Já delas se disse tanta coisa, que cobriam de neve os
caminhos, que Deus por via delas escrevia versos algarvios com tinta de luar,
que eram Meninas da primeira comunhão, ascéticas, descendo da montanha à beira
do caminho em procissão. Já foi notícia obrigatória nas primeiras páginas dos
jornais, já foi cartaz turístico e bilhete de identidade de encher os olhos, já
foi riqueza quando chegava ao miolo, alimentou lendas, deu como verdade que um
rei mouro desposara uma rapariga do norte da Europa, à qual davam o nome de
Gilda. Tudo isso não serviu de nada. As amendoeiras estão à morte, abandonadas.
Não são varejadas, não são podadas, não são tratadas e estas com sorte porque
as que não têm essa triste sorte são arrancadas e substituídas por umas
exotices compradas na Guia. Não revigoram, o rei mouro já perdeu a coragem para
dar ordem para que em todo o Algarve se fizessem plantações de amendoeiras, a
“Bela do Norte” volta a estar em pranto e soluços, a Gilda volta à sua tristeza
mortal de não ver os campos cobertos de neve, como na sua terra, e os poetas,
desde os de alto gabarito aos de fatela, já não têm matéria-prima para
patranhas rimadas.
Há, aqui e ali, algumas chapadas com essas flores de
janeiro e fevereiro, mas são resistências de um sonho moribundo. Num momento em que tanto
arquiteto e engenheiro paisagista por aí apareceu e cresceu como erva nas
burocracias municipais e estatais, ninguém acode à moribunda apenas porque
supostamente não tem valor no mercado, perdeu expressão económica e ficou
derrotada pelas amêndoas vindas de todo o lado apesar destas não terem sabor
algum, embora bem embaladas como acontece para o embuste ser aceite – “sabem a
amêndoa”, e é quanto basta para encherem as prateleiras dos aspiradores dos
dinheiros locais. É a morte das amendoeiras, numa mortandade que atinge
igualmente as alfarrobeiras e as figueiras. E como um mal não vem só, os
detentores do saber tradicional também estão a desaparecer, sem se recolher e
fixar o que sabem. Há também, aqui e ali, uns choradinhos, umas nostalgias
efémeras, umas leituras de Cândido Guerreiro, uns românticos tardios que quase
convencem que a lenda foi um facto. Mas as amendoeiras em flor no Algarve já
não são notícia anunciadora da fertilidade da Mãe Natureza e muito menos
pretexto para a fotografia, para o cinema e para fixar o domicílio das Belas do
Norte que para o Algarve vêm reformadas tal como o rei mouro já se reformou.
Mas ainda há flores e as que chegam ao fruto com a sua semente, sabem muitos,
têm um sabor inigualável e incomparável, além de um imenso valor económico
escondido, não aproveitado, como a Gilda, que era esperta, conhecia. Ou não
percebesse de neve o suficiente para enganar o mouro.
Carlos Albino
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Flagrante advertência: Muita cultura, por aí, não passa de cóltura que é como o peixe frito em óleo velho.
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