quinta-feira, 25 de setembro de 2014

SMS 582. Teoria da Relatividade


25 setembro 2014

Por brincadeira, lembrei-me há dias de exemplos que comprovam a Teoria da Relatividade também no Algarve, onde tem sido regra entender-se que a relatividade não chega, a contrariar Einstein nas suas reflexões sobre velocidade, tempo e matéria.

Primeiro exemplo, sabe-se que a Ponte Vasco da Gama tem exatamente a mesma distância de Faro-Loulé, 16 Kms. A gente parte dos Olivais ou da Goncinha, chega ao Fórum Algarve que é Alcochete, e com isso atravessámos a ponte – 15 minutos. Mas em Faro pensa-se que Loulé fica na Escandinávia e em Loulé julga-se que até Faro fica a Suíça, com o Cerro da Goldra a fazer de Alpes.

Segundo exemplo, de Quarteira a Loulé são 12 Kms, metade da distância entre Lisboa e Cascais. A gente parte do Terreiro do Paço que é ali a rotunda da BP, e quando chega a Algés (o que não falta para Cascais!) já estamos na rotunda do Ciclista – 10 minutos. Mas em Quarteira pensa-se que para chegar a Loulé é como um mexicano ir cumprimentar um esquimó no Alasca, e em Loulé, a não ser para banhos, julga-se que ir a Quarteira é tão custoso como ir do Vaticano a Meca.

Há mais exemplos, pelo Algarve afora – Silves então, para muitos ali tão perto até parecerá uma Ilha do Norte vista da Cornualha. Mas pelo contrário, já em Lisboa, onde apenas se olha para o mapa do Sul do País como de um avião se olha para a Sibéria, de olho franzido a servir de régua, sobretudo no Ministério da Educação (os diretores de escolas que o digam) julga-se que de Faro a Évora é um salto mais curto que um salto a Lisboa, e lá vão de pasta na mão para exercícios de regionalização “do Sul”. No entanto, de Faro até Évora são 3 horas e meia (no mínimo) e até Lisboa 2 horas e 20 minutos nas calmas, sendo por acaso muito mal calmo, e até, se calhar, muito mais interessante ir a Sevilha.

Moral da história: quanto mais quintal uma terra se torna e quanto mais se fecha no seu quintal, segundo a teoria da relatividade, maior é a probalidade de ficar parada seja qual for a sua massa, pelo que a sua energia será tanto mais reduzida quanto mais ficar a olhar para o umbigo. E olhar para o umbigo tem sido o mal capital destas terras algarvias, todas elas contíguas mas que não há meio de concretizarem o tal sonho de Cidade Estado visionado por Manuel Teixeira Gomes.

Carlos Albino
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Flagrante asneirada: Profusamente distribuído pelas estações serviço (GALP, por exemplo), um mapa do Algarve com o pomposo qualificativo de “Official Passport”. Como principais áreas, o mapa destaca Portimão, Faro e… Almancil e Vilamoura. Quanto a Castelos, por exemplo, só há dois: Alcoutim e Silves. E quanto a Praias, nem Quarteira existe. E em vez de Faro, uma cidade chamada “Algarve”, além de, em vez de “ã” aparecerem c’s com til… Uma asneirada completa.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

SMS 581. É o que temos, é o que somos

18 setembro 2014

Acabam de subir ao noticiário quotidiano, duas notícias que, devido às causas, não parecendo parentes pelos efeitos, são da mesma família. A primeira das notícias dá conta de que há mais candidatos à Casa dos Segredos (105 mil) do que às universidades (42 mil).  A segunda das notícias vem do Eurobarómetro: Portugal apresenta um dos índices de leitura mais baixos da Europa. E como corolário, a queda a pique de editoras e livreiros um pouco por todo o País, com João Alvim, presidente da APEL, a advertir que o comércio do livro e com ele a sua importância e função cultural, está numa encruzilhada. A estas duas notícias somam-se as do encerramento de jornais locais e regionais a contrastar com o progresso das revistas da mais degradante cuscuvilhice típica dos bordéis, da conversão dos grandes jornais em meras vozes dos donos, da sina das rádios locais serem meras grafonolas numa tentativa de sobrevivência, etc., até se chegar às rádios e televisões, a pública e as privadas de cobertura “nacional”, saturadas não com desporto mas com o entulho do desporto e outros entulhos, numa competição de “audiências” em que o nivelamento é por baixo e não por cima, é para o que tende para o abjeto e não para o que devia ser trajeto para a melhoria da Sociedade. É o que temos e é o que somos.

O Salazar, contrariamente a Franco, teve um objetivo que cumpriu: o de impedir, ou pelo menos o de dificultar tudo o que lhe cheirasse a fator de multiplicação de cultura, informação e ciência, coisas que apenas podem existir com a Liberdade de pensamento, de expressão e de criação. Foi assim que ele deixou um país de analfabetos e de gente que não teve acesso ao ensino, não teve acesso ao saber e que perdeu quase até ao ponto zero, o sentido de convivência, do associativismo e do conhecimento. Essa foi a grande diferença entre a ditadura portuguesa e a ditadura espanhola. O Franco, sobretudo na fase final do seu franquismo, tolerou e até fomentou, embora contidamente sobretudo nas universidades, o que o Salazar proibia e policialmente perseguia numa linha que o Caetano manteve, descontada uma leve e tão ilusória quanto passageira aragem. Por isso, a Espanha enfrentou relativamente bem preparada o seu período de “transição”, enquanto Portugal teve que construir tudo de raiz, desprovido que estava dos tais fatores de multiplicação de ciência, informação e cultura.

E quando parecia que Portugal, enfim, tinha pernas ara andar, com as suas universidades por todos os cantos, a sua comunicação social, o seu novo aparelho de investigação, o seu novo edifício de criatividade literária e artística, a sua nova montanha de novas tecnologias supostamente ao serviço da ciência e da cultura, coisas sem as quais, pessoas, empresas e a própria sociedade ficam sem alma, pese aparentarem bom corpo, eis o paradoxo: temos, e de sobra, os tais fatores de multiplicação, mas estes, em vez de terem condições para agirem e ocuparem os lugares certos, ou emigram de cabeça baixa, ou por aqui ficam como uma legião de condenados.

E não posso evitar dizer: a política atual, perversamente, parece cumprir o velho desígnio da Ditadura, o de impedir a multiplicação dos factores de cultura e de ciência, da educação à informação, das pessoas e empresas à Sociedade. Estamos numa enorme Casa dos Segredos e muitos de nós para aí entrámos por absoluta ingenuidade, com a política enganosa a fazer de apresentadora.

Carlos Albino
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Flagrante concurso público: Para D. Sebastião do Algarve. Alguns deputados e líderes não passam de Cardeais D. Henrique, outros de Filipes. O Prior do Crato tem uma chance…

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

SMS 580. O roubo da paixão

11 setembro 2014

O Algarve tem, reconhecidamente, das melhores praias do planeta, um clima ímpar e uma Natureza que funciona como deus regular. Muito tarde conquistou fama – os hotéis e toda a armadura do turismo como indústria, são coisas relativamente recentes, muitas vezes implantadas ao deus-dará, sem bom gosto e sem bom senso. Até meados do século passado, o Algarve, sobretudo o litoral mais vistoso, era quase apenas um segredo para pequenas elites nómadas, vindas daqui ou dali.

Com as ligações terrestres ao resto do País a chegarem sempre tarde e desfasadas, o avião mudou a paisagem humana, e às antigas elites sucederam-se multidões circunstanciais que chegam e abalam, com os que estão a preencherem o tempo com os cálculos e proveitos do IVA, das taxas de ocupação, das dormidas, da imobiliária, do emprego quase limitado a serviçais, e, agora menos, da construção civil, restando ainda algum trabalho para os profissionais dos contenciosos.

Muito atentas ao consumo, por aí se espalharam as chamadas grandes superfícies – há terras onde o número de tabuletas para os hipernercados é mais que as ruas. Instalaram-se sem contrapartidas, estoiraram com o comércio tradicional, parte do qual poderia e deveria fazer parte de um turismo sustentável e integrado, e nos seus escaparates, trocaram os produtos agrícolas locais, as primícias da terra e o peixe fresco das lotas, pelos congelados da Cochinchina, sobretudo da Cochinchina espanhola. Além disso, o Algarve dos meses de consumo, rapidamente transformou o litoral numa fastidiosa banca de vendas de tudo o que não é da região cujo sistema produtivo partiu a espinha. São vinhos do Alentejo, muito dos quais horroroso, é artesanato do Alentejo, muito do qual horroroso é, é até pão do Alentejo a fazer uma espécie de ocupação quando cá pão e padarias não faltam. No fundo, imitam alguns grandes hotéis que também por aqui se implantaram como califados cujos sultões estão distantes, importando-se apenas com as odaliscas.

O turismo vive deste círculo vicioso e alimenta-o, os dias, meses e anos passam, e estamos nisto. Outrora o ano bom era o muita alfarroba, muita amêndoa, muito figo e muito e bom peixe, agora o ano bom é o da faturação da banca de vendas, sem se olhar a mais, sem se ver mais, sem se perceber que um turismo como indústria a sério, já que essa parece ter sido a aposta, assim morre na casca, mais dia menos dia, e se não morre vegeta. E os vendedores, tão rapidamente se instalaram desenraizados e alheios à terra de acolhimento, como mais rapidamente levantarão asas ao primeiro sinal de trovoada.

Os que vieram para aqui para roubar uma paixão, da banca de vendas aos serviços, acabarão com a própria paixão. Mas não estamos isentos disso, o Algarve não está isento disso. Aliás, a maior parte da culpa lhe caberá. Continuem com a “cultura” capturada pela animação pimba, continuem com o desdém pelo património e a patrocinar belas palhaçadas, continuem a proceder para que o Algarve se esqueça do próprio Algarve, e verão. Estamos em 2014, e oxalá que em 2034 ou mesmo já em 2024 não tenhamos que lembrar a advertência. Caso então não exista já SMS, outros pela certa o farão, se até os arquivos de jornais não desaparecerem.

Carlos Albino
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Flagrante chumbo: A RTA neste exame que já leva anos. Não passou da escrita.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

SMS 579. De Luís Castro Mendes, poeta.


4 setembro 2014

Aqui fica a resposta a um pedido. O poeta Luís Castro Mendes (o avô, José Rosa Madeira, de Loulé, e pai, o juiz Castro Mendes, saudosa e emblemática personalidade moral de Faro), foi, como embaixador, em missão do Conselho da Europa, a Baku, capital do Azerbaijão, na semana finda. Foi-lhe pedido que fizesse a dádiva de um poema sobre os alicerces do Algarve e os alicerces dessa remota capital. Um jogo que só a Poesia permite e a História deve aceitar. A resposta veio prontamente, com a imagem que antecede e o poema que se segue.

Poema dos alicerces de Baku
prometido a um algarvio desconhecido

O mausoléu do Xa Sirvan
é igual a tantos túmulos mongóis que visitei na Índia.
E as delicadas miniaturas que vejo no museu
são em tudo semelhantes
as que vi na Índia do norte.
Mas já a sepultura do santo sufi me lembra o mosteiro
que existiu  na falésia da Arrifana, no Algarve mouro,
e as ruínas que ficaram do hamman
neste palácio imperial, destruído pelo Czar de Todas as Rússias
do antigamente,
vem lembrar-me os alicerces mouros de Loulé destruídos pelos reis cristãos
e pelos tremores de terra, que ajudam muito
a renovar as civilizações e a limpar as culturas
(tal como as guerras).

Rumi disse "viemos ao mundo para unir, não para dividir".
Mas à beira do mar de Azov preparam-se para continuar a dividir
até a ultima gota de sangue. Aqui é como se estivéssemos longe.
Bebemos bom vinho do país
e as raparigas passeiam pela avenida de cabeça erguida
e cabelo descoberto, só as turistas turcas e iranianas andam de véu
e pouco se fala aqui da guerra dos russos,
pois jorra o petróleo, o petróleo sobe mais à cabeça
do que o vinho neste país.
Eu queria falar em alicerces, tinha prometido a um amigo,
mas acabei a olhar para as suaves e firmes raparigas
do Azerbaijão
e a sonhar com guerras e impérios.
Deus me perdoe...

Luís Castro Mendes
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Flagrante fenómeno: Não é que por essas praias afora, se descobre que na hora de decidir no Algarve, há um sem-número de avestruzes com as cabeças enterradas na areia?