quinta-feira, 21 de agosto de 2014

SMS 577. “O senhor sabe com quem está a falar?”

21 agosto 2014

Tem sorte, muita sorte, quem não ouve, por dá cá aquela palha, da boca de alguém a quem se fez reparo calmo e justo, a seguinte resposta de dedo esticado e apontado ao peito: “O senhor sabe com quem está a falar?” Há gente que vem ao Algarve por dois dias e meio e procede como se entrasse numa colónia na qual todos os indígenas são mainates. Outros que aqui se estabelecem e pensam que, após mês e meio ou dois anos, a integração lhes dá o direito a serem superiores aos indígenas. Outros ainda que, sendo indígenas, julgam que deixam de o ser, imitando quem se julga com o rei na barriga mal passa as portagens de Paderne. Se por pouco não atropelava o pobre peão, e este interpela com um “por favor, tenha mais cuidado”, lá vem a resposta do homem ou mulher do volante: “Você sabe com quem está a falar?”. Esta semana, por exemplo, contaram-me que um reconhecido oficial superior do exército à paisana com sotaque beirão adaptado a alfacinha, atravancou com o seu carro, a entrada de uma garagem particular. Quem queria sair, teve que esperar que o ilustre desfardado almoçasse, bebesse, risse e até falasse mal dos algarvios – “Uns bárbaros! Uns mal carosos, malcriados até dizer basta!”, houve quem ouvisse. Chegado ao carro, o dono da garagem, com paciência de santo, apenas observou: “O senhor estacionou mal…” e foi o suficiente para pergunta colonial – “Você sabe com quem está a falar?”

É claro que nem todos são assim ou assim procedem, embora cada vez mais sejam as exeções à regra. E na generalidade dos casos, a coisa fica por breve discussão, com o malcriado a partir para o anonimato que o deu à luz. Já é grave, quando o malcriado, em vez de desaparecer no horizonte dos filhos de pai incógnito, tem uma tribuna pública, generaliza a resposta de algum mainate menos paciente, inverte os factos, escreve, por exemplo, uma crónica moralmente destinada ao todo nacional intitulada “Os Algarvios”, e enfrenta os indígenas todos e sem exceção, com a mesmíssima pergunta do perverso desfardado: “Vocês, algarvios, sabem com quem estão a falar?” Também é claro que sabemos – estaremos a falar com alguém que se julga da pura raça ariana e que pensa ter bota suficientemente grande para esmagar os donos legítimos da pequena e modesta garagem.

Que os Algarvios não o imitem, são os nossos votos. E, se lerem uma crónica dessas, se limitem a perguntar: “Julga que a gente não sabe esperar até que o senhor perca a sobranceria da farda com que gostaria de passear, ficando tão feio em calções de banho?”

Carlos Albino
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Flagrante surpresa: Não se retira uma linha ao anterior apontamento sobre associações sem associativismo e sobre subsídios que só por si fazem associações, como se conclui de uma dissertação de mestrado, apesar de verde e com lacunas. Mas foi uma surpresa, quando na leitura de pormenores, se verificou que a dissertação foi dedicada pela autora, aos pais, a uma irmã e… “Ao meu gato Ruca”. Para não se humilhar o gato, mais não se diz.

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