Há uns meses atrás, aqui neste mesmo espaço, sem querer fazer trocadilho, levantei a
questão de que o tempo se encarregaria de demonstrar se Cavaco Silva, eminente
estadista português, filho do Algarve, iria passar à história, nesta sua última
fase, como um Presidente da República honorável ou um simples residente do
palácio Cor de Rosa. Ora, Infelizmente, à medida que os dias passam e o País
mergulha numa crise que parece incontrolável, o Presidente da República
mostra-se incapaz de garantir aos portugueses que o papel de um presidente, no
actual regime, é uma figura indispensável. Pelo contrário, para desgosto tanto
dos seus apoiantes quanto dos seus detractores, a sua figura tornou-se, desde
há uns bons meses, clamorosamente dispensável. O seu isolamento em face do
país, das suas urgências, conveniências e aflições, tornou-se clamoroso. É
triste mesmo que até os menos críticos comecem apreciações sobre os
procedimentos do actual presidente, dizendo que não querem ser demasiado
cruéis. E assim, Cavaco Silva, dia após dia, desgasta gravemente, a sua imagem
pública. Isto é, não serve como deveria o país que jurou servir e ao qual se
ofereceu como seu garante de unidade máxima.
Ninguém o constata com felicidade, e talvez valha a pena lembrar que a ideia de que o
chefe de um estado representa um povo, e que perante ele responde, é tão antiga
quanto a ideia de estado. Esse conceito, na antiga Grécia está na base da
concepção da Tragédia Grega, século V antes de Cristo, e vem até aos nossos
dias. O texto admirável de Milan Kundera que é "A Insustentável Leveza do
Ser", escrito nos anos oitenta, fala exactamente do aspecto decisivo da
representação. Nessas páginas, o escritor checo demonstra como a fragilidade e
a anomia dos chefes derramam a sua ineficácia e a sua omissão em cadeia, desde
o topo até à base de uma sociedade, quer
ela seja ditatorial quer seja livre.
Assim, quando um Presidente da República é grande, generoso, aberto e magnânimo, é toda a sociedade que
se eleva. Eleva-se a ele mesmo, eleva as instituições do regime, o partido de
onde provém, aqueles que o elegeram, os que não o elegeram, a sua família
política, e eleva a sua cidade, a sua província, ou a aldeia que o viu nascer.
Mas se assim não é, se um presidente se apouca, foge, não passa de um estratega
escondido, de quem se sabe traços da vida privada, mas não se conhece grandeza
na vida pública, é o partido de onde provém que se diminui, e diminui a
sociedade, as instituições, a sua família política, e a sua terra. Escrevo esta
crónica, precisamente, na terra que viu nascer Cavaco Silva e como tal o tem
reconhecido. Escrevo com muita pena.
A minha pergunta, escrevendo para este 4 de abril, é esta - Será que os dias de amanhã conseguirão
dar-nos já, nem digo uma boa notícia, mas uma qualquer notícia que nos
honre? Uma notícia que eleve a
Residência à categoria de uma necessária Presidência da República? Ou será que
um homem nascido na nossa terra, oriundo como nós, dos nossos montes agrestes,
se quer tornar num monarca espanhol, presente nas caçadas, mas indiferente aos
milhões que, cada dia, perdem o direito ao pão?
Carlos Albino
Carlos Albino
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Flagrante instituição: Faz o Jornal do Algarve 56 anos. Que dure enquanto o Guadiana, o Arade e o Gilão durarem como rios, porque mal ficará o Algarve se secarem.
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