quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

SMS 493. Aos leitores acima de tudo

27 dezembro 2012


Porque não há jornal sem leitores, não há leitores fiéis sem assinantes e não há assinantes sem que o jornal sirva o interesse público e o bem-comum com independência, isenção e aquele esforço próprio que o faz porta-voz de uma comunidade – a comunidade dos leitores fiéis, dos por estes influenciados a que se juntam, ainda bem, os curiosos do online -, é aos leitores acima de tudo que deixamos aqui os votos de que 2013 seja um ano de esperança em que tudo isto melhore, de coragem para se enfrentar este dia a dia em que a generalidade da gente séria faz das tripas coração para honrar compromissos e continuar com palavra de honra, e sobretudo um ano de saúde, segurança, cultura e justiça.

A Imprensa, de forma muito particular e gritante no Algarve, vive dias negros na onda geral dos dias negros que afeta pessoas, empresas e instituições. Numa região, como a nossa, a mais flagelada pelo desemprego e pelas consequências calamitosas de erros já em décadas na política de desenvolvimento que desencorajou a agricultura, decapitou as pescas, levou o comércio a viver aos supetões e instalou um turismo sem sede no Algarve feito balcão, mais do que nunca essa Imprensa – a local e a regional – é necessária e é um bem imprescindível. Se queremos que a Região tenha um correio público que preserve a sua identidade cultural já de si tão esbatida, ponha em letra de forma a defesa dos interesses gerais e transcreva os anseios da sociedade em documento que os poderes sejam obrigados a sentir e a registar desde que essa mesma Imprensa não seja mera montra da política e dos políticos, tentação que, a bem da verdade, a contaminou bastante e muito perverteu, não há volta a dar a não ser com os leitores e os assinantes acima de tudo. Tal como os políticos, num regime democrático, não sobrevivem muito tempo sem eleitores, um jornal, seja local e atento à rua e ao número da porta, seja regional dedicado aos grandes assuntos e aos factos relevantes de lés a lés, não sobrevive sem leitores. Uma política desfasada dos eleitores é o cancro da liberdade, morre da doença; um jornal sem leitores firmes e que respondam à chamada é andar enganado na mesma doença da liberdade, morre da cura. É do Bê-á-Bá.

Assim sendo, Bom Ano para os leitores acima de tudo.

Carlos Albino
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    Flagrante correio azul: E por último, mas só depois dos leitores, Bom Ano e muita força anímica para o o diretor do Jornal do Algarve, Fernando Reis, para aguentar o barco, e, se me permitem, para os que semana a semana mais direta e pacientemente recobrem o autor destes apontamentos com benevolência, desde a voz castelã da Filomena, ao Domingos Viegas que é o jornalista mais alto do Algarve e ao trio de combate da Lídia Palma, da Irene e Ana Reis.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

SMS 492. O burro e a vaca

20 dezembro 2012

Se há religião do mundo que tenha dado à humanidade algum símbolo de sublime afetividade e de paz, sem dúvida que essa religião foi ou tem sido o cristianismo mais ou menos já purgado do fundamentalismo que o arrastou para os extremos da inquisição, para as chantagens do confessionário, para as histerias de púlpito e para as incongruências dos apetites pelo poder temporal em, nome de um Deus que, segundo santos bem informados, nunca permitiu isso nem está no seu feitio. E de tudo o que o cristianismo deu de aproveitável para crentes e não crentes, o exemplo mais acabado símbolo de magia afetiva e de poética da paz está indubitavelmente no presépio, construção forjada ao longo de séculos onde o inverosímil é lógica pura, não importando se foi falso ou verdadeiro, importando apenas o símbolo mágico da afetividade e da paz e o código genético da tolerância que todos temos pensado ser a matriz da civilização que transportamos como se fosse uma chama olímpica. E nessa construção mágica e poética do presépio, tudo é importante mesmo que inverosímil, mesmo que se saiba tratar-se de invenção circunstancial a que se foi somando, ao longo dos tempos, a imaginação empurrada pela força simbólica.

É assim surpreendente que o papa, como não tendo mais nada no mundo com que se preocupar, se venha meter com o burro e com a vaca do presépio, pretendendo emendar a história naquilo que não pertence à história. O burro e vaca, tal como o anjo, os reis e as estrelinhas, a palha do menino, a samaritana, os pastores e as ovelhinhas, por aí fora, são peças desse puzzle simbólico que tem sido o jogo anual de paciência para gerações, ponto de encontro de famílias e olhares, enfim, suave magia que pacifica o espírito e dá alminha de paz ao corpo mesmo que esse corpo seja o do pior bruto. Entender-se-ia que o papa questionasse o burro e vaca ao pequeno-almoço com dois cardeais, já não se entende que ele não perceba o que um símbolo e faça doutrina. Por mim, vou armar o presépio de sempre com o mesmo burro e a mesma vaca, justificando-se ainda mais, nos dias que correm, que torne mais vivo esse símbolo de conforto anímico.

Andando pelas ruas, vê-se que as pessoas estão tristes e que as ruas estão tristes. Além de não haver o espalhafato autárquico das iluminações com milhões de lâmpadas da China, é raro ver um Pai Natal pendurado das janelas, um paninho onde se leia o bordado de um Feliz Natal, uma lampadazinha portuguesa a dar um tom de mágica exceção à fachada da casa. Ao menos que, num recanto da casa, haja um presépio, haja uma ceia, haja um presente, haja um símbolo sendo verdade que todo o símbolo tem a sua vaca e o seu burro, tenha Sua Santidade santa paciência na sua frieza alemã pois não foge à regra. E já, agora, que p melhor presente do Natal deste ano seja já o Natal do próximo ano com um milagre, o milagre de que isto mude, o milagre de que haja alguém, inspirando confiança, a dizer basta e que retire os falsos burros e as falsas vacas de um presépio onde não têm lugar. Alguém que reponha o símbolo da esperança.

Carlos Albino
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    Flagrante assalto: Ao Estado.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

SMS 491. Pés de guerra

13 dezembro 2012

No fundo, para além da papelada, dos belos objetivos gerais e dos defensáveis objetivos específicos, dos cronogramas e dos anexos que são o principal do filme, quanto à chamada reforma das juntas de freguesia, vira o disco e toca a mesma música. Mais ou menos, fica-se como há uns anos atrás, esquecidos já que estamos do populismo e do eleitoralismo que semeou freguesias, para não se falar da sementeira de concelhos em grande parte falhada mas a que não eram, alheios interesses imobiliários e outros dos promotores, servindo-se de uns tantos ingénuos, de outros tantos distraídos mas também de muita gente de boa fé que, por isso mesmo, não lhe é dado perceber o que está por trás das causas difusas. Nem sempre foram intuitos genuinamente democráticos a basear tais movimentos alinhavados pela exacerbação do localismo. Em todo o caso, a dita reforma, aí está, resumindo e concluindo, com um vasto leque de “uniões de freguesias”.

Em boa parte dos casos, deixando-nos de figuras de estilo, trata-se de anexações e em bastantes tais uniões de freguesias, o poder é nómada, anda com a casa às costas de quatro em quatro anos, rotativamente, ora somos nós, ora são vocês. Portanto, a reforma não parece ser do território, mas do mando ou do comando, como se queira, haja anexações ou o poder local ande como as caravanas dos que falam caló. No intuito de reduzir o número de freguesias, reduzem-se apenas os comandos, criando-se reinados temporários e, não se deseja isso, mas é de prever que a cada eleição corresponde um pé de guerra.

Uma reorganização do território, se é isso que se pretende, deveria começar pela regionalização, com o Estado a transferir o que há muito deveria já ter transferido para os administrados. Mas não, o Estado preferiu manter a sua pesada rede de direções regionais e de delegações ao mesmo tempo que estimulou um municipalismo anti-regionalista e agitou o caleidoscópio colorido das freguesias onde cada presidente, outrora regedor, se foi habituando, tanto quanto possível, à ideia de que era chefe de governo proclamando em muitos casos fronteiras ridículas com placas não menos ridículas, além da promoção das excursões a Fátima e de outros trajetos que sempre dão votos. Naturalmente que o sistema não poderia funcionar sem ser excessivamente oneroso e sem que criar uma ampla teia de burocracias inúteis, repetidas e de jogos de empurra das câmaras para as freguesias e das freguesias para as câmaras, que foram deixando o cidadão comum cada vez mais atónito, descrente e, por defesa, também cada vez menos participativo. A democracia local viveu à custa das obras e do fogo de vista, o que, em abono da verdade, castrou os sentimentos de região, delapidou acervos seculares de identidade e quebrou figurinos de comunidade em que território, cultura e desenvolvimento deveriam ser denominadores comuns e não mantas de retalho com cada um a puxar para o seu lado. E foi assim que se adiou o Algarve com o fomento de algarvezinhos.

Carlos Albino
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    Flagrante estratégia: Em alguns municípios, quem vier a seguir que apague a luz que quem a acendeu já se safou.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

SMS 490. Bibliotecas Públicas em maré vazia

6 dezembro 2012

Vem do centro da Europa aquele velho provérbio que diz que, quando a maré desce, quem está nu dentro do mar mostra as vergonhas. Se este princípio se aplica às economias em geral, nos tempos que passam, tal como o disse há pouco tempo Christine Lagarde, o que não dizer de certos sectores, como a Cultura, as Artes e a Leitura, actividades sempre frágeis, sempre balouçando financeiramente na corda bamba, não pelas más administrações, ou vício de parasitismo, como em geral se diz, mas pela sua própria natureza. Como se sabe, estas são actividades que geram as riquezas motoras fundamentais para o desenvolvimento, mas não se autofinanciam.

A que vem isto a própósito? Vem a propósito de que a imagem da maré vazia, aplicada ao caso particular das Bibliotecas Públicas do Algarve, lembram o que foi feito durante a maré cheia.

Durante a maré cheia, governos centrais e autarquias criaram uma rede de bibliotecas invejável, numa zona completamente desprovida de equipamentos culturais do género. As cidades principais desta região muniram-se de espaços polivalentes extraordinariamente bem concebidos, os arquitectos foram prendados, algum luxo foi mesmo aplicado. Mas aos pilares e escadarias de bom desenho e às boas cadeiras de encosto, candeeiros de tecto que poderiam ser do Siza, não correspondeu a elevação do nível cultural esperado. Esgotado o dinheiro que permitia tapar o sol com a peneira, encomendando serviços externos, pagos e bem pagos, promovendo e até mesmo publicando livros ou cobrindo edições municipais de valor zero, mas impressos em papel sumputário, agora, as Bibliotecas do Algarve ficaram entregues à verdade nua e crua daquilo que são os talentos dos seus bibliotecários. É aí que entra a maré vazia.

Na maré vazia, não vamos de  dedo em riste entrar pela porta das bibliotecas acusá-los, mas apenas manifestar o desgosto, de que terminado o tempo das marés cheias, alguns deles não tenham sequer capacidade para criar uma montra de livros de Natal. É de chorar às lágrimas perceber que as sugestões de leituras para o Natal podem ficar por um amontoado de livros de esoterismo, anjinhos e diabos, espiritismo e profecias, enfeitados com desenhos próprios das "Modas e Bordados".

Triste maré vazia, triste realidade.

Que um outro sino de Natal, do ponto de vista cultural, chegue rápido.

Carlos Albino
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    Flagrante classe política: Para as autárquicas no Algarve, ou há candidatos a mais, ou há candidatos a menos, em alguns casos nenhum.