quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

SMS 651. O Grande Festival da Abstenção

28 janeiro 2016

O Algarve viveu um gigantesco “evento” com a participação recorde de 206.666 espectadores e apenas suplantado por Bragança. Foi o inédito Festival da Abstenção que arrastou 55,65 por cento de algarvios e outros pára-quedistas, alguns destes quadros médios e superiores que por aí andaram a influenciar à boca cheia com o “Eu não vou votar”, mas que, se falassem verdade, deveriam dizer “Eu não posso votar”. E de facto, não puderam nem poderiam votar mesmo que quisessem – são residentes no Algarve mas estão inscritos noutros círculos eleitorais, bem longe e onde só vão para rever a família. Estão aqui pelo ordenado, pelo clima e pelo relativo mas felicíssimo anonimato de uma espécie de refugiados de élite. Em todo o caso, serão ainda uma minoria e, não estando inscritos no círculo marroquino de Faro, cabe aos algarvios natos a glória desta gigantesca manifestação cívica perante eleições livres do Presidente da República.

Nenhum mal viria ao mundo se o êxito deste Festival da Abstenção tivesse sido uma exceção de protesto – e motivos não faltariam. O problema é que os eleitores inscritos algarvios estão cada vez mais a abster-se em tudo e abster-se até dos protestos que seriam justos e legítimos. Mais grave ainda, é que a abstenção parece que é estimulada pelos eleitos doutras eleições, para os quais o “evento” das presidenciais nada diz, ou convirá que nada diga, para que não percam votos nas próximas em que se apresentarão como candidatos nas repúblicas locais. Passam ao lado, ou, vá lá, concedem uma participação soft. Por pudor, é de evitar dizer o rombo que isto provoca no custoso edifício democrático, mas a explicação de que não se livram não anda longe daquilo que vai cozendo em lume brando e que pode resultar no grande prato dos déspotas bem conhecidos em ditadura, de resto, quase sempre fervilhados em democracia.

Para os sobreviventes dos anos autoritários quando votar era, na prática, uma proibição imposta pelo receio social e pelo medo de ser marcado, era inimaginável que em Olhão, no século XXI, se registasse 60,11 por cento de abstencionistas, em Albufeira 59,8 por cento, em Loulé 58,37 por cento, com todos os concelhos do Algarve, à exceção de Monchique, a darem este triste espetáculo muito acima da média nacional de 49,93 por cento, já de si elevada.

Para os que nasceram já em democracia ou nesta formaram o corpo e o espírito, para estes que vão sendo a maioria, o que já se torna inimaginável com um festival destes, é o que seria a Sociedade se estivesse entregue a uma legião de déspotas ainda que sorridentes. Aliás, não há déspota que não sorria. Cinicamente, diga-se.

Carlos Albino
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Flagrante exceção: Monchique, com apenas 39,09 por cento de abstencionistas, fez jus à sua altura, e até ver, tornou-se na capital da participação cívica e política do Algarve. Os da serra deram uma lição. E grande.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

SMS 650. Licenciados e licenciosos

21 janeiro 2016

Para uns tantos há licenciados a mais, para outros há licenciados a menos. Quem tem razão? Estamos ainda numa era de grande ajuste na área do ensino, do que significa pescar um diploma e do que cada diploma traduz em matéria de aprendizagem. Há diplomados que nada aprenderam e outros que muito ficaram a saber, há diplomas dados com ligeireza por benefício, outros por coisa equivalente a esmola de prestígio social, outros ainda sem dúvida conquistados à unha e por mérito. Há de tudo, designadamente nos cursos verbalistas onde os conhecimentos não são testados por incontornáveis provas técnicas ou de laboratório. E como os cursos verbalistas não envolvem grande dispêndio para as escolas superiores ou universitárias, o facilitismo, vai já para décadas, transformou-se em instituição nacional, com a obtenção de diplomas a servir grandemente para ascensões hierárquicas que nada têm a ver com conhecimento e aprendizagem. Mau serviço essas escolas sem rigoroso escrutínio têm prestado, ou que prestaram, no caso das que encerraram portas.

E o que se diz dos licenciados, aplica-se aos mestres e doutores. Há os que são a prova de que há milagres, e há muitos milagres com os milagrosos muito bem colocados pelas intervenções divinas do poder, havendo também aqueles que, apesar dos seus efetivos e comprovados conhecimentos, não conseguem um adequado emprego que lhes dê para pagar o bife.

Daí que nas escolas onde a juventude deve ser preparada para a vida, que nas repartições municipais ou do Estado onde o cidadão tem o direito de encontrar gente com noção do serviço público, e que nos locais de reunião onde a Sociedade não pode aldrabar nos valores da Cultura, da Ciência e da Civilidade que segue, encontremos licenciados e licenciosos, numa mistura em que é difícil fazer a separação entre aqueles cujo título académico corresponde a sabedoria e aqueles cujo título nem lhes dá para saber redigir uma carta, fazer um traço ou ter mais olhinho que não seja para o pequeno negócio, a pequena conveniência, o pequeno umbigo.

Não havendo e não podendo haver estatísticas nesta matéria, não é difícil perceber que, pelo que se constata no dia a dia, há uma generalizada perceção de que há licenciosos a mais e licenciados a menos…

Carlos Albino
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Flagrante campeão: É oportuno não esquecer que Marcelo Rebelo de Sousa foi o grande campeão da campanha contra a regionalização e a favor de um municipalismo que tal como está, onde devia haver Região, se revela exacerbado. Em vez de cinco Regiões com cinco parlamentos regionais, temos por isso 278 regiõzinhas com 278 parlamentozitos. O centralismo português foi sempre um napoleónico artista no dividir para reinar.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

SMS 649. O insuportável custo do não-Algarve

14 janeiro 2016

Falou-se muito e fala-se ainda bastante dos custos de uma Região Algarve. Não se quantificaram, sabendo-se apenas os custos de um municipalismo segundo um modelo implantado para inviabilizar a regionalização e justificado como alternativa, custos esses acrescidos por alguma descentralização e outra tanta desconcentração. Tudo junto, acabámos por assistir, nas últimas décadas, a um aumento da burocracia, da discrepância de decisões e até de critérios, e sobretudo ao cavar de um enorme fosso entre a administração e os administrados, intransponível para a generalidade dos cidadão e das empresas à exceção de meia dúzia dos habituais beneficiários de mordomias. Cada município acabou por funcionar como que uma “região”, cada qual fazendo o que quer e lhe apetece, conjugando-se somente no diagnóstico dos problemas mas dificilmente acordando soluções de partilha, de interesse comum ou recíproco. Mesmo nas áreas que seriam de mais fácil entendimento, como são as do recreio e da atividade cultural, ou andam de candeia às avessas, ou repetem uns o que outros fazem, ou entram numa competição estéril em que cada um esvazia a ação do outro.

Por aí houve um momento em que, com a corda na garganta, se tentou reduzir os custos gerais do País e em cada “região”, com a extinção ou fusão de freguesias, processo que não chegou aos municípios, não porque o poder central não tivesse essa vontade e propósito, mas apenas pelo travão dos “custos políticos” já que os interesses eram cruzados como são. Não fora tal travão e os 16 municípios do Algarve tinham ficado pela metade, extintos ou fundidos. Embora isto nunca tenha sido dito claramente ou à boca cheia, a ideia passou pelos corredores do centralismo. Por isso mesmo e para isso mesmo, o mesmo poder central despachou, à maneira romana, uns cônsules para preparar o terreno e, com toda a coerência de cônsules, olhando para as câmaras por cima do ombro.

Resultado disto, é uma região economicamente apática, sem a indústria que lhe seria possível designadamente a agro-alimentar, sem agricultura que vá além dos frutos pendentes, sem pescas a sério que são as das mais-valias, com um comércio que ou é tradicional e já desadequado aos tempos ou que, nas mãos de cadeias, de regional pouco ou nada tem. E é assim que as terras, sejam pequenas cidades, vilas grandes ou localidades com luzes acesas conforme a ocupação do dormitório, se fecham provincianamente, muito embora as reduzidas elites locais se passeiem alegremente pelo mundo, enfim, gozando a vida com a legitimidade que atribuem a si mesmas. Nos intervalos de tal alegria, na época baixa, uns saltos a Lisboa, a Sevilha ou a Huelva para os mais poupados, sempre evitam a consciência dos custos deste não-Algarve.

Carlos Albino
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Flagrante Prémio de Jornalismo: Como tem sido hábito sempre que há motivo para prémio, o júri reuniu-se no Dia de Reis, e decidiu por unanimidade atribuir o Prémio SMS de Jornalismo à fundadora e diretora do jornal online Sul-Informação, Elisabete Rodrigues, pelo seu trabalho de indeclinável e persistente qualidade, pela sua coragem de resistir numa espécie de selva, e pelo seu culto por uma palavra fácil de pronunciar mas difícil de preservar: deontologia.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

SMS 648. Dez mandamentos

7 janeiro 2016

1.º - Não é preciso adorar, mas é necessário colocar na presidência da CCDRA uma personalidade algarvia com provas dadas de competência e probidade acima de todas as coisas, e, para já, por eleição indireta dos municípios.

2.º - Não invocar o Turismo em vão, reconduzindo a RTA à sua matriz de origem, com autonomia e capacidade proporcional aos recursos da região no seu âmbito e adequação de interesses.

3.º - Guardar no Algarve a gestão dos portos do Algarve e acabar com as festas da burocracite de direções regionais sem região, de delegações sem delegação e de secções sem nexo.

4.º - Honrar a identidade e unidade do Algarve em cada um dos 16 quintais que, sem se sentir, fazem regressar os tempos dos reis moiros.

5.º - Não matar na EN-125, transformando-a corajosamente na Avenida Metropolitana do Algarve, em vez de brincadeiras de engenharia de separadores e arquitetura de redes de galinheiros, nem causar com as injustificadas portagens na Via do Infante mais danos, no corpo ou na alma dos algarvios, a si mesmos ou aos próximos.

6.º - Guardar excelência nas palavras e nas obras de Cultura, sem a hipócrita castidade do provincianismo e da subsídio-dependência.

7.º - Não furtar, nem injustamente reter ou danificar os bens do Património material e imaterial para decoração de vivendas, ou venda em circuitos difusos.

8.º - Recolocar as Escolas na Sociedade sem as municipalizar que será a forma perversa de fazer delas mundos à parte e dos seus diretores mais vereadores do que já são.

9.º - Repor a legalidade, a deontologia e a ética na Comunicação Social, sobretudo a que revela sintomas de AVC eleitoralista de quatro em quatro anos, consoante os mandatos autárquicos e avenças concomitantes.

10.º - Não cobiçar as coisas alheias, sejam do Alentejo, da Andaluzia ou das empresas de eventos que fazem sempre o mesmo em todo o lado com dinheiro à vista.

Carlos Albino
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Flagrante problema: Uma “exposição mediática” nunca é excessiva, nem é só por si um problema. Ninguém morre por exposição mediática. O problema é que o Hospital de Faro não tem serviços de neurorradiologia.