Não é de crer que a Alemanha queira ou deseje provocar mais um
grande conflito europeu como os dois que armou no século XX, um no típico
estilo prussiano e outro na lógica de uma ditadura erguida sobre uma democracia
indolente e mal avisada. Todavia, o facto de não querer ou não desejar, não
significa que a Alemanha não resvale para essa tendência sem que se saiba até
que ponto ela pode ser contida, emendada ou até rejeitada pelos próprios
alemães. O governo da chanceler Merkel, animado por alguma popularidade interna
episodicamente mais alta ou mais baixa, está hoje longe dos pressupostos que
estiveram na base da constituição das Comunidades Europeias e que ditaram o
rumo para uma União Europeia, incompleta como união e longe de esconjurar
nacionalismos que têm tudo menos de europeu. É impossível uma união que não
ultrapasse o patamar de mero grémio ou sindicato de soberanias que só por
hipocrisia se recolhem e que por isso mesmo prosseguem as clássicas estratégias
de intervenção. Este tem sido o erro alemão que antes da crise económica e
financeira era latente mas que ficou exposto mal a doutrina dos factos revelou
o estado dramático em que a Europa projetada se encontra. Com uma Comissão
Europeia tibiamente burocrática, sem golpe de asa e que se arrasta
quotidianamente no oportunismo político, não se falando das outras figuras de
retórica e meramente decorativas a que correspondem as instituições europeias
decorrentes do Tratado, a Alemanha permitiu-se interferir nos outros Estados
parceiros, a começar pelos mais fragilizados pela crise, pondo condições,
aconselhando intempestivamente orientações sobretudo na política económica e
nos modelos sociais, estigmatizando por conveniências próprias os "países
do sul" como exemplos a punir, e arrastando os países satélites de Berlim
nesse entusiasmo de divisão, alguns dos quais não se coibiram de ser
embaixadores do propósito que passou a ser mais germânico que alemão, no
simbolismo trágico que os adjetivos acarretam. O erro alemão consistiu e
continua a ser prosseguido nessa interferência condicionante e intervenção
declarada do "Estado mais forte", a tal ponto que não apenas os
alemães mas já grande parte da Europa chegou a pensar que a União Europeia era
ou é uma realidade paga pela Alemanha, pelo que a Alemanha terá ou tem direitos
próprios de exceção democrática, ou que a Europa, incluindo os países do sul
não pagaram absolutamente nada para que a Alemanha seja o que é, designadamente
para a sua recomposição territorial. Por esse erro alemão, os Estados mais
fracos da almejada união, serão os primeiros a pagar, como já estão a pagar.
Mas chegará a vez, possivelmente em último lugar, de ser a Alemanha a pagar
pelo seu próprio erro.
Carlos Albino
Carlos Albino
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Flagrante pergunta pública: De vez em quando, pergunto privada e discretamente ao diretor Fernando Reis: “Estou a servir o Jornal do Algarve e os seus leitores?”. Desta vez a pergunta é pública: “Estou a servir?” É que a cada leitor corresponde um eleitor…
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