quinta-feira, 11 de abril de 2013

SMS 508. Boliqueime, esse símbolo…

11 abril 2013

Pelas razões que são por demais conhecidas, Boliqueime transformou-se numa terra de citação incontornável, tomada para o bem e para o mal como um lugar de exceção. Mas vale a pena lembrar o que diz Onésimo Teotónio de Almeida a propósito da representação dos lugares. Escreveu o professor da Brown University que nunca somos um lugar à parte, na sua oportuna expressão de que todo o universal tem o seu chão

Falemos do chão de Boliqueime com simplicidade. Trata-se de uma freguesia de cerca de 5.000 residentes (uns 1.300 reformados, 1.900 desempregados, 2.000 sem atividade económica) e 3.900 eleitores, que a democracia surpreendeu em pleno regime feudal, uma população que à data da Revolução se mantinha ainda muito analfabeta, presa do mundo agrícola em estado arcaico, mas que soube adaptar-se e aproveitar o que o estado lhe deu e a iniciativa própria de que os seus habitantes foram capazes. Assim, para além de se ter convertido, em conformidade com os ditames centrais e europeus, a uma zona de vivência rural adaptada ao turismo de sinecura, confiada na rotina de um ou dois pólos de indústria (pedreiras e cimentos em brutal queda), desenvolvido efemeramente algum comércio, e mantido bolsas de resistência na agricultura, Boliqueime tem-se modernizado em termos sociais acompanhando a evolução da região. Uma população estrangeira residente perto do mar, mas não em cima do mar, uma população local bem mobilizada, que trabalha nas cidades e à noite recolhe a casa....

Mas o equilíbrio que até aqui se tem mantido, enquanto zona residencial, ameaça ruir sob os olhos de quem aqui vive. Já não se fala da questão da segurança que colocou casas e casas de pessoas estrangeiras à venda, fala-se do perigo em que irão ficar as instituições que sustentam a sociedade, se de facto os cortes que se anunciam vierem a verificar-se. Boliqueime que tinha uma estação ferroviária que era o ponto de escoamento dos produtos da terra, enfim, tem uma Escola Básica que é o coração da terra. Mas até esta escola já foi afetada pela integração num mega agrupamento que ameaça transformar-se num giga agrupamento, perdendo o seu diretor e com isso perdendo, inexplicável e irracionalmente, a sua autonomia. O que mais irá acontecer, não se sabe. O que irá acontecer à Misericórdia que sustenta o Lar para Idosos? O que irá acontecer ao modelar Centro Comunitário de Vale Silves? O que irá acontecer ao Centro de Saúde? A manutenção do Parque Desportivo? Os apoios diminuem, o desemprego e a pobreza aumentam dia após dia, como se sabe. E se assim for, voltar-se-á ao tempo dos armazéns dependentes do casino do figo e da empreita, ao tempo da caridade da Igreja como no tempo de Salazar?

Estas questões dão que pensar. Boliqueime hoje em dia é um lugar de referência simbólica, para o bem e para o mal. Mas a fragilidade da sua estrutura bem que pode transformar-se de um caso raro, como muitos lhe têm chamado, num caso de fragilidade simbólica à escala do país, sobretudo do país rural, estagnado na sua base antiga de sobrevivência, e desapossado agora dos bens de sustentação que até agora o têm mantido como exemplo de conversão e resiliência. Ou, controvertendo o aforismo de Onésimo Teotónio de Almeida, o chão estremece ao ritmo do que lhe é nacional. Ora entre a consciência do estado para que caminhamos e uma estratégia de sobrevivência, nos dias que correm, é preciso ter os olhos na realidade, é preciso olhar para o chão.

Carlos Albino
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Flagrante laxismo: O Algarve está a perder eventos de referência atrás de eventos, deslocados para outras bandas. E não há resposta porque não há quem responda, possa responder e tenha força para responder.

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