quinta-feira, 28 de março de 2013

SMS 506. A crise: oportunidade ou risco?


28 março 2013

Coincidem estas já próximas eleições autárquicas com uma crise brutal, particularmente brutal no Algarve, e que, tudo leva a crer, se vai agravar. Alguma esperança de alguns se deposita apenas nos dois ou três meses de sol e praias, e que não são seis, nem sete meses como alguns zelosos pretendem fazer crer. E há duas maneiras de enfrentar as crises, não importando a sua natureza: a pessimista, segundo a qual as tormentas são prenúncio do caos inevitável, e a otimista, que para além do risco vê nas tempestades, oportunidade. A atual crise que se desenrola no País – que não é apenas económica e social, mas também de mentalidade, de inteligência, de compostura, de honestidade e de espírito público – é de facto um espetáculo deprimente aos olhos dos cidadãos que vêem políticos eleitos com voto de confiança alterarem promessas, falharem nos compromissos e fracassarem nos resultados. Os cidadãos que se disponibilizaram e aceitaram os sacrifícios estão a verificar que o seu esforço foi inútil e que o poder é exercido como se fosse próprio de um clube de privilegiados. O risco desta visão pessimista é o seu corolário: a desmoralização do regime democrático. Ora, não pode haver equívoco maior, porque é justamente no fortalecimento da democracia que reside o antídoto contra os desmandos, abusos e autismos do poder. A crise galopou a uma tal velocidade que já não deixa tempo para reformas que visem uma melhoria da representatividade política e a elevação dos poderes locais para um patamar superior de qualidade, pelo que tudo tem que ser feito com o sistema tal como está, ou seja, com tão pouco trigo no meio de tanto joio. Mas se até há pouco, os eleitores foram arrastados quase automaticamente pelos absurdos que entronizaram representantes que não representam, a crise é uma boa oportunidade para depurar o sistema com o voto consciente e responsável daqueles a quem se têm pedido sacrifícios sem retorno. E essa oportunidade, num primeiro passo, surge já com estas autárquicas em que os eleitores não têm desculpas para procederem como autómatos condicionados pelas propagandas, pelo populismo e por vãs promessas, cabendo-lhes, de forma consciente, escolher nas urnas de voto quem entra, quem continua e quem precisa de ser mandado para o monturo. A crise força a que eventuais aldrabões, mesmo os sorridentes, sejam colocados no local adequado. São os eleitores que determinam e não há melhor sistema para que sejam os eleitores a determinar, desde que, por via de propaganda enganosa e bem urdida, não sejam levados a confundir macacos com passarinhos. Mas, quanto a isso, cada um sabe.

Carlos Albino
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    Flagrantes monumentos nacionais: Na maioria, fechados a horas úteis.

quinta-feira, 21 de março de 2013

SMS 505. Os números do turismo


21 março 2013

De enchentes repentinas a casas fechadas para obras seguidas de encerramentos e despedimentos, o turismo arrasta-se na incerteza dos números do noticiário quotidiano. Num dia, noticia-se que os hotéis estão cheios, no outro dia diz-se que estão a meio vapor, ora se garante que a enchente se dá apenas onde há muitas estrelas, ora com a mesma ligeireza se vaticina que ingleses compensam a ausência de espanhóis ou que alemães fazem fila à mistura com uns quantos franceses. Ora se diz que no domingo de Páscoa está tudo a abarrotar, ora se avança com a previsão de que na segunda-feira é o deserto. Não há segurança nas previsões porque também não há muito por onde colher informação confiável, e, além disso, a informação disponível é do curto prazo e depende do que os operadores disserem. O Algarve que apresenta um défice informativo brutal e que por isso depende da informação ancorada noutras paragens e por certo colada a interesses concorrentes, ora adormece com títulos pessimistas que por vezes parecem redigidos com gáudio, ora acorda com anúncios de muitas dormidas mas sem ganhos, o que vai dar na mesma. Não há, pois, um Observatório do Turismo, algo que já foi tentado mas politicamente liquidado, que imponha credibilidade aos números, às tendências e aos quadros previsionais que dizem respeito à principal atividade económica da região; há quando muito uns apanhados que dependem da boa vontade de quem colabora e também da verdade que se revele conveniente, com as dezenas ou centenas de atividades que vivem a jusante com a porta aberta à espera do acaso. Temos uma Universidade pública com cartas dadas na área, com estudos e saber consolidado mas que ou é ela que vive à margem dos interessados ou são os interessados que se colocam à margem. Pelo menos assim parece, e se ou quando assim não é, não deixa de ser coisa quase de segredo dos deuses. Chama-se a isto défice de informação. Défice de comunicação, défice noticioso, défice de imprensa, imprensa essa que, sem autonomia de produção e sem proximidade de fabrico, não pode deixar de ser retardatária. A agravar a situação, não existe aquilo que possa ser designado por agenda do Algarve, uma agenda que, pelos canais complementares, sirva o turismo e as populações onde ele se desenvolve, não podendo um elemento ser dissociado do outro. Neste campo, está quase tudo por fazer e o pouco que chegou a ser feito ou tentado, foi lamentavelmente destruído. Como resolver? Há responsáveis que podem e devem sentar-se a uma mesa, porque bastante mais pode e deve ser feito sem se estar à espera do orçamento e que chova algum milagre do centralismo.

Carlos Albino
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    Flagrante boa-nova: Dália Paulo, diretora regional de Cultura, anunciou para 2015 uma nova face para Sagres, apostando-se num polo cultural de referência. Era por aí que se devia ter começado há muito, mas como ainda faltam dois anos, aguardemos. Ver para crer.

quinta-feira, 14 de março de 2013

SMS 504. Pedragosa à chuva


14 março 2013

Sempre detestei a crónica dos passarinhos. Refiro-me aos apontamentos líricos sobre o céu azul, as ondas do mar, os rebentos verde-claro da Primavera e outras delícias com que a prosa dos jornais e revistas se enche aos fins de semana, para se fugir da realidade. A poesia da província está repleta desses enlevos românticos, em que o recanto do nosso quarto permite imaginar que o mundo é apenas a ampliação dos nossos malmequeres. Confesso, detesto esse tipo de apontamento. Fujo dele, amo por demais as pessoas da minha terra e do meu país, para incitar a que adormeçam a sua sede de justiça e de verdade.

Mas neste domingo passado, fiz a minha crónica dos passarinhos. Cansei-me da Troika e dos jogos que acontecem dentro de gabinetes, atafulhados em silêncios de onde só saem uns fumos de notícias, sempre demasiado traumatizantes de modo a que a triste realidade apenas um pouco mais leve, seja aceite por todos. De degrau em degrau, cada vez mais duro, cada vez mais drástico, cansei-me dessa espera. Cansei-me da troca dos sapatos vermelhos de Bento XVI pelos sapatos castanhos, cansei-me de não se entender o que as pessoas pretendem quando cantam Grândola e de surgirem patriotas a dizerem que antes se cante O Coro dos Escravos de Verdi - Oh minha pátria, tão bela e tão perdida!... Cansei-me, quando nós não temos ópera, não a produzimos, produzimos, sim, coros de homens com serrão e chapéu preto, unidos, ombro a ombro, reclamando uma pequena justiça, a justiça da repartição de um baixo soldo que sobeje dos negócios dos outros. Cansei-me, e meti-me no carro ao acaso, enfiei pela Estrada da Pedragosa, a caminho do interior do Algarve. Os campos estavam molhados, a chuva batia nos vidros, o tempo recuava até um tempo sem casas, quando no meio das casas, a escrita tinha desaparecido, e a contrariá-lo, apenas se podia ler, entre os pingos da chuva, o aviso a vermelho, escrito num velho casarão AQUI, CABRAS, NÃO. Um aviso primitivo, rude, como se fosse no tempo de Caim e Abel. E a paisagem lá estava. Bela, altiva, resistente, desafiando a alma. E eu pensei que sim, que em dias assim, quando a sociedade civil parece destinada ao auto-flagelo, ainda resta a consolação de uma crónica de passarinhos.

Carlos Albino
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    Flagrantes jogos: As contas e cálculos de alguns que por aí já não se fazem quanto a listas para as legislativas, ainda as autárquicas vão no adro. Quanto mais provincianos nos tornamos, mais o rei vai vestido.

quinta-feira, 7 de março de 2013

SMS 503. Na verdade, é o alicerce

7 março 2013

Ao longo destes anos de vivência democrática, os órgãos das freguesias (assembleia e junta) acabaram por se encaixar como que um adorno do sistema e pouco mais, pelo que a generalidade dos eleitores nem sabe bem como funcionam, que exatas competências têm, o muito que criativamente podem fazer e também o muito para que podem servir, desde os interesses inequívocos da população aos interesses difusos e jogadas obscuras. Na hora do voto, a atenção geral polariza-se no candidato a presidente de câmara, e quanto a freguesias, a decisão é tomada em função do que parece ser boa ou má figura da terra, do seu feitio e também por vezes do maior ou menor número de peregrinações de baixo custo a Fátima.

Nas terras em que as câmaras têm a sua sede, então, a importância dos órgãos da freguesia some-se, a sua eleição, de modo geral, dá-se por arrastamento, e acabada a eleição quase ninguém dá pela junta ou pela assembleia cujas reuniões também se convertem numa formalidade de significado menor. Ora, não é bem assim, ou não deveria ser assim. Os alicerces da democracia estão deveras nas freguesias, tudo começa por aí e é por aí que se pode avaliar se a democracia tem ou não qualidade, e se os órgãos eleitos agem com a consciência de que receberam um mandato para ser exercido com responsabilidade e verdade, ou se, pelo contrário, atuam como se o poder de que estão investidos ainda que seja pouco seja coisa da sua propriedade privada ou como se estejam a fazer um favor mais ou menos pavoneado.

É verdade que a qualidade de uma democracia se avalia a olhos vistos pelos exemplos que vêm de cima ou que são dados nas instituições lá em cima, mas a fortaleza do sistema depende dos alicerces, e estes começam nas freguesias, cuja voz será rouca se o presidente da junta for rouco e cuja caligrafia será engelhada se a assembleia eleita não passar de um grupo de analfabetos funcionais. Admito que os partidos tenham dificuldade em encontrar quadros que, além de quadros, sejam de uma generosidade que nem sempre a sociedade paga nem o Estado reconhece, mas já é tempo de fazerem listas limpas de oportunismos, limpas de chicos-espertos, limpas de clientelas que sobrevivem à custa de um populismo que nada tem a ver com as finalidades e nobreza do exercício político do poder, limpas dos números de encher. Admito ainda que essa dificuldade seja acrescida quando na engrenagem entram os grupos de independentes, sobretudo nascidos do ressaibo do partidarismo ou jogando com as contradições deste. É um esforço que se lhes exige, terra a terra, porque a democracia não é coisa que vogue nos céus, começa por ser o somatório das democracias locais. Diz-me a qualidade desse somatório e dir-te-ei o que pode acontecer lá em cima, ou que se permite que lá em cima aconteça.

Carlos Albino
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    Flagrantes erros de palmatória: O que não vai por aí quanto a erros de português nos cartazes sobre isto e aquilo, na toponímia e na sinalética… Não há olhos?