terça-feira, 31 de dezembro de 2013

SMS 545. O discurso de António Branco

31 dezembro 2013

Cada vez mais nos obrigam a adquirir o hábito de ouvir discursos na condição da prévia anuência. Discursos cheios de formalidades, de afirmações óbvias sejam estas polémicas ou mansas, enfim discursos sem alma ou com pouca alma, que não adiantam nem atrasam e que são talhados para as civilizadas mesuras finais. Discurso com princípio, meio e fim, é raro. E mais raro no Algarve. Não por falta de assunto, mas porque aqueles que discursam pensam que conseguem o consenso das inteligências não tocando nos assuntos que as mesmas inteligências escrutinam. Vem isto a propósito do discurso da tomada de posse de António Branco como reitor da Universidade do Algarve. O discurso foi respigado ao de leve aqui e ali, mas foi um daqueles discursos que deveriam ser ouvidos ou lidos na íntegra, de Vila do Bispo a Alcoutim, se o Algarve nunca tivesse perdido a noção de aula, da aula contínua que o viver em sociedade deveria pressupor, porque uma sociedade de gente que nasce ensinada e em que cada um julga que nada tem a aprender, essa sociedade não vai longe. Ora, António Branco não só nos ensinou na sua primeira aula como reitor, como deixou marcados dois trabalhos de casa, um para a Universidade, outro para a própria sociedade algarvia. Os dois trabalhos com um ponto comum: Universidade e sociedade não podem progredir de costas voltadas, no mútuo desconhecimento, fechando-se uma no cortejo académico e a outra nos cortejos sociais que são 16, tantos quantos os concelhos, a que se somam os cortejos de meia dúzia de instituições que alimentam a roda viva de alguma política e de alguma economia. A cultura, no Algarve não dá sequer para formar cortejo.

Julgo não errar dizendo que podemos entrar em 2014 e dizermos que “Temos Reitor!”

As palavras de António Branco não dissimulam aquela inegável sinceridade que traduz clarividência, arrojo, consciência dos desafios e da função de uma universidade cujas aulas devem influenciar o comportamento da sociedade onde se insere, dando a esta e recebendo desta a capacidade de formular os problemas antes de se imporem soluções. Para isso, é necessário que a Universidade fale com a Sociedade e não apenas com linguagem gestual, mas com palavras vivas e adequadas à realidade, e que também a Sociedade assuma a Universidade como o seu principal motor de cultura, de ciência, enfim, de saber e conhecimento.

O Algarve nada ganhará, antes pelo contrário, perderá mais rapidamente o que ainda tem e as imensas oportunidades que estão à sua frente, se a Universidade não passar do casulo de Gambelas, casulo fechado que nenhuma ação de marketing salva. E a Universidade terá todos os motivos para se interrogar se os seus alicerces estarão sólidos, se a Sociedade não assumir que ali tem ou deve ter o seu escol de consciência crítica e um farol, que aponte para muito mais longe que o farol de São Vicente.

Disse António Branco que “não é por acaso que a aula é um dos espaços mais perigosos para os poderes autoritários: porque a força da Educação, a força que resulta de os homens se interrogarem, a força que resulta de os homens quererem saber mais, quererem compreender melhor, quererem, sem suma, tomar conta da sua vida, essa força é assustadoramente poderosa”. O Algarve precisa, como de pão para a boca, dessa força poderosa, antes de apanhar algum grande susto. Mas para isso é necessário que a Universidade saia do seu casulo e que a Sociedade algarvia assuma que o custo de não ter uma universidade ou de ter uma universidade faz-de-conta, é muito superior ao de ter uma universidade que esteja no centro da cidadania cuja aula passe fronteiras, se internacionalize. Para tanto, é preciso esforço e determinação de parte a parte, e que, tanto a Universidade como a Sociedade formulem o primeiro grande problema comum: um problema de Comunicação.

Mas, para já, temos Reitor.

Carlos Albino
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Flagrantes contas: Na mensagem de Natal, o primeiro-ministro poderia ter dado uma boa notícia se, de facto, em 2013 tivessem sido criados 120 mil postos de trabalho no país. Mas como foram apenas criados 22 mil novos empregos, a mensagem matou o mensageiro.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

SMS 544. Chegou a hora de não dizer adeus

19 dezembro 2013

Neste Natal, poucos ou ninguém está à espera de grandes presentes e de alegres surpresas. E os apelos à solidariedade, vulgares na quadra mas que ainda há pouco tempo pareciam coisas estranhas, já não são tanto apelos à solidariedade entre ricos e pobres mas solidariedade entre os menos pobres e os abandonados pelas sucessivas gestões públicas. À minoria dos ricos cada vez mais ricos, resta-lhes a caridade sem a qual não adquirem o estatuto de bom-tom e de efémero perdão divino. As instituições que são o elemento comum a todas as explicações sobre as as razões porque algumas nações prosperam e outras ficaram para trás na marcha da história humana, refletem nos seus orçamentos e planos para 2014, a situação geral de crise que, sem dúvida, mudou a sociedade de alto a baixo, para o bem e para o mal. Na ausência de instituições respeitadas, funcionais e independentes dos humores dos que se alojaram na democracia com desígnios escondidos, com planos nada claros e rasgando promessas e compromissos assumidos até à véspera do poder, não pode existir esperança de riqueza pública, de distribuição social ou de capacidade coletiva capaz de assegurar à sociedade a possibilidade de progredir num cenário sustentável de estabilidade política, económica, e, talvez mais importante, de estabilidade moral.

Mas não podemos nem devemos deixar-nos soterrar nos escombros da crise. Vivemos em sociedade, felizmente livre e que em momentos agendados faz livremente escolhas e corrige escolhas anteriores, e é apenas em sociedade que podemos encontrar caminhos e soluções. Ninguém fechado na sua casinha, seja esta casinha uma freguesia, um concelho ou mesmo a região, pode julgar que o temporal passa e que nada tem a fazer fora da sua casinha, pensando que chegou a hora de fazer adeus aos vizinhos e que sejam os vizinhos a resolver a crise. Ora, chegou precisamente a hora de não dizer adeus. Chegou o momento de, no maior número possível, os cidadãos clamarem em uníssono que querem o fim da crise e sanar erros e causas da desesperança, assumindo responsabilidades, compromissos e escolhas. E, em democracia, não é preciso esperar pela hora das eleições, sejam estas meramente indicativas como as próximas europeias ou decisivas como as que lhes seguirão. A palavra esperança deve fazer-se ouvir, para já, nas assembleias municipais e de freguesia que nos prolongados anos de distração funcionaram, na generalidade, com ambientes de enterro e para cumprimento de formalidades em tono de figuras que tanto deram para caciques jogadores, como para almas generosas e probas.

E já agora, o melhor presente que o Algarve poderia receber neste Natal, é ter uma voz no sapatinho. O Algarve precisa de ter uma voz, e isso apenas a sociedade a pode oferecer.  Com urgência, o Algarve não precisa de brinquedos tem muitos para brincar, não precisa de roupas novas (os guarda-fatos, sobretudo políticos, estão cheios de roupa), não precisa de jogos de computador (está cheio de jogos e de jogadas) – precisa de ter uma voz. Coisa tão pouca e que não pesa no orçamento. Ofereçam-lhe isso porque a voz do Algarve só é possível saindo das gargantas de todos, a começar pela palavra esperança. Chegou a hora de não dizer adeus.

Carlos Albino
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Flagrante comida: O melhor que o reconhecimento da Ementa Mediterrânica pela UNESCO pode provocar, é não termos vergonha da comida dos nossos pais e avós, vermos nela um sinal de riqueza e que seja posta, com cinco estrelas, na mesa de cada um.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

SMS 543. Falemos do Porto de Faro

12 dezembro 2014

Na vertente exportadora (cimentos e sal-gema de Loulé, sal de Olhão, alfarroba, ferro, aço e atum para diversos destinos), o Porto de Faro tem vindo a subir em flecha, é já um dos pilares fundamentais da economia algarvia. Vai fechar este ano de 2013 com 400 mil toneladas de carga exportada. Segundo parece, o crescimento vai consolidar-se nos próximos anos.

Num raro entendimento entre os deputados eleitos pela região (todos, os dos cinco partidos), foi expedida de S. Bento, em julho, uma recomendação ao governo para que desenvolva uma política de investimentos portuários no Algarve, avalie o desassoreamento dos canais de navegação e clarifique o modelo de gestão dos Portos do Algarve. O entendimento não abarcou a reivindicação da criação da mais que justificada Autoridade Portuária do Algarve com autonomia administrativa e financeira, ficou-se pelo pedido de clarificação, mas o passo dado já não foi mau. A malha portuária algarvia, além dos portos comerciais, com 12 de pesca, 4 marinas, 6 portos de recreio, estaleiros navais e o serviço público de transporte marítimo entre as ilhas-barreiras e entre Portugal e Espanha, tudo isto está na esquisita dependência de Sines, assim como que por comando à distância.

Um mês depois do acerto dos parlamentares, o ministro da Economia, Pires de Lima, anunciava em Portimão (agosto) investimentos portuários no Algarve da ordem dos 15 milhões de euros, nos próximos quatro anos - 10 milhões no porto de cruzeiros de Portimão e os restantes 4 milhões no porto comercial de Faro – nada adiantando sobre o modelo de gestão cuja clarificação os deputados reclamaram, e que, para já, para além dos milhões prometidos até 2017, será politicamente o mais importante.

A verba prometida para o Porto Comercial de Faro parece insuficiente. Como é que quatro milhões de euros se poderá proceder à criação de uma zona de atividades logísticas do porto, à urgente ampliação dos cais, à ligação óbvia do ramal ferroviário ao porto, à ampliação do parqueamento de cargas e beneficiação do pavimento, à realização imperativa de dragagem de manutenção da barra, canal de acesso e bacia de manobra, à melhoria do equipamento de movimentação de cargas, gruas e pórticos, e à beneficiação das áreas de armazenagem coberta, instalações e equipamentos portuários?

O Porto de Faro está a dar provas de ter futuro e de poder responder ao futuro do Algarve, como gerador de ganhos e potenciador da economia regional. Com o que por ele se exporta e o mais que pode vir a ser exportado, não pode ser tratado como um portozinho e como mero apêndice alentejano.

Carlos Albino
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Flagrante falta de vista: Dizem-me que os concessionários de transportes rodoviários furtam-se a estabelecer ligações entre estações ferroviárias e localidades de importância, alegando que os comboios de e para Lisboa são concorrentes das ligações rodoviárias para a capital, pelo que cada estação é vista como inimiga do autocarro… Há que apurar se isto é miopia ou astigmatismo. Se calhar, uma coisa e outra.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

SMS 542. A Casa do Algarve

5 dezembro 2013

Os leitores que, desde 2013, acompanham estes apontamentos, sabem que de vez em quando não evito falar da Casa do Algarve em Lisboa, da importância que deveria ter ou que nunca devia ter perdido porque já a teve. Durante décadas, a Casa foi tratada com a embaixada da região na capital, por décadas e décadas por ela fizeram passagem obrigatória todos os algarvios que se prezassem independentemente de credos políticos e estatutos sociais, foi um elo de ligação, quando não de pressão por vezes incontornável entre a região e os poderes, e foi uma instância de consenso e de influência. Paradoxalmente, quando alguns acreditavam que a democracia iria potenciar a instituição, dar-lhe um novo fôlego e traduzi-la para a modernidade, eis que a Casa iniciou um declínio sem fim, entrou em crise e por pouco que não caiu no anonimato. Vários fatores contribuíram para isto, mas um desses fatores impressiona é precisamente o fator político.

 A livre eleição de deputados, por distorção de algumas visões sobre o que seja ou deva ser a cidadania e o seu exercício, levou a que se pensasse que a representação do Algarve e dos Algarvios ficasse completa com uns quantos deputados do círculo dispersos por este e aquele partido. Ora aconteceu o contrário. Esses deputados, que deveriam ter sido os primeiros a marcarem presença na Casa do Algarve e não a serem os seus sistemáticos ausentes, é verdade que fizeram muitas perguntas a governantes e dirigiram muitos requerimentos aos governos, mas, na generalidade dos casos e pelo histórico dos exercícios políticos, não influenciaram nem deixaram influenciar. Em vez de se congregarem no sítio certo sempre que algumas vezes tocou a reunir pelo Algarve, ausentaram-se uns, outros voltaram mesmo as costas, outros ainda fizeram-se distraídos como se a Casa do Algarve fosse instituição que passou à história.

Idêntico procedimento, sejamos francos, tem sido foi o que, nas câmaras e nas juntas, grande parte dos autarcas tem manifestado, sem dúvida influenciados pelo distanciamento de deputados e estados-maiores regionais dos partidos, estes, por vezes, a cair nas mãos de desenraizados, ou, pior, nas mãos de gente que não quer criar raízes e que só não desdenham do Algarve em voz alta porque o Algarve é que os sustenta na profissão política. Estou convicto, no entanto, que o panorama vai mudar, a começar pelos autarcas. E virá o momento em que nenhum político terá êxito eleitoral se não tiver no seu cartão de cidadão o registo do seu enraizamento ao Algarve.

O Algarve dos Algarvios, mais do que nunca, precisa da sua Casa em Lisboa enquanto Lisboa for a capital e o centro do poder, precisa de que a Casa volte a acolher sob o seu tecto os Algarvios que se prezam, independentemente de credos políticos e estatutos sociais, porque todos juntos muito podem fazer pelo Algarve desde que pisem o chão da embaixada. Os Açorianos entenderam isso há que tempo!

Carlos Albino
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Flagrante slogan: Diz a propaganda que o Algarve é ”o segredo mais famoso da Europa”. Mais famoso e mais mal aproveitado.