quinta-feira, 21 de julho de 2016

SMS 676Torga, se calhar teve razão

21 julho 2016

Sim, tal como para Miguel Torga, o Algarve é sempre um dia de férias na pátria. Mais: dentro dele nunca me considero obrigado a nenhum civismo, a nenhuma congeminação telúrica nem humana. E seja onde for - em Ferragudo, em Barão de São Miguel ou no Cachopo - tal como quando me debruço a uma varanda de Alportel, apetece-me tudo menos ser responsável e ético.

Lá longe, as coisas de Trás-os-Montes, ou mesmo as de mais perto como as coisas do Alentejo, tais coisas tocam-me muito no cerne para eu poder esquecer a solidariedade que devo a quem sofre e a quem sua. E isto repete-se com maior ou menor força no resto de Portugal, seja em Fátima, no Estádio do Dragão ou no Retiro do de Guinchos do Fado. No resto de Portugal, tenho consciência das coisas, umas vezes leve outras vezes pesada.

Mas, passado o Caldeirão, é como se me tirassem uma carga dos ombros. Sinto-me livre, aliviado e contente, eu que sou a tristeza em pessoa! Passado o Caldeirão, agora até a confundir-se com A2, qualquer Torga é algarvio, e adeus ética, adeus responsabilidade, adeus consciência das coisas.

Também é verdade que, chego ao Algarve, e a brancura dos corpos e das almas devida à ausência de liderança regional, a limpeza das casas e das ruas devida às rigorosas burocracias municipais, e a harmonia dos seres e da paisagem devida ao facto de por enquanto ou ainda não haver petróleo, tudo isto lava-me da fuligem que, no resto de Portugal, se me agarrou aos ossos e clarificam as courelas encardidas que trago no coração.

No fundo, e à semelhança dos nossos primeiros reis, que se intitulavam senhores de Portugal e dos Algarves, separando sabiamente nos seus títulos o que era centrípeto do que era centrífugo no todo da Nação, não me vejo verdadeiramente dentro da pátria. Sem tirar, nem pôr. Mas também me não vejo fora dela, desde que o desemprego sazonal, a desgraça do hospital e o pandemónio dos mercenários das escolas não me afetem.

Em resumo: como qualquer Torga que se preze, chego ao Algarve e julgo-me numa espécie de limbo da imaginação, onde tudo é fácil, belo, primaveril, cante alentejano e pêra do Oeste.

Obrigado, Torga! Facilitaste este apontamentozito! Como te ririas se te lesse isto na Praia de Santa Eulália, perante um bom salmonete grelhado, como aconteceu quanto te aconselhei a ir a Alte para reconheceres os filhos dos filhos dos teus ascendentes emigrados.

Carlos Albino
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Flagrante boato: Ouviu-se e ouve-se dizer que a Fundação Sousa Cintra (onde está tudo para os devidos efeitos, nomeadamente fiscais) tem como objectivo principal “o apoio à valorização, à divulgação e desenvolvimento sustentável da região cinegética do Algarve, tendo em vista o equilíbrio entre a economia e o ambiente, designadamente através do fomento e reforço de habitats e de espécies cinegéticas, a criação e apoio ao desenvolvimento de projectos no domínio do ambiente, ciências e economia do mar, a criação, exploração e desenvolvimento do Museu dos Descobrimentos e do Mar, ambos em Sagres”. No que as más línguas dão.

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