quinta-feira, 10 de março de 2016

SMS 657. O relógio do Algarve precisa de corda

10 março 2016

No encantatório número 100 dos dias de Governo, o primeiro-ministro António Costa atribuiu à zona da raia ou da fronteira com Espanha, o pesado título de “frente peninsular”, o que considerou como fundamental para a economia portuguesa. E associou essa chamada de atenção, a um necessário esforço de descentralização que não hesitou em definir como "a pedra angular da reforma do Estado”, o que se ouve há anos e anos, mas sem se sair do mesmo lugar como nas bicicletas estacionárias – pedala-se muito, mas a paisagem é sempre a mesma e suor do ciclista é proporcional à mordomia.

Além da frente peninsular que, no imaginário político, anda colada à difusa noção de “interior” do País, António Costa referiu-se também ao mar português como domínio a não perder de vista, mar que, na verdade, a Espanha também perscruta de binóculos, indiferente à raia portuguesa que não facilita caminho para o oceano. E com tudo isso, no escolhido lugar de Idanha-a-Nova, o primeiro-ministro quis dar relevo à Missão para a Valorização do Interior.

E o Algarve, que conta para isso, sendo simultaneamente raia, interior e mar? A Unidade para a Valorização do Interior dispõe do mapa do interior e da raia algarvia? É claro que para os que reduzem o Algarve à estreita faixa de oito quilómetros a começar do ponto em que a água do mar fica à altura dos calções de banho, não há interior nem raia. Para esses, a linha de bordejo com a Andaluzia que já deveria ser estratégica e o curto horizonte com Marrocos que já deveria ter produzido relação madura, são coisas que não existem ou se existem é apenas para alimentar anedotário. Mas, convenhamos, não têm culpa nem responsabilidade. Nem se pode dizer que Faro e Sevilha não são dois pólos peninsulares de semelhante para semelhante, ou que Faro e Rabat são dois ilustres desconhecidos sem pontes institucionais, apenas porque não há descentralização, para não se falar de regionalização, palavra que entrou no dicionário das coisas de que se têm vergonha a partir do momento em que se retirou da Constituição a hipótese de região-piloto. Nem se espere para o Algarve grande coisa da Unidade de Missão, que tem mais interior com que se entreter.

O Algarve tem que contar consigo próprio, pelo que não se pode nem se deve omitir que independentemente da descentralização prometida, é ao Algarve que compete fazer o trabalho de casa, com especial responsabilidade para as poucas instituições de que dispõe com voz própria e naturalmente para os seus titulares que não andem por aí com poderes difusos como que no rabisco da alfarroba. Há muito trabalho de casa a fazer sem que se esteja à espera dos bons humores do poder central, e, para já o relógio do Algarve precisa de corda. O seu ponteiro dos minutos está parado, a hora é a anos e anos sempre a mesma, o pêndulo está vertical parecendo que quem o deveria balancear, está em calções de banho a olhar para as ondas.

Carlos Albino
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Flagrante reparo: Bastantes leitores, diretamente ou por e-mail, nas habituais pré-leituras disponibilizadas ou depois de letras impressas, coincidiram quanto ao “hermetismo” do apontamento da semana passada. Na verdade, foi de propósito que instituições e nomes de titulares não foram referidos. Interessa-nos mais a reflexão e muito pouco julgamentos ou criar réus, coisa que fica muito bem entregue a juízes estagiários.  Muito gostaríamos que houvesse no Algarve uma Avenida Larga da Crítica, do tamanho da 125 e sem acidentes.

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