O Algarve tem, reconhecidamente, das melhores praias do planeta, um clima ímpar e uma Natureza que funciona como deus regular. Muito tarde conquistou fama – os hotéis e toda a armadura do turismo como indústria, são coisas relativamente recentes, muitas vezes implantadas ao deus-dará, sem bom gosto e sem bom senso. Até meados do século passado, o Algarve, sobretudo o litoral mais vistoso, era quase apenas um segredo para pequenas elites nómadas, vindas daqui ou dali.
Com as ligações
terrestres ao resto do País a chegarem sempre tarde e desfasadas, o avião
mudou a paisagem humana, e às antigas elites sucederam-se multidões
circunstanciais que chegam e abalam, com os que estão a preencherem o tempo com
os cálculos e proveitos do IVA, das taxas de ocupação, das dormidas, da
imobiliária, do emprego quase limitado a serviçais, e, agora menos, da
construção civil, restando ainda algum trabalho para os profissionais dos
contenciosos.
Muito atentas ao
consumo, por aí se espalharam as chamadas grandes superfícies – há terras
onde o número de tabuletas para os hipernercados é mais que as ruas.
Instalaram-se sem contrapartidas, estoiraram com o comércio tradicional, parte
do qual poderia e deveria fazer parte de um turismo sustentável e integrado, e
nos seus escaparates, trocaram os produtos agrícolas locais, as primícias da
terra e o peixe fresco das lotas, pelos congelados da Cochinchina, sobretudo da
Cochinchina espanhola. Além disso, o Algarve dos meses de consumo, rapidamente
transformou o litoral numa fastidiosa banca de vendas de tudo o que não é da
região cujo sistema produtivo partiu a espinha. São vinhos do Alentejo, muito
dos quais horroroso, é artesanato do Alentejo, muito do qual horroroso é, é até
pão do Alentejo a fazer uma espécie de ocupação quando cá pão e padarias não
faltam. No fundo, imitam alguns grandes hotéis que também por aqui se
implantaram como califados cujos sultões estão distantes, importando-se apenas
com as odaliscas.
O turismo vive deste
círculo vicioso e alimenta-o, os dias, meses e anos passam, e estamos
nisto. Outrora o ano bom era o muita alfarroba, muita amêndoa, muito figo e
muito e bom peixe, agora o ano bom é o da faturação da banca de vendas, sem se
olhar a mais, sem se ver mais, sem se perceber que um turismo como indústria a
sério, já que essa parece ter sido a aposta, assim morre na casca, mais dia
menos dia, e se não morre vegeta. E os vendedores, tão rapidamente se
instalaram desenraizados e alheios à terra de acolhimento, como mais
rapidamente levantarão asas ao primeiro sinal de trovoada.
Os que vieram para
aqui para roubar uma paixão, da banca de vendas aos serviços, acabarão com
a própria paixão. Mas não estamos isentos disso, o Algarve não está isento
disso. Aliás, a maior parte da culpa lhe caberá. Continuem com a “cultura”
capturada pela animação pimba, continuem com o desdém pelo património e a
patrocinar belas palhaçadas, continuem a proceder para que o Algarve se esqueça
do próprio Algarve, e verão. Estamos em 2014, e oxalá que em 2034 ou mesmo já
em 2024 não tenhamos que lembrar a advertência. Caso então não exista já SMS,
outros pela certa o farão, se até os arquivos de jornais não desaparecerem.
Carlos Albino
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Flagrante chumbo: A RTA neste exame que já leva anos. Não passou da escrita.
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