas os reconhecemos depois da pilhagem, como se diz correntemente na Guiné Equatorial.

Carlos Albino_________________________________________
Flagrante problema: A questão não é de os presidentes de câmara engolirem um garfo a meio do mandato; o problema é quando os subalternos sortudos querem provar que têm valor, engolindo uma colher e uma faca... E assim desaparece o que poderia ser um grande talher político. Mais não digo.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

SMS 626. O senhor Simões

6 agosto 2015

Primeiro foi o senhor Pátio que encerrou, toda a gente já esquecida, também porque não se lembrou a tempo e pouco fez para viabilizar a memória. Um livreco vendido ao dia, era uma sorte, numa cidade com elite tão extensa e autoconvencida, enfim a nobreza de hoje, e não será o clero e o povo a substituir a nobreza. Agora a loja do senhor Simões, dos livros antigos aos recentes, já que as editoras parece tudo fazerem para que um livro do ano passado, por melhor que seja e com prova, seja antigo, ou seja “fora do mercado.

Naturalmente que me choca a lassidão (lassidão é a palavra) da Câmara Municipal de Faro. Só que uma livraria, um alfarrabista, ou uma simples banca de livros, não se aguenta sem… vender livros. E não se vende livros se ninguém quiser ser leitor. Por aquilo que falei com responsáveis, das centenas de professores (do universitário ao básico), engenheiros, arquitetos, advogados e demais gente curricularmente culta , apenas um ou outro entrava no Pátio para comprar, como um ou outro recorria ao Simões para se ilustrar. Não dava para a caixa e fecharam.

É claro que algum problema existe e certamente por ausência de política cultural supletiva da Câmara (e não só), mas fundamentalmente é um problema da Sociedade. Mas também da câmara, das câmaras onde “a última livraria” fecha, pois quando uma cidade fica sem qualquer Livraria (letra grande), é como uma freguesia ficar sem farmácia ou uma região inteira ficar sem água nas torneiras.

Mas quando uma Sociedade gera no dia a dia um problema destes, também é um problema de política, de Política Cultural e de Comunicação Cultural, as duas coisas. Na verdade, temos uma política de salamaleques e também uma sociedade de salamaleques, com importâncias a acorrer à Importância em filas de elites pífias nos atos de fingimento cultural, ou, se não são pífias e o ato não é fingimento, são “sempre os mesmos”.

E então, o que interessa discutir no Lethes política cultural, na mesmíssima situação do tal casal de bombeiros que dorme no 2.º andar com o 1.º andar em chamas? Uma câmara lassa, aliás, faz parte da sociedade lassa, e disso, a instituição e a sua base não se livram pelas regras da lassidão. Sim, a lassidão tem regras, as tais regras pelas quais vamos desta para melhor.

Enquanto isto, há que ajudar o senhor Simões.

Carlos Albino
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Flagrante sinal: Vamos ter 60 dias de reflexão eleitoral, em silêncio, como nem a lei prevê.