Pelas razões que são por demais conhecidas, Boliqueime
transformou-se numa terra de citação incontornável, tomada para o bem e para o
mal como um lugar de exceção. Mas vale a pena lembrar o que diz Onésimo Teotónio
de Almeida a propósito da representação dos lugares. Escreveu o professor da
Brown University que nunca somos um lugar à parte, na sua oportuna
expressão de que todo o universal tem o seu chão.
Falemos do chão de
Boliqueime com simplicidade. Trata-se de uma freguesia de cerca de 5.000
residentes (uns 1.300 reformados, 1.900 desempregados, 2.000 sem atividade
económica) e 3.900 eleitores, que a democracia surpreendeu em pleno regime
feudal, uma população que à data da Revolução se mantinha ainda muito analfabeta,
presa do mundo agrícola em estado arcaico, mas que soube adaptar-se e
aproveitar o que o estado lhe deu e a iniciativa própria de que os seus habitantes
foram capazes. Assim, para além de se ter convertido, em conformidade com os
ditames centrais e europeus, a uma zona de vivência rural adaptada ao turismo
de sinecura, confiada na rotina de um ou dois pólos de indústria (pedreiras e cimentos
em brutal queda), desenvolvido efemeramente algum comércio, e mantido bolsas de
resistência na agricultura, Boliqueime tem-se modernizado em termos sociais
acompanhando a evolução da região. Uma população estrangeira residente perto do
mar, mas não em cima do mar, uma população local bem mobilizada, que trabalha
nas cidades e à noite recolhe a casa....
Mas o equilíbrio que até aqui se tem mantido, enquanto zona
residencial, ameaça ruir sob os olhos de quem aqui vive. Já não se fala da
questão da segurança que colocou casas e casas de pessoas estrangeiras à venda,
fala-se do perigo em que irão ficar as instituições que sustentam a sociedade,
se de facto os cortes que se anunciam vierem a verificar-se. Boliqueime que
tinha uma estação ferroviária que era o ponto de escoamento dos produtos da
terra, enfim, tem uma Escola Básica que é o coração da terra. Mas até esta
escola já foi afetada pela integração num mega agrupamento que ameaça
transformar-se num giga agrupamento, perdendo o seu diretor e com isso perdendo,
inexplicável e irracionalmente, a sua autonomia. O que mais irá acontecer, não
se sabe. O que irá acontecer à Misericórdia que sustenta o Lar para Idosos? O
que irá acontecer ao modelar Centro Comunitário de Vale Silves? O que irá
acontecer ao Centro de Saúde? A manutenção do Parque Desportivo? Os apoios
diminuem, o desemprego e a pobreza aumentam dia após dia, como se sabe. E se
assim for, voltar-se-á ao tempo dos armazéns dependentes do casino do figo e da
empreita, ao tempo da caridade da Igreja como no tempo de Salazar?
Estas questões dão que pensar. Boliqueime hoje em dia é um lugar de
referência simbólica, para o bem e para o mal. Mas a fragilidade da sua
estrutura bem que pode transformar-se de um caso raro, como muitos lhe têm
chamado, num caso de fragilidade simbólica à escala do país, sobretudo do país rural,
estagnado na sua base antiga de sobrevivência, e desapossado agora dos bens de
sustentação que até agora o têm mantido como exemplo de conversão e resiliência.
Ou, controvertendo o aforismo de Onésimo Teotónio de Almeida, o chão estremece ao
ritmo do que lhe é nacional. Ora entre a consciência do estado para que
caminhamos e uma estratégia de sobrevivência, nos dias que correm, é preciso
ter os olhos na realidade, é preciso olhar para o chão.
Carlos Albino
Carlos Albino
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Flagrante
laxismo: O Algarve está a perder
eventos de referência atrás de eventos, deslocados para outras bandas. E não há
resposta porque não há quem responda, possa responder e tenha força para
responder.
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