quinta-feira, 9 de maio de 2013

SMS 512. O Algarve em risco de implosão


9 maio 2013

A advertência vem de vários sítios, seja a propósito das provas de crise social profunda, seja pelas evidências do estado da economia da região, seja pela asfixiante constatação da falta de política coerente e esperançosa, seja ainda pelo jogo do empurra por parte dos responsáveis que não assumem erros de ação ou de omissão.

Quanto à crise social, o desemprego algarvio é o mais elevado do País, a situação de fome não é já contabilizável e a exploração do trabalho barato atinge níveis que apenas podem ser sinais de uma sociedade em profunda angústia. A voz mais recente a erguer-se foi a da Igreja da região que, com o que disse e com o alcance dos avisos que lançou, não hesitou no incómodo de ser quase uma voz a clamar no deserto, pois na verdade o Algarve não tem voz que protagonize o bem-comum com firmeza reivindicativa, com argumentário acima de interesses parcelares e com propostas que não decorram meramente do combate político sumindo-se nesse combate como a água na areia.

Quanto ao estado da economia, não são dois meses e meio de turismo a preços de saldo que irão evitar a trajetória para a implosão da atividade da qual a região está dependente e até prisioneira, se não houver uma política firme e sábia que salve o que pode ser salvo, política essa que não pode ser apenas política fiscal, obsessivamente fiscal e fundamentalmente fiscal. A cultura, da criação à animação, que é uma das asas indispensáveis para um Turismo viável e integrado numa estratégia de desenvolvimento, tem a coluna vertebral partida e não tem agenda. A promoção externa e interna é uma lástima. O acolhimento lástima é. As coisas vão acontecendo como se bastasse despejar pessoas nas praias até à hora de embarque. A caminharmos assim, pouco faltará para que o património hoteleiro construído tenha o epílogo das fábricas de conserva cujos silvos de chamada ao trabalho outrora acordavam algumas vilas e cidades para um sonho de efémera prosperidade mas que acabaram geralmente no abandono, com telhados caídos e paredes em ruínas. Os sinais da derrocada estão já aí no desemprego que não é apenas causado pela paragem da construção civil e pela ausência de obras públicas, é em grande parte corolário da perda de ritmo e da falência por ora adiada da atividade.

A regionalização não foi implantada porque o poder central chamou a si a responsabilidade de conduzir diretamente os destinos à exceção de umas derivas que um municipalismo sem quadros, sem meios e sem suficiente entrosamento e inter-ligação deu como ilusória proximidade entre administração e administrados, e também à exceção de uma malha de delegações governamentais que longe de delegarem, funcionam como sinecuras, mordomias calculadas e pespontos desenraizados. Muitos choram confrontados com os efeitos mas omitem as causas, furtam-se a atacar as causas, evitam o debate das causas e fogem da identificação das causas como o diabo da cruz.

A agravar o quadro, o Algarve tem ou sofre de um gravíssimo problema de comunicação. A sociedade algarvia desconhece-se a si própria como tal, entregue a localismos cada vez mais reduzidos de tal modo que é já quase regra geral que pouco saibam o que acontece na própria rua, a começar pela fome, pelo desemprego, pelos factos da insegurança. E uma sociedade sem política e sem comunicação, além de se abandonar aos oportunismos mais inconcebíveis e de se conformar com os vira-casacas transformados em santos milagreiros, não pode ter esperança, e se algum rumo pode ter, esse será um rumo caído ao acaso do céu, como alguma chuva inesperada consoante a nuvem. 

É hora de fazer alguma coisa contra o risco da implosão. Numa democracia, a hora do voto é o momento adequado para responder, mas não basta. E não basta porque a economia regional está nas lonas, estriçada pelo fisco e pela anemia política; porque a fome já não é apenas um espectro, é uma multidão de seres; e porque o desemprego não é já vício de uns tantos, mas calamidade social. Identificar o problema, e assumir o problema, é o ponto de partida para alguma solução. Para uma solução que encontre porta-voz.

Carlos Albino
________________
Flagrante símbolo: Volta a estar atual o velho mas abandonado símbolo constante do brasão de armas do Algarve – dois reis mouros e dois reis cristãos...

Sem comentários: