quinta-feira, 6 de outubro de 2016

SMS 687. O caminho descendente do petróleo

6 outubro 2016

1.      Não me digam que não gosto do petróleo. Não o detesto nem o odeio. Nunca lhe chamei o líquido pecaminoso, apenas tenho dito que, junto dele, muitas vezes, se tem enroscado o pecado. Nada mais. Mas sempre agradeci que no final do século XIX uns rapazes tivessem começado a imaginar o futuro que foi o do século XX, o século que engendrou duas monstruosas guerras, mas, ao mesmo tempo, guindou-nos para patamares da civilização nunca antes alcançados, muitos deles por via do petróleo. Obrigado, petróleo, esse líquido que chegou aos carros, com uma cor amarelada como se fosse cerveja, mas aos candeeiros de vidro dos nossos avós chegou entre azul e cor-de-rosa, e aos fogões dos anos cinquenta emprestou um odor que ainda hoje há quem o tenha no olfato, um cheiro ácido, de mistura com o da sopa que, sobre três pés de metal, se fervia. Rimo-nos? Não, não nos rimos. Esse era o cheiro do progresso que então chegava à cozinha. Por tudo isso, nunca detestei o petróleo. Só que hoje, desejo que o crude comece a ficar no fundo da terra, para acautelar as nossas vidas, as vidas dos nossos descendentes e a própria sobrevivência da Terra. O seu a seu dono, e cada tempo com o seu. Só que as mensagens, ultimamente, andam confusas.

2.      Muito confusas, mesmo. Os alemães também gostam do petróleo, e já gostaram muito mesmo, criaram máquinas movidas a seus derivados que fizeram avançar a Europa e boa parte do mundo. Espertos? Trabalhadores? Visionários da tecnologia e do progresso mecânico? Sim, claro. Por isso mesmo, não admira que o Parlamento Alemão acabe de aprovar uma lei que impede a comercialização, no seu mercado local, de automóveis novos movidos por motores de combustão, a gasolina ou petróleo, e que isso vá acontecer já a partir de 2030. Esta decisão, já desta semana, dá que pensar. E isto duas semanas depois da inauguração da primeira carreira de comboios alemães movidos a pilhas de hidrogénio…

3.      Dá muito que pensar, sobretudo quando se é português. E ainda mais, quando se é português e se nasceu ou se vive no Algarve. É que aqui, quando o mundo começa a descarbonizar-se, pensa-se na carbonização. Aqui, quando os furos, um pouco por toda a parte, começam a ser reduzidos, preparando-se os países para meterem prego ao fundo, e desacelerarem na produção de energia de baixo carbono, andam umas pessoas, políticos, geólogos e parceiros das petrolíferas, a fazer reuniões mais ou menos controladas, para discutirem os benefícios da exploração do petróleo no Algarve. O que os move? Que convicção? Que interesse? Que ideal? Que clarividência? Que iluminação? Porque querem fazer, agora, aqui, o que nunca se fez, quando a exploração era rentável, e o negócio era lucrativo? Inimigos da nossa terra, tomem cuidado. Há negócios que são demais!

Carlos Albino
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Flagrante sabedoria popular: Claro que, em sentido figurado, designadamente para efeitos eleitorais ou pré-eleitorais, continua a ser válido que em terra de cegos o zarolho é rei. Só que nunca será conveniente que esse rei seja o único oftalmologista da terra… 

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