quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

SMS 600. Isso parece que ficou pelo caminho

29  janeiro 2015

De modo geral, aquelas tais primárias que levaram António Costa à liderança do PS, provocaram uma onda de entusiasmo. Chegou-se a pensar que esse seria um caminho certo para recolocar a crença nos procedimentos democráticos quanto à escolha de candidatos e que tal caminho poderia e deveria comprometer as escolhas do essencial do regime: os deputados.

Chegou-se a pensar que esse seria um método acertado para se acabar com o carreirismo político que, à evidência, levou à confusão entre cargo eletivo e emprego cativo, entre mandato e mordomia, entre exercício público do poder de representação e coisa da propriedade privada dos beneficiários do sistema. Chegou-se a pensar que essa seria um bom remédio para a cura da doença coletiva da abstenção e que, aplicado com a posologia prudente e adequada, haveria de repor a aproximação entre eleitos e eleitores. Foi um sinal de esperança dentro e fora do PS que teve a iniciativa e esse sinal contaminou o melhor que as força partidárias ainda têm para oferecer na tentativa de sobrevivência em pluralismo. Ficou também à evidência que os democratas convictos, sem interesses pessoais e diretos nas disputas de poder, e que, além disso, podem pronunciar a palavra Valores sem peso na consciência, se manifestaram favoráveis a que o processo de escolha do “candidato a primeiro-ministro” não ficasse por aí, chegasse às listas de candidatos a deputados (com primárias nos círculos eleitorais) e aos candidatos a presidentes de câmaras (com primárias locais). Mas parece que tudo isso ficou pelo caminho.

A oito meses das eleições legislativas de 2015, que irão decorrer entre 14 de setembro e 14 de outubro, nenhum dos partidos abre jogo para a disputa dos nove lugares cabem ao Algarve. As listas estão naturalmente já nas cozinhas e estão a ser cozinhadas, e voltamos, portanto aos lugares talhados, negociados, conseguidos, convidados, instados, possivelmente alguns impostos ou pelas circunstâncias, ou pelo labor populista dos interessados ou ainda pela esperteza dos chamados aparelhos onde tanto nadador-salvador da democracia se tem instalado sem saber nadar ou sabendo apenas nadar de costas. Com eleições em setembro, listas a terem de ser fechadas em julho, para primárias este final de janeiro já é tarde. Aliás, a democracia, quando quer, chega a horas; alguns democratas é que se atrasam, e outros nem precisam de relógio julgando-se senhores do tempo.

Mais uma vez, repetem-se os motivos não para se desejar “Boas Eleições!”, mas “Bons Empregos!”

Carlos Albino
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Flagrante saber alentejano: Por aí, nas prateleiras dos supermercados da região, frascos de mel rotulado como “Mel do Algarve” (Honey of Algarve, p’ró turista não se enganar), mas “produzido e embalado” na Messejana… Ou as abelhas alentejanas já voam tão depressa que perderam a noção de que o Ameixial e a Messejana são da mesma freguesia e lado a lado, ou as abelhas algarvias são lentas a perceber os rótulos. Além disso, o mel é péssimo.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

SMS 599. O pior táxi perto de si…

22 janeiro 2015

Na semana passada aqui se referiu a perigosa proletarização voluntária das profissões, e, pelas consequências gravosas para a sociedade, aqui se destacou a proletarização dos profissionais cuja atividade se cruza com serviço público, missão cívica e os tais “desideratos” invocados normalmente nos atos de posse e logo esquecidos no dia seguinte. Sei que a palavra proletarização ou proletários é já de sete e quinhentos, mas para dizer o que se pretende é uma palavra inevitável e menos acintosa do que, por exemplo, criptogâmicos (seres incapazes de criar) ou mesmo fanerogâmicos (seres cuja manha depende das flores que produzem), o que também por esses municípios, escolas e departamentos estais afora. Fiquemos então pelos proletários, mal sabendo que seria eu uma rápida vítima dessa renovada espécie. Vamos aos fatos.

Nesta segunda-feira, pelas 23 horas, precisei de um transporte urgente em Loulé, para resolver pequena inconveniência. Telefonei para o número “oficial” da praça de táxis, e fui remetido para a caixa de mensagens. Aguardei resposta de retorno e, por um quarto de hora, nada. Decidi então caminhar até à dita praça. Nem um táxi. Confirmei os contactos dos táxis “de serviço” colocados à disposição pública. Novamente fui remetido para a caixa de mensagens. No abrigo, encontrava-se um rapaz enregelado (fazia um frio de rachar) que me disse estar a guardar um táxi havia uma hora e nada. Fiz uma nova tentativa de chamada telefónica e o resultado foi o mesmo que anterior: caixa de mensagens, concluindo eu por isso que estava a tentar em vão o serviço de um novo proletário. Desisti do proletariado da praça de Loulé, e acabei por pedir a um amigo o incómodo de me ajudar na situação. E fiquei a pensar sobre qual a razão, pela qual uma já razoável cidade, às 23 horas, não tem um táxi nem um taxista que pelo menos atenda uma chamada, dê uma indicação, seja solícito. Ninguém exige que um taxista fique dentro do seu carro em prisão preventiva até que surja um cliente, mas aquele que está “de serviço” tem a obrigação pública de atender telefones seja a que horas forem.

A cidade de Loulé está rodeada de outdoors que anunciam o melhor concelho perto de si, os melhores eventos desportivos perto de si, o melhor património perto de si, tudo perto, incluindo nomeadamente o novo “minarete da cóltura”. Apenas falta mais um outdoor: “O pior táxi perto de si” ou, em alternativa e com maior abrangência, “O proletariado no seu melhor perto de si”.

Carlos Albino
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Flagrante convite: Vou convidar Cláudio Torres (e mais alguém) para uma passeata em Loulé...

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

SMS 598. É mesmo isso: proletarização

15 janeiro 2015

É verdade que acontece um pouco por todo o País, mas no Algarve, para quem nele mergulha, está mais à evidência: a proletarização dos grupos profissionais das mais variadas espécies, dos professores aos médicos, dos funcionários autárquicos aos desenhadores, dos pasteleiros aos empregados bancários, dos pintores de portas aos juízes, dos que estão no quadro, em qualquer quadro, aos que estão em comissão de serviço ou a termo certo. Mesmo os que, frente ao espelho, garantem a si próprios que não são proletários, padecem disso. Vendem a sua força de trabalho, fazem apenas o que lhes compete, nada mais. Cumprem as obrigações para se manterem na função, aguardam o último minuto do horário obrigatório e depois, depois adeus sociedade, depressa para a casinha, quem pode para as lojas do centro, quem tem para uma passeata, quem deve para uma jantarada sem fim, e quem não pode, não tem e quem não deve enrola-se no sofá depois do cão e do gato, entra pela televisão adentro e adeus mundo, adeus sociedade.

Não é admirar assim que salas de conferências de meter inveja a Lisboa, Porto e Coimbra fiquem às moscas. Sendo, por exemplo, um assunto de história e, por hipótese, nas cercanias haja 78 professores de história de miúdos e meio-graúdos além dos universitários, aparecem dois ou três. E sendo o assunto de justiça, quais juízes, quais advogados, quais solicitadores e notários – aparecem três. Se é poesia, o número de assistentes depende da rede de amigos do poeta. É um pensador de nomeada que se anuncia que vem falar? Para que é isso, o que adiante? – perguntam os proletários. É um economista que se propõe falar sobre o presente e o futuro do País ou da região? Paleio de feira – respondem os mesmos proletários que na escola, na câmara, no serviço estatal ou no cantinho da empresa já cumpriram o horário, fizeram o obrigatório, o mínimo para garantirem um final de mês igual ao anterior e se possível um próximo mês melhor na sequência da avaliação de quem vende força de trabalho e a isto resume a vida, desde que haja sol em agosto, aquecimento em dezembro, horas extraordinárias remuneradas para estar presente seja onde for ou pelo menos a garantia de ser visto pelo senhor presidente, pelo senhor diretor, pela senhora figura.

Claro que há exceções mas as exceções não dão para garantir vida cultural, vida social, vida universitária, debate de ideias, primado do espírito, sociedade adulta e evoluída, senda de progresso coletivo, civilidade e civismo, tudo o que, afinal, um proletário mais detesta porque nada disso é pago, e, para além do mais, se o proletário é de um certo grau, ele tem uma vida intensa. Intensa em relatórios mesmo que dos relatórios nada resulte, intensa em ações de formação ainda que a mais parte dessas ações seja de deformação, intensa em ações de representação com as quais os novos proletários animam o nosso imenso turismo municipal que é primo-irmão do turismo político, enfim, aquele turismo à custa dos contribuintes para uns efeitos sem causa e à custa dos eleitores para umas causas sem efeito.

Enquanto assim for e enquanto o Algarve, nesta matéria, for pior que o resto do País, as salas não se enchem. Os novos proletários, por regra, evitam juntar-se a outros proletários.

Carlos Albino
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Flagrante silêncio: Curiosamente, depois do barulho que foi sinal de entusiasmo com as tais primárias, agora que se aproxima a hora das listas para deputados, a ideia das primárias foi engolida pelo mar... 

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

SMS 597. Problemas muitos; soluções poucas

8 janeiro 2015

Os problemas do Algarve arrastam-se, no essencial, de ano para ano. Neste ou naquele assunto, continuamos na mesma, aqui e ali estamos pior. A sociedade está cada vez mais dividida, as autarquias fecham-se cada vez mais, e cada um cada vez mais se fecha nas suas casas, alguns mais confortavelmente do que a maioria que vai engrossando e sofre pela calada. Mas parafraseando o novo cardeal de Lisboa, numa daquelas suas tiradas que ele julga de bom gosto e bom senso, “os Algarvios sobrevivem apesar do Algarve”… Sobrevivem porque julgam que o adormecimento é de bom gosto e que a regra do cada um que se governe é de bom senso.

O desemprego e o emprego precário atingem recordes no país; na saúde, médicos e responsáveis fazem das tripas coração para que a coisa continue a chamar-se serviço público; no ensino, os professores que estão à frente dos agrupamentos escolares deveriam receber medalhas de mérito porque já estão a fazer o impossível na sequência de uma reforma irracional e de medidas avulsas que não atendem à realidade caso estejamos numa sociedade que pretende a melhoria; a suposta rede pública de transportes para uma minoria chama-se carro particular e para a maioria interdição de mobilidade; o comércio está nas lonas, por um lado porque não se adaptou nem se quer adaptar, e por outro porque está na prática estrangulado pelas grandes superfícies que se instalam sem condições e funcionam como aspiradores do dinheiro local, dando uns empregos nas caixas, nas arrumações e nas limpezas; a cultura está na proporção do subsídio e na dependência da maior ou menor proletarização dos responsáveis por bibliotecas públicas e departamentos municipais, onde se faz o que é exigido e pouco mais, onde a criatividade rumo à excelência é um estorvo; cada vez mais há associações sem associativismo e os que insistem no associativismo não conseguem aguentar-se em associação; participação cívica e política tornou-se cada vez mais sinónimo de combinação prévia; o turismo oferece números que não andam desligados das tragédias dos outros, não se sabendo, por ora, o que será quando acabarem as tragédias nos destinos concorrentes, além de que a avaliação do turismo que vamos tendo não excede a contagem do número de dormidas; a construção, depois do caos e das plantações de cimento, parou.

Enfim, todos sentem isto mas poucos o dizem em voz alta, havendo alguns que, mesmo sentindo, dizem por conveniência do lugar e da qualidade dos ouvintes que tudo vai bem, queo comércio vai animado, que o turismo vai de vento em popa, que a agricultura e as pescas deram azo a uma sólida indústria transformadora alimentar, que a cultura prova uma sociedade de sábios, que o ensino e a saúde estão “racionais”, que isto entrou tudo na disciplina, estando por fazer apenas o trabalho de fazer esquecer essa coisa chamada Algarve substituindo a palavra por Sul, como a orquestra já o fez. Para quê o Algarve?

Dir-me-ão que é preciso acordar; direi que, assim, o que é preciso é dormir bem.

Carlos Albino
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Flagrante monumento nacional novo: Em Loulé, encostado a restos da muralha, de torre e do caminho da ronda (monumento nacional) surgiu em betão o que se pode designar por “Minarete da Cóltura”. Merece o nome. 

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

SMS 596. Na pessoa de Viegas Gomes

1 janeiro 2015

Vai para dois meses, Viegas Gomes dedicou-me nestas páginas palavras que me comoveram. Não lhe agradeci de imediato como seria de esperar porque o tempo voou avaliando se tais palavras foram justas ou desproporcionadas. Faço-o agora, quando 2015 começa, no pressuposto de que as palavras de Viegas Gomes não se dirigiam exclusivamente a mim, mas sim ao conjunto dos jornalistas algarvios sérios, probos e com espírito de missão pública, tendo eu sido mero pretexto, simples pretexto.

Na verdade, o Algarve tem um grave problema de comunicação e, entre outros fatores, os jornais e as rádios pesam, porque em matéria de televisão e atividade noticiosa o Algarve não tem absolutamente nada de próprio e autónomo. Os meios de comunicação social da chamada “cobertura nacional” mantêm por aqui umas antenas de correspondência, umas avenças e pouco mais, com jornalistas que não podem fazer mais do que fazem, submetidos às agendas de Lisboa e Porto, para as quais o Algarve praticamente conta quando há crime, catástrofe, desastre de peso ou alguma curiosidade para entreter o mercado de leitores nortistas e centristas. Restam os jornais locais, um ou outro, é verdade, a tender para o regional mas que já não chegam aos dedos de uma só mão, e, nestes, jornalistas que resistem sabe Deus como. Temos um grave problema de comunicação que afeta a sociedade algarvia em geral, problema esse que tem vindo a agravar-se de ano para ano, contra as expetativas dos que sempre pensaram que a liberdade de expressão, a liberdade de empresas de comunicação e um ensino universitário específico viriam a dotar o Algarve de um forte sistema de informação, matriz da sua identidade e alavanca das atividades que lhe são próprias da economia à cultura, do desporto à educação.

É costume avaliar-se o grau de desenvolvimento de uma sociedade pelo número de profissionais especializados por cada mil habitantes. Se há um médico por cada mil, ótimo; um dentista por cada cinco mil, razoável… Quanto a jornalistas, no Algarve, há 0,00005 por cada mil, mesmo assim contando-se com os jornalistas adventícios, os brincalhões e os que dão uma perninha a troco de salário de prestígio social. Mas há um grupo de resistentes e com crença num dia de amanhã melhor. E há também uma avalanche de jovens bem dotados e preparados que sonharam exercer essa profissão de missão pública mas que, se têm sorte, acabam nos press releases populistas das câmaras, e se não têm, acabam a lavar pratos.

Viegas Gomes, obrigado pelas palavras que me dirigiu, mas, não leve a mal, reparto-as pelo pequeno grupo de jornalistas algarvios que merecem um 2015 com o reconhecimento da sociedade, e também um 2015 em que os políticos, sobretudo os políticos, ponham a mão na consciência e vejam em que estado se encontram aqueles de quem se servem quando deles precisam e rapidamente deles se esquecem quando verificam que a independência de espírito, a livre crítica e o relato objetivo dos factos são um estorvo e obstáculos a eliminar. Não seria franco se não dissesse que os políticos algarvios, no seu conjunto, são os principais responsáveis do grave problema se comunicação que o Algarve tem e se não o resolver, não vai longe.

Carlos Albino
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Flagrante apelo: A quem encontrar a AMAL, roga-se o favor de informar o seu paradeiro. Tem 16 manchas no lombo.