quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

SMS 696. Feliz Ano Novo, Dia Mundial da Paz

29 dezembro 2016

Assim vão começar as missas do próximo dia 1 de janeiro, assim começaram no ano passado, e assim irão começar nos próximos anos. Felizmente que a liturgia para o Céu engloba um dia para celebrar a almejada paz na Terra. E no entanto, se pensarmos nas teorias da História que estudam os ciclos de paz, estaríamos já atrasados na consumação de uma nova guerra. Rondando esses ciclos intermédios perto de quarenta anos, já deveríamos duas décadas a um conflito armado. Então duas interpretações sobre o assunto estão a correr. Uma delas diz que já estamos a viver esse conflito mundial, de forma disseminada, pelos 53 conflitos regionais em curso. Outros dizem que se aproxima a grandes passos um conflito à escala planetária. As imagens de Putin a Leste e as de Trump a Oeste, fazem estremecer os mais optimistas. Bem precisamos, pois, de um longo Dia Mundial da Paz.

Só que dito assim, o assunto é tremendo, mas inalcançável. Por isso a pergunta é esta - O que podemos fazer pela paz global, além de desejar que seja uma realidade? E a resposta é a seguinte - Podemos pensar com realismo no que nos cerca. Podemos viver em cada país, região e localidade, a nossa hora de desejo de paz para todos, compreendendo o que nos diz respeito e promovendo o entendimento da hora que passa.

No nosso caso, a região do Algarve, agora promovida como um lugar seguro, talvez precisássemos de tomar cuidado. Há um ditado que diz – Perto do carrasco, não convém falar da corda. Ora nós não estamos longe do conflito que grassa por todo o Mediterrâneo. O nome da nossa região tem inscrito na sua morfologia a raiz do problema, e como região inscrita na Europa, e anfitriã de incontáveis etnias residentes e visitantes, deveríamos ser mais prudentes. Não devemos captar visitantes gabando-nos da ausência soalheira de conflitos. Na verdade, não há, hoje em dia, um destino seguro. A Terra transformou-se numa aldeia em que todos somos vizinhos. Convivamos todos como é nosso hábito, aqui ao Sul, mas não aticemos os ânimos com publicidades de excepção. Não vamos cair no ridículo da memória salazarenta que considerava Portugal um cantinho protegido pela Nossa Senhora de Fátima. Deixemos a crença no fundo individual das almas. Em termos sociais, devemos pensar como Gordon Brown, quando disse que a partir de agora, tudo o que se passa lá, cá se passa. Aliás, essa é uma constatação meramente política, e no entanto, mais cristã do que isso, não há.

Bom Ano de 2017. Boas Festas.

Carlos Albino
________________
Flagrante média geral: Neste ano que passou, pela escala de 0 a 20, a média de valores obtida pelo conjunto dos autarcas algarvios, foi de 9,75 e não mais. Dá para irem à oral.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

SMS 695. A caminhada humana

1 dezembro 2016

Não sei quem foi que inventou a imagem de três Reis Magos caminhando no deserto, ao lado dos três camelos, e juntou, escrita na areia, a máxima de que Sozinhos vamos mais rápidos, Juntos, vamos mais longe. É linda a frase, e ainda mais linda a junção à imagem que nos acompanha desde sempre, a figura de uns reis, que afinal seriam uns sábios, talvez astrónomos, em busca de uma nova estrela que surgira nos céus. O assunto dá para desmentir, dá para falar de fantasia histórica, dá para viver em suspeita em relação a esses ícones, sobretudo desde que o Papa Bento XVI colocou o burro, a vaca e as manjedouras no local das invenções infantis. Foi um choque. A partir daí, todos os presépios estremeceram, a crença na gruta para onde recolheu Maria, para dar à luz o filho, ficou desgastada e a frieza dessa noite passou a dar voltas no calendário. Enfim, um abalo telúrico que ocorreu na alma. Mas, passados poucos anos, a suspeita foi desaparecendo e a iconografia voltou em força.

Porque voltou? Porque há imagens de ternura que são mais fortes do que todas as outras. Porque precisamos de cenas de amor primordiais que nos acompanhem, porque vivemos com a criança que fomos desenhada no nosso peito, mesmo que a escondamos. Que uma criança nasça sem berço, que os animais a aqueçam, que essa extrema pobreza seja o lugar para onde se dirigem pastores e ovelhas, são imagens que nos lembram que o mundo se faz de ligações simples, arcaicas, lugares para onde regressamos sempre.

Basta um desentendimento entre países, basta interesses instalarem-se entre a diplomacia do mundo, basta que se abatam interesses contra interesses, ideologias contra ideologias, e logo pessoas aos milhares, saem das suas casas, das suas terras, e ficam reduzidos ao corpo humano coberto pro uns farrapos, a andar à deriva. Ou, segundo o título do livro de Herta Müller, Tudo o que tenho trago comigo. Às vezes basta um título para designar toda uma época. O presépio aí está, por vezes fica no meio do Mar Mediterrâneo, por vezes fica no meio da Europa, por vezes sem burro, sem vaca, sem manjedoura até. O princípio dos desprovidos sempre, aqui e agora. O que significa, então o Natal? Talvez fosse bom mandar calar todas as sanfonas que atordoam os supermercados dos países em paz, para escutarmos a razão dos outros. Talvez fosse bom substituir as legendas que obrigam agressivamente à despesa, por uma única frase de amor entre irmãos, e sabedoria de sobrevivência na Terra – Sozinhos vamos mais rápidos, acompanhados vamos mais longe. Essa deveria ser a nossa estrela do Oriente. Pois o que somos nós sozinhos?

Carlos Albino
_________________
Flagrantes intervalo: Nos petróleos. Depois do fim das coisas em terra, aguardemos o que vai acontecer para o mar. Longe da vista, longe do coração.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

SMS 694. Culto da personalidade e personalidades de culto

8 dezembro 2016

Não interessa o que Fidel Castro defendeu ou impediu defender, não interessa o que fez ou proibiu que se fizesse, nem está em causa o que falou interminavelmente ou quantas e quais bocas calou em definitivo. Mas quem foi informado do que se passou a propósito da sua morte, ou, com maior curiosidade, espreitou a voz oficial de Cuba, designadamente o respectivo canal televisivo internacional, não pode deixar de se interrogar sobre o culto da personalidade, sobre o que significa e ao que leva.

Na verdade, o século passado ficou tragicamente marcado, um pouco por todo o mundo, por personalidades de culto. Também todos pensamos candidamente que a história não se repete e que hoje, à exceção de um ou dois sítios longínquos e que só estão próximos para quem vive na África, na Ásia, ou sente o seu risco na América, já não há lugar para paranóias de culto pessoal. Pensamos mas estamos enganados. Esse culto pode andar à solta na nossa região, pode campear na nossa cidade, pode morar na nossa própria rua, ou, quem sabe?, pode estar sentado no sofá da sala da nossa casa. Quando o culto da personalidade afeta um Estado inteiro, ou ameaça contaminar o nosso próprio Estado, é muito possível que alguns sinos toquem a rebate, que os comentadores alertem, que os noticiaristas reportem factos e comportamentos de eventual paranóico. Por isso, a personalidade que anseia pelo culto à sua pessoa, por autodefesa nunca começa pelo Estado. Começa pela nossa cidade, antes desta tenta a nossa rua e, antes da rua, ousa sentar-se no sofá da nossa sala. Ou seja: uma democracia – democracia de Estado ou local – não está imune a ter de alojar déspotas disfarçados, não há dispositivos que interditem automaticamente que no sofá franco da nossa sala generosa não se venha a sentar uma alma de títere, mas na nossa rua ou na nossa cidade, quando o culto da personalidade vinga e tem êxito, é sinal de que já sentou em muitas salas. E já será tarde para evitar que tal alma se meta no Estado.

Ora, olhando para a montanha de folhetos, agendas municipais, programas disto e daquilo, entrevistas manifestamente pagas, fotos a despropósito, mensagens a todo o pretexto, etc., um pouco por todo o Algarve, e comparando esta montanha com o que chega e se conhece do Norte e do Centro do país, não é difícil perceber e ter prova que lideramos o ranking dos cultos de personalidade. É bem possível que alguns pensem que só ganha eleições quem é cultuado e se faz cultuar, ou que as mensagens das personalidades de culto são meio-caminho andado para as ganhar. Possivelmente assim será, mas eleições dessas desvirtuam a minha sala, a minha rua e a minha cidade.
_________________
Flagrantes valores: Talvez porque toda a gente, agora, reclama a defesa dos “valores”, numa rede de supermercados montaram um balcão para a venda de funerais a prestações. Não sei se o enterro vai dar ao paraíso fiscal já que o que rende é ir à carteira do cliente..

Carlos Albino