Dia a dia, somos confrontados por desabafos que velada ou
abertamente têm, como traço comum, o desejo de ditadura. No fundo, os que
desabafam, querem que alguma coisa ponha cobro a isto. E esse “isto”, regra
geral, significa os atropelos à moralidade pública e a moralidade política como
questão essencial. Na verdade, ao longo de anos, temos assistido a lamentáveis
demonstrações do desprezo que representantes e decisores eleitos têm pelo
decoro, pelas próprias normas de conduta e pela opinião pública. De vez em
quando, há uma réstia de esperança mas rapidamente esbatida por malabarismos
verbais, por incongruências e lentidão da justiça, por incumprimento ostensivo
de promessas juradas na mira do voto, pelo artifício de encontrar culpados
quando os erros são próprios, repetindo na política e na vida pública
portuguesa a fábula do lobo e do cordeiro, com o lobo, no apuramento das
culpas, a concluir que "se não foste tu foi o teu pai" e estrangulou
o borrego. É claro que, amiúde, daqui e dali, nos dizem que o desafio é não
esmorecer,
Como já prescrevia Montesquieu no século XVIII, “não se constrói
uma sociedade baseada na virtude dos homens, e sim na solidez das
instituições”. Nunca é demais lembrar que o fortalecimento das instituições
depende – acima de tudo – de uma população bem educada, bem informada por meios
de comunicação responsáveis e empenhada na manutenção da liberdade, de
democracia e da justiça. Sem isto, as ideias nostálgicas propagam-se como os
vírus, sobretudo quando se está no epicentro da crise e quando, quer decisores
quer representantes julgam a agem como se os seus mandatos fossem propriedade
privada, abusando dos efeitos daquilo que é a maior conquista de uma democracia
– o direito de votar que nenhuma ditadura, por definição, aceita e tolera. Daí
a responsabilidade dos eleitores numa democracia. Mas não basta essa
responsabilidade, é preciso que as instituições, tal como leite na fervura,
venham acima e não se revelem estragadas pois não é a virtude dos homens que as
ocupam que evita estarem atalhadas.
Diz uma máxima de Goethe, o genial poeta alemão, que “o melhor
governo é aquele que nos ensina a governarmos a nós mesmos”. Estamos longe
disso e, de certa maneira, foi a sociedade portuguesa que, na implantação da
democracia, ensinou a si própria a não esperar salvação pelas mãos do Estado e
deu lições ao governo, tal como possivelmente está a dar, atónita, perante a
sucessão de escândalos, aguardando apenas o momento oportuno de responder caso
o governo não perceba que a sua presença forte deve ser sentida na garantia de
oportunidades iguais para todos na educação, na saúde, na segurança pública,
bem como na fiscalização do jogo económico e na aplicação das leis. A receita é
tão rara quanto antiga. Está retratada de modo admirável num fresco pintado na
cidade italiana de Siena, no século XV, por Ambrogio Lorenzetti: “Os Efeitos do Bom e do Mau Governo na Cidade e no
Campo”. Tais efeitos, no Algarve, notam-se.
Carlos Albino
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Flagrante
flamenco andaluz: Esse pedido a Passos Coelho
para abolir portagens a espanhóis nos fins de semana. Os portais eletrónicos
identificam espanhóis?
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