quinta-feira, 21 de julho de 2005

SMS 115. A doença terminal da política

21 Julho 2005

O obreirismo eleitoral não é uma invenção algarvia mas tem funcionado aqui como instrumento de obsessivo êxito político. Autarcas que «não mostrem obra» julgam que tem os dias contados, ir para eleições sem uma boa dúzia de inaugurações com muitas palmas é o mesmo que derrota à vista, porquanto julgam que cada palma é um voto, e, mesmo que a obra não decorra dos méritos da autarquias mas das empresas que as oferecem a troco de qualquer coisa que nunca se sabe o que é, as obras salvam, sobretudo se forem inauguradas um ou dois meses antes do sufrágio porque, nestas coisas, julgam os autarcas que os eleitores continuam a ter a memória curta. E aqui, neste pormenor da memória do eleitor, é que está o erro com que muitos autarcas julgam que dissimulam as suas virtudes ou a falta delas – o eleitor tem memória, o eleitor sabe já de experiência própria quanto lhe custa não ter memória.

Vem isto a propósito de um pouco por todo o Algarve, a três meses das eleições, haver obras por todo o lado. Rotundas disciplinadoras do trânsito que poderiam e deveriam ter sido feitas há anos, só agora é são implantadas; estradas esburacadas que poderiam e deveriam ter sido reconstruídas há muito tempo, só agora é que são objecto do frenesim político; projectos de construção que estavam na gaveta, como que por milagre enchem as ruas de andaimes e os pinhais de hotéis mesmo com os pisos a mais que também durante anos estavam interditos, mas, agora, pelos vistos, deixaram de estar. Por aí fora, para não falar dos repuxos, da sementeira de esculturas de gosto duvidoso, enfim, da praga de congeminações dos arquitectos municipais impostas sem discussão pública e muito menos com a pedagogia da discussão pública. Com isto não queremos dizer que as eleições devem proibir as obras, apenas deixamos sugerido que a excepcional simultaneidade de tanta obra no pino do Verão é de molde a tornar as eleições quase proibitivas e, claro, suspeitosas. Muita obra, mas pouco plano estratégico, aliás, basta ler bem os slogans das campanhas por esses concelhos, tanto dos poderes locais como das oposições – são de uma pobreza extrema e de uma linearidade confrangedora.

Ora, este obsessivo obreirismo eleitoral é a verdadeira doença terminal da política. A política existe para fazer obra segundo o calendário do interesse público e para fazer prova de obra em função da legítima aspiração da sociedade ao bem estar e à modernidade, seja a obra cultural, de cimento ou de alcatrão. O que é assombroso é que o calendário do interesse público degenere em mero calendário eleitoral apenas para fins políticos escusos, para não falar da obtenção por terceiros de ganhos financeiros directos com a discreta oportunidade do momento. A política, assim, tem os dias contados, morre, ou a doença não seja terminal. A política só não morre se o eleitor usar a memória que já tem.

Carlos Albino

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