quinta-feira, 28 de abril de 2016

SMS 664. É o petróleo, meu inteligente

28 abril 2016

Oxalá que não seja uma metáfora. Sousa Cintra, muitos antes desse envolvimento com petróleos e apenas envolvido com a bola, indo a conduzir o seu carro e ao mesmo tempo entrevistado pela TSF, ficou célebre naquele desabafo reforçado pelo calão quando partiu o vidro da janela que julgara aberta. Atirou uma garrafa de vidro para a estrada e o vidro rendeu-se à sua força de mão, levando os ouvintes da estação a ouvirem em direto a prova da literacia de Cintra. Oxalá que o episódio não venha a ser metáfora ou antecipação do que se passa com a corrida à exploração de petróleo e gás natural no Algarve, coisa muito mal explicada. Aliás, só avança porque não há explicação credível nem aceitável, já faltando pouco para que os interessados e seus emissários não comecem a imitar o impropério de Cintra contra a janela do seu carro.

Nos contratos assinados, um dos motivos de força maior invocados para a gestão de responsabilidades, por entre hipotéticas rebeliões das populações e supostas guerras civis como inviabilizadoras do negócio, estão terramotos. E aqui é que bate o ponto, sem que se saiba até onde bate. Todos sabemos que os terramotos que ao longo dos séculos assolaram o Algarve, tiveram epicentro no mar a sul de Tavira ou ao largo do Cabo de São Vicente.  É um motivo de força maior para o qual é aconselhável que nos devamos precaver, não esperando que seja a Galp, a Repsol, ou a Portfuel a dizer-nos que “é o petróleo, meu inteligente”, já que quem está de braços cruzados perante o que se está a passar, à exceção dos emissários, não tem direito a ser tratado como palerma, mas como inteligente, como a metáfora do senhor Cintra ensina.

O Algarve, geologicamente, é uma zona altamente sensível e não pode ser tratado como se fosse uma garrafa vazia de água atirada por um caçador de entrevistas. Oito quilómetros de distância, para o caso, não é nada. Comparar petróleo/turismo como mera questão de custo/benefício omitindo que nisto há pessoas cuja cultura vai além do impropério, e que as pessoas devem contar à cabeça e serem ouvidas, é não perceber que há barris de petróleo mas que também há barris de pólvora. Sossegar as consciências com Cádis é julgar que os outros desconhecem que Cádis é Cádis e que para este efeito ou em função das consequências, Cádis pouco ou nada tem a comparar com o Algarve. Pensar-se que Portugal fica menos dependente em petróleo ou no gás, é hoje já apostar no cavalo errado. E quanto a ganhos, uma ninharia que faz rir qualquer escocês que faça contas com o petróleo do Mar do Norte.

Seria melhor os da prospecção arrepiarem caminho e não atirarem a garrafa de vidro sem se certificarem que a janela do seu carro está aberta. Depois de uma tragédia, é tarde.

Carlos Albino
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Flagrante dever de resposta: É vergonhoso que Vossa Excelência não se demita e não perceba que um concurso público tem como limite o interesse privado, seja este individual ou de grupo.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

SMS 663. Dez coisas que poucos desejariam

21 abril 2016

Sim, há Liberdade. Mas há dez coisas que poucos, muito poucos desejariam voltar a ver, ou que se instalassem como que por geração espontânea:

1 – Que o Algarve, com marretada daqui e marretada dali, perdesse identidade. E nessa perda, também as suas terras, as suas instituições regionais, cada vez mais instituições pessoais e de grupo.
2 – Que a Administração pública (local e estatal) acolha os cidadãos, seja nos reparos injustificados, seja naqueles onde a razão impera, sem as regras da civilidade, do respeito e da prestação de ajuda. Há muito chefe sem chefia para tão pouco índio que se afoita.
3 – Que fosse possível fazer experiências com extração de petróleo, numa zona fortemente sísmica, ou, a fazer, pelo menos com debate e esclarecimento público claro, aceitável e credível.
4 – Que os deputados, no seu conjunto, não deputem como deviam deputar.
5 – Que as Assembleias eleitas (municipais e de freguesia) não fossem as casas da participação coletiva, do escrutínio, e da presença constante dos eleitores cada vez mais conformados no papel de marionetas eleitorais, contaminando com esta doença teatral os próprios eleitos, ou por medo ou por conveniência. Raramente são motivos de notícia, como deviam ser sempre.
6 – Que as Escolas não fossem assumidas como instituições de excelência, e conferindo às suas direções a dignidade de tratamento adequado.
7 – Que fosse possível, em 2016, um Algarve com profundo défice informativo.
8 – Que a rede de Bibliotecas Públicas esteja cada vez mais próxima não da literacia mas da iliteracia.
9 – Que a sinalética do Algarve, no Algarve e sobre o Algarve seja uma completa desgraça, designadamente quanto ao património e às centralidades da região. Até estava melhor no tempo dos mouros.
10 – Que não nos calemos, porque ainda falta a agricultura, a Universidade do Algarve (que Faro trata como enclave), os dinheiros europeus, os projetos, os portos… mais 72 coisas pois os sonhos foram mais que dez e os desapontamentos mais que 120.

Carlos Albino
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Flagrante declaração: Gosto muito da Andaluzia. Devia haver mais ligação em todos os aspetos. E quem precisa não se deve fazer rogado.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

SMS 662. Correios e trapalhadas

14 abril 2016

Quando os CTT encerraram dependências a pretexto da preparação da privatização, já se suspeitava que não era a melhoria do serviço público e facilitação para as populações que estava em linha de mira mas sim um atalho para um novo banco. Na verdade, o fecho de serviços instalados em edifícios próprios e que ficaram de portas fechadas à espera de qualquer coisa não claramente anunciada, e a deslocação desses mesmos serviços para lojas particulares ou, à falta disto, para as juntas de freguesia que tiveram que assumir o ónus, tudo isso foi uma trapalhada. Como em todas as trapalhadas, fica-se à espera dos resultados e eles aí vão aparecendo.

A palavra trapalhada tem três entendimentos: ou é apenas uma confusão, mistura de coisas; ou é um enredo obscuro, enfim, coisa que não se entende; ou, pura e simplesmente, trapalhada significa embuste. Ora, quando o mais alto responsável dos CTT e principal agente da ciclópica preparação da privatização, veio a público argumentar que a transferência de serviços para lojas manifestamente desadequadas era para “ajudar a economia local”, ao mesmo tempo que envolvia as juntas de freguesia na trapalhada, ele não foi diretamente ao assunto porque o assunto era já e foi sempre o atalho que os CTT proporcionavam para um banco, coisa que não se cria de um dia para o outro, como a terra firme foi criada no dia a seguir ao da separação dos mares. E viu-se como foi: os CTT despejaram o lixo, quiseram a casa a mais limpa possível da sujeira do serviço público remetido para uns balcões improvisados e eis o banco.

Nada a opor à criação de bancos, à instalação de bancos, e à afirmação concorrencial de bancos. O que se recusa é a trapalhada que cheira a embuste.

OS CTT estão a desarticular caixas de receção, estão a substituir os serviços de proximidade por tarefas entregues a viajantes efémeros, etc.. Nas zonas rurais ou de população dispersa mas intensa, isto é particularmente lesivo e está nos antípodas do serviço público. Ir aos postos de correio está a converter-se no mais recente dos sacrifícios e para quem os pode suportar. Em muitos aspetos, o serviço público só não foi liquidado porque as juntas de freguesia passaram a acolher e a fazer aquilo para que não foram criadas.

O banco, agora chamado Banco CTT, inicia os seus dias publicitando que “nada nos move mais do que a vontade dos portugueses”, e que, “por isso, chegou a hora de fazer nascer um banco que começa do zero”.

Não é verdade que comece do zero, começa da trapalhada e da limpeza do serviço público.

Carlos Albino
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Flagrantes votos: O novo ministro da Cultura, embaixador Luís Castro Mendes, merece os nossos melhores votos de bom desempenho. Não porque o seu pai tenha sido juiz em Faro e colaborador assíduo do Jornal do Algarve; não porque o seu avô, José Rosa Teixeira, do Ameixial e com vida em Loulé, tenha sido intenso descobridor das pedras com a Escrita do Sudoeste (espólio no Museu Arqueológico de Faro); não porque se considere algarvio, por acaso nascido em Idanha-a-Nova. Nada por isso! Luís Castro Mendes é uma das figuras cimeiras da poesia contemporânea portuguesa, foi embaixador de primeira linha nas principais instituições que contam para a Cultura na Europa (UNESCO e Conselho da Europa), e acima de tudo é um homem sério a toda a prova, honesto ao lado de todas as dúvidas e culto.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

SMS 661. Região-Órfã

17 abril 2016

Dissipadas as veleidades de ser uma Região-Piloto, coisa apenas embandeirada por benemerência antes de eleições, o Algarve é uma Região-Órfã. Não tem pai nem mãe. Podia ter padastro ou madastra, mas nem isso. Tem uma múmia de faraó mais ou menos recoberta de ouro que é a CCDR, tem uma marioneta que se move consoante a agilidade dos dedos que a manipulam que é a AMAL, e, além disso, uma pequena coleção de direções e delegações regionais que são uma grande homenagem à burocracia que faz do Estado e do seu aparelho um verdadeiro carrossel oito, com papéis a darem a volta por cima e outros por baixo. Com a extinção do Governo Civil perdeu uma espécie de tutor que, nos últimos dias, estava já reduzido à figura de mero empregado do Ministério da Administração Interna e que só por alguma deferência protocolar sugeria vénia. Com a secundarização ou mesmo a neutralização da RTA reduzida a penacho, até o turismo, principal atividade, é uma conversa pegada. E é assim que o Algarve está reposto no que por certo sempre foi: filho de pai incógnito e de mãe incógnita, se é que teve pai e mãe. Ou seja: uma colónia em que os colonos não se assumem, uma extensão da Costa da Caparica mas onde alguns barracos são mansões sujo valor depende das offshores e das revistas sociais.

Há quem, no meio disto, tivesse depositado e ainda deposita confiança, melhor, esperança na AMAL que nasceu sem mentir na sigla em 1992, com a mesma sigla faltou à verdade em 2004 como Grande Área Metropolitana, e que ainda com a mesma sigla se converteu, em 2008, na inverdade de Comunidade Intermunicipal do Algarve. Mas enfim, é por AMAL que se conhece isso, qualquer coisa como que chapéu de alentejano em cabeça de beirão. Está longe da população, os colonos passam ao lado, mas é a AMAL a única coisa que resta quanto a defesa do bem comum de Aljezur a Alcoutim, do interesse geral de Vila do Bispo a Vila Real, e do chapéu que ainda é Faro.

A anunciada “missão” da AMAL, na verdade, é “potenciar o desenvolvimento dos municípios e reforçar a identidade conjunta da Região, mediante a articulação de interesses e criação de sinergias”. E também como anunciada “visão”, a AMAL propõe-se “ser o guia e impulsionador dos Parceiros Regionais, capaz de conciliar e harmonizar as estratégias para o desenvolvimento sustentado da região”. Quanto à missão, não tem sido muito missionária, e quanto à visão, precisa de óculos. De um todo, falta-lhe iniciativa política, impulso, ganho da confiança geral, golpe de asa, pilotagem, ação nas “casas da frente” e não apenas no quintal, falta-lhe fazer o que um ser desprotegido espera de pai, mãe, padastro ou madastra que seja. E é assim que o Algarve é uma Região-Órfã. Para ser “piloto”, é necessário decreto; para ser “órfã”, é suficiente reduzir a Política ao carreirismo.

Carlos Albino
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Flagrante negócio: O das ambulâncias.