quinta-feira, 31 de julho de 2014

SMS 574. Política por e-mail e telefone

31 julho 2014

Os partidos – do CDS, pelo PSD, PS, BE e PCP até aos extra-parlamentares – existem porque há liberdade dos eleitores, e por entre estes a liberdade de associação política dos militantes. Monsieur de La Palice diria isto. Quando um partido pode invocar que o conjunto dos seus militantes traduz uma “minoria esclarecida”, isso será um bom sinal, desde que a minoria não seja prepotente e não se julgue escolhida por inspiração divina. Será mau, péssimo sinal quando tal minoria entre em rutura com o eleitorado, deste se distancia ou dele apenas se aproxima oportunistamente nas vésperas e nos dias de eleições, esquecendo-o no dia seguinte ou no dia em que, por via do poder conquistado pelo sufrágio, passem a exercer os mandatos e tomem o comando das funções e cargos públicos que foram os alvos da disputa. Ninguém que se submeta ao voto pode dizer, sem hipocrisia, que o poder não lhe é coisa apetecida. E não há mal nenhum nisto, antes pelo contrário. Mal haverá, sim, se a conquista do poder decorre exclusivamente do carreirismo e do elitismo. Daí a responsabilidade dos partidos, primeiramente perante os seus próprios militantes, depois perante os eleitores circunstancialmente afins, e, finalmente perante a Sociedade. Além disso, quanto maior for o partido, também maior a responsabilidade.

A nível nacional, o carreirismo e o elitismo poderão ser fenómenos que ficam diluídos por pressão das centrais partidárias ou pelo “sábio” uso dos meios de comunicação, por vezes numa promiscuidade irritante, mas a nível regional e local, os danos são imediatos – os eleitores afastam-se e o défice democrático avoluma-se. É o que tem acontecido no Algarve, sempre que os seus eleitos (deputados e autarcas) estão na política como aqueles a quem tenha saído a sorte grande. Estão em mandatos, cargos e funções porque tiveram a sorte ou receberam o favor de figurarem nos chamados “lugares legíveis” e nada mais. A pessoa pode ser de uma honestidade à prova de bala, isso não está em causa, mas se é verbo de encher, ou se mandato e cargo é apenas para encher o seu “eu”, a carreira do seu “eu” e a elite do seu “eu”, fica tudo estragado.

Ora, tudo começa nas direções regionais dos partidos. É incompreensível que, sendo regionais, estas fiquem entregues a gente que vive fora da região semanas, meses e anos, trabalha fora da região de dia e possivelmente de noite, com carreira fora da região de segunda a sexta, e eventualmente vindo à região nos sábados e domingos para ver quatro primos, ralhar com os pais e lanchar com dois vizinhos, pelo que é gente literalmente desconhecida na região ou cujo nome é reconhecido, vá lá, apenas pelos canais de imposição da central do carreirismo e do elitismo. Caso se pergunte a essa gente o que é que deveras fez pelo Algarve ou pela sua terra, a resposta, se for sincera, terá que ser esta: “Nada”. Poderá ter discursado muito, poderá ter figurado ao lado de todas as celebridades nacionais, mas não fez nada.

E caso dirijam regionalmente as estruturas regionais que precisam dos eleitores da região como de pão provinciano para a boca provincial, naturalmente que essa “direção” só pode ser exercida por e-mail e por telefone, ou aos sábados e domingos, desde que não haja praia, faça vento e não caia chuva. Com prejuízo dos primos, dos pais e dos dois vizinhos.

Ficou bastante por dizer. Temos tempo. Por ora, para bom entendedor, mais palavra basta. Para os maus entendedores, Monsieur de La Palice dá a resposta.

Carlos Albino
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Flagrante Mendes Bota: Justiça lhe seja feita e reconhecimento devido lhe seja prestado. Neste dia 1 de Agosto, entra em vigor a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, conhecida, como é da praxe, por Convenção de Istambul, cidade onde foi assinada. Mendes Bota foi o promotor e persistente pugnador da convenção, que é tão importante que deve entrar na casa de cada um. É o Pai da Convenção que por sinal também teve um bom padrinho algarvio: o embaixador Américo Madeira Bárbara.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

SMS 573. E o rali pouco ralado com o Algarve


17 julho 2014

A questão da retirada do Rali para o Norte, subiu (ou desceu) para a chicana política, com algum argumentário passível de discussão, mas também com outro argumentário próprio de espíritos com motor gripado e provincianismo atroz. O passível de discussão, refere-se à RTA, que não pode fazer mais porque nada pode fazer: é uma entidade esvaziada pelas sucessivas leis que a reduziram a pó. Sem relevância política e espartilhada pelas tutelas. Se a tutela é do Norte, esta tudo faz pelo Norte, e se foi nomeada pelo Norte ainda que por concurso público talhado à medida do fato do Norte (não é, Pires de Lima?), a RTA é uma “área”, mas sem superfície política. A total sujeição dos seus atos aos poderes de tutela, às homologações e às autorizações, colocam a RTA na mesma posição do cabo da GNR em patrulha no Cachopo face ao Quartel do Carmo. Isto tem a ver com a retirada do rali e com tudo o mais. E os que criticam a RTA pela retirada, apenas pecam por não dizerem claramente que há um erro de política legislativa, ou, se não é erro, tal política é uma deliberada serventia à constelação de lóbis do Norte, que é mesmo constelação, diria o cabo ao Quartel do Carmo

Mas se a RTA tem gente de bem e proba, assim estamos em crer, tome-se nota de como a RTA avalia a retirada do rali, além de se dizer “desolada”, o que é um desabafo sem cotação em bolsa. Em síntese e entre aspas, ou seja, por palavras próprias:

  1. – que “nunca foi pedido nada pelo Automóvel Clube de Portugal que não fosse feito pela RTA no último ano e meio, incluindo no envolvimento com os municípios”
  2. que “o presidente do ACP foi muito claro: a FIA exigiu levar o rali para Norte, face à maior presença de público
  3. que a RTA “falou sempre com o ACP e com as câmaras municipais”, que “não houve falta de empenho”, mostrou sempre “disponibilidade para assumir as exigências apresentadas”, e que “aquilo que a FIA encontrou no Algarve foi uma prova excecional em todos os aspetos”
  4. que a direção da RTA espera agora que a região seja “compensada” pelo Turismo de Portugal pela saída do rali
Perante isto, se alguém tivesse a consciência de ficar reduzido a cabo do Cachopo, demitia-se e não deixava os algarvios probos a atirarem-se uns contra os outros para gáudio do Norte, não tanto do público do Norte, mas dos lóbis do Norte. Dos não probos, a gente trata deles, e quanto a “compensações” serão esmolas tardias e humilhantes por mais brilhante que seja a prosápia do esmoler.

Carlos Albino
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Flagrante logística: Com que então, o Algarve não tem público para um rali de Portugal e tem público para tanto hipermercado do Norte, que anda por aí sobre rodas e sem contrapartidas?

quinta-feira, 10 de julho de 2014

SMS 572. Estação pateta

10 julho 2014

Como era de esperar e muita gente avisou, naturalmente que aquele tal Allgarve não deu em nada. Não deixou nem inculcou hábitos culturais, não promoveu a crença na cultura (antes pelo contrário, deu motivos para a descrença). Muita gente se iludiu porque a região, por relativamente largo período, entreteve-se com algumas dessas tribos nómadas que descem de Lisboa ou do Porto, empurradas pelo subsídio, com muita cultura às costas e pouca na cabeça, ou então muita na cabeça e pouca às costas. Muita gente andou de boca aberta por exposições, performances e outros trejeitos que deveras ninguém entendia porquê, como, para quê. Tudo se esvaziou com um balão, e essa tal sealy season da espampanância de uma cultura fora de órbita, abriu caminho à sealy season da cultura pimba mais pimba que há. Neste mundo pimba em que o Algarve se transformou, até houve já por aí um “evento” cujo ponto alto foi, nem mais nem menos, um anunciado “streap tease clássico”… E está certo, porque o uso da palavra “clássico” tira alguma roupa que ainda fique a tapar o resto da vergonha em que o Algarve se converteu.

Há exceções, evidentemente, mas são poucas. E as poucas exceções estão condenadas ao fracasso. A estação pateta domina o Algarve de lés a lés, com o elogio e prática da barriga, do berro e da manha. E se pela pela promoção da barriga, pela inflação do berro e da regra da manha houver pecado, as juntas de freguesia lá conseguirão o perdão para os fregueses com mais umas excursões culturais a Fátima, ao Castelo de Guimarães e ao Alqueva. Para além disto, sim, ainda temos as praias, e é preciso que o sol não se esconda e a água não esteja fria. Dizem os catalães que “é preferível ser cabeça de sardinha que rabo de atum”. Não sei deveras o que é que no Algarve se pretende atrair, se sardinhas com cabeça, se rabos de atum.

Carlos Albino
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Flagrante suspeita: Pelo que se houve dizer, por aí se prepara uma nova divisão geográfica e administrativa do País: do Tejo para baixo, constará apenas a Região Sul com capital em Évora, e o Algarve ficará reduzido a um concelho com 16 freguesias.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

SMS 571. Sophia, a quem o Algarve deu os nomes de tantas coisas

3 julho 2014

O Algarve dispõe de uma biblioteca pública com o nome de Sophia de Mello Breyner Andresen. Ou melhor, Loulé batizou assim a sua Biblioteca Municipal, ainda antes do falecimento de Sophia, embora a cerimónia de atribuição já tenha ocorrido depois, o que aconteceu sob forte clima emocional.

Os portugueses gostam de Sophia, os algarvios, muito. Não admira. O facto de ter escrito sobre o Algarve, de ter tido residências por estes locais, e de várias vezes ter assinalado o valor e os riscos por que poderia correr esta região, fazem dela nossa parente dilecta. Mas, mais do que por esses motivos, nós gostamos de Sophia. Gostamos, sobretudo, porque a sua poesia tem limpidez meridional, síntese clássica, traços de paisagem luminosa, inspiração em rostos que lembram que ela viveu aqui e amou este mar, esta paisagem e os nossos rostos que ela procurava como pérolas no Mercado de Loulé.

Agora, que passam dez anos sobre a sua morte, alguns que muito a amam e a lêem, e outros que nem olharam para a lombada de um livro seu, resolveram aproveitar o momento para fazer passar os seus ossos do local onde estava para o Panteão Nacional. Não vamos discutir o que fará Sophia ao lado de Amália e eventualmente de Eusébio, mas que o seu diálogo à sombra daqueles mármores deve ser interessante, lá isso deve. Seja como for, já que o critério de escolha de quem para lá vai sempre será aleatório, e sempre acarretará ridículo, deixemos que as coisas estejam como estão. Lá estão os restos mortais de Sophia naquele lugar abobadado, e será uma forma de se lembrar que Sophia, Eugénio de Andrade e Ramos Rosa, são poetas imensos.

Mas há um ponto que é de ressaltar. É que existem vozes de familiares indiferentes ao Panteão a que a sua mãe acedeu, refutando a honra e lembrando que antes a sua obra fosse estudada nas escolas de onde foi não completamente varrida, mas quase. E nós também estamos de acordo. Mas o que nos magoa, e é bom que se diga, é que nenhum dos familiares, sabendo que a Biblioteca que leva o nome de Sophia no Algarve, faz uma divulgação extraordinária das obras da sua mãe, junto dos jovens, jamais tenha tido a honra de receber um dos filhos, sobretudo os que são ligados às Letras, ao menos para dizer ao bibliotecário, Obrigado. Isso dá-nos que pensar e muito. Talvez a Sophia, que soube dar os nomes às coisas, tivesse um nome para essa atitude. Nós também temos um nome, mas não o dizemos em voz alta.

Aqui, no Algarve, dizem que as pessoas falam muito alto. Falam alto, para não dizerem o que lhes dói em voz baixa.

Carlos Albino
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Flagrante complicação: A burocracia oficial impõe que se chame Biblioteca Municipal de Loulé Sophia de Mello Breyner Andresen”, nove palavras para um nome de coisa tão simples e que entra no ouvido: Biblioteca Sophia. Basta.