quinta-feira, 6 de novembro de 2014

SMS 588. O que caiu na rede social…



6 novembro 2014

Salta para o papel o que até agora tem jazido na rede social que não tem nem pode ter chão, e embora mais valha jazer numa rede social do que numa rede anti-social, dar chão às palavras como só o papel pode dar, é torná-las habitantes da nossa própria casa. Portanto, aqui ficam em papel:

Se o Facebook é um mural de emoções, de desabafos, de ordens para salvar o mundo ou de receitas para o afundar mais depressa, enfim, mural de tudo o que venha à cabeça ou fique atravessado no coração, não resisto a dar conta de pequena emoção.

Estava para entrar em casa, chave na fechadura, 23:02, ouvi música na proximidade, daquela música que apenas podia ser ao vivo e não ao morto. Retirei a chave, e a primeira emoção foi a de ir atrás do som. Atrás, ou atraído. Atravessei a rua, entrei por pequena travessa, oito passos e virei para pequena rua esconsa, um portão aberto, a música vinha dali. Espreitei, entrei, encostei-me à parede de fundo forrada de cortiça tal como as outras paredes, um salão térreo apinhado de músicos. A batuta do maestro verberava como asas de libelinha acima das cabeças de rapazes, homens velhos, mulheres de meia-idade e raparigas de perfil, um quadro que dava para retrato do Louvre, seriam uns 60 ou mais.

A música tocava, mas de repente deixei de a ouvir porque os olhos suplantaram os ouvidos como naqueles momentos em que as coisas nos parecem irreais ou quando muito inverosímeis como perante um fresco de Miguel Ângelo, em que o humano se torna divino e com o divino se confunde.

E estava eu convencido de que estava perante uma obra-prima da Renascença, quando o maestro, lá ao fundo, me cumprimenta com um sinal de batuta, como se eu fosse mais um músico. Se tivesse um instrumento, tocaria, tocaria qualquer coisa, nem que fosse um sopro que provocasse o som de um Obrigado. Mas foi nesse momento também que senti que estava a violar um espaço sagrado. Fiz uma vénia ao maestro, abandonei o local com uma emoção esmagadora, e até meter novamente a chave na fechadura, fui dizendo para mim: Obrigado, Artistas de Minerva, obrigado banda magnífica que Loulé tem, obrigado músicos de várias gerações e géneros, obrigado, vocês não são eleitos mas são de eleição, obrigado pérolas da noite.

Carlos Albino
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Flagrante evidência: Nenhuma terra se pode proclamar capital de qualquer coisa, se não capitalizar seja o que for. É óbvio.

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