quinta-feira, 3 de julho de 2014

SMS 571. Sophia, a quem o Algarve deu os nomes de tantas coisas

3 julho 2014

O Algarve dispõe de uma biblioteca pública com o nome de Sophia de Mello Breyner Andresen. Ou melhor, Loulé batizou assim a sua Biblioteca Municipal, ainda antes do falecimento de Sophia, embora a cerimónia de atribuição já tenha ocorrido depois, o que aconteceu sob forte clima emocional.

Os portugueses gostam de Sophia, os algarvios, muito. Não admira. O facto de ter escrito sobre o Algarve, de ter tido residências por estes locais, e de várias vezes ter assinalado o valor e os riscos por que poderia correr esta região, fazem dela nossa parente dilecta. Mas, mais do que por esses motivos, nós gostamos de Sophia. Gostamos, sobretudo, porque a sua poesia tem limpidez meridional, síntese clássica, traços de paisagem luminosa, inspiração em rostos que lembram que ela viveu aqui e amou este mar, esta paisagem e os nossos rostos que ela procurava como pérolas no Mercado de Loulé.

Agora, que passam dez anos sobre a sua morte, alguns que muito a amam e a lêem, e outros que nem olharam para a lombada de um livro seu, resolveram aproveitar o momento para fazer passar os seus ossos do local onde estava para o Panteão Nacional. Não vamos discutir o que fará Sophia ao lado de Amália e eventualmente de Eusébio, mas que o seu diálogo à sombra daqueles mármores deve ser interessante, lá isso deve. Seja como for, já que o critério de escolha de quem para lá vai sempre será aleatório, e sempre acarretará ridículo, deixemos que as coisas estejam como estão. Lá estão os restos mortais de Sophia naquele lugar abobadado, e será uma forma de se lembrar que Sophia, Eugénio de Andrade e Ramos Rosa, são poetas imensos.

Mas há um ponto que é de ressaltar. É que existem vozes de familiares indiferentes ao Panteão a que a sua mãe acedeu, refutando a honra e lembrando que antes a sua obra fosse estudada nas escolas de onde foi não completamente varrida, mas quase. E nós também estamos de acordo. Mas o que nos magoa, e é bom que se diga, é que nenhum dos familiares, sabendo que a Biblioteca que leva o nome de Sophia no Algarve, faz uma divulgação extraordinária das obras da sua mãe, junto dos jovens, jamais tenha tido a honra de receber um dos filhos, sobretudo os que são ligados às Letras, ao menos para dizer ao bibliotecário, Obrigado. Isso dá-nos que pensar e muito. Talvez a Sophia, que soube dar os nomes às coisas, tivesse um nome para essa atitude. Nós também temos um nome, mas não o dizemos em voz alta.

Aqui, no Algarve, dizem que as pessoas falam muito alto. Falam alto, para não dizerem o que lhes dói em voz baixa.

Carlos Albino
_______________
Flagrante complicação: A burocracia oficial impõe que se chame Biblioteca Municipal de Loulé Sophia de Mello Breyner Andresen”, nove palavras para um nome de coisa tão simples e que entra no ouvido: Biblioteca Sophia. Basta.

Sem comentários: