quinta-feira, 30 de agosto de 2012

SMS 477. Na hora que passa

30 agosto 2012

Devia o Algarve ter, nesta hora que passa, um canal de televisão adequado aos interesses regionais, pelo menos uma estação de rádio de referência obrigatória, jornais que espelhassem a região de forma que tanto o poder como as oposições sentissem e de vez em quando até temessem, e, claro, devia ter também intervenção nas redes sociais e quejandos, que desse vida e debate à política, à cultura, às atividades económicas, por aí fora, e desse conta de uma sociedade que não está dormente. Mas o panorama é como o de uma terra que não pertence a um país nem quer ou nem pode ter voz própria. As televisões, a pública e as privadas, apenas se lembram do Algarve ou por esmola ou por desgraça, e a ideia de um canal regional foi sonho gorado de há muitos anos; as rádios locais que se aguentam são gira-discos; os jornais nacionais que têm o seu mercado, uns só registam o crime e o último desastre na 125 e quanto maior melhor, outros, enfim, lá vão publicando uns faits divers ou notícia tardia de algum clamor; os jornais da terra que de modo geral fazem das tripas coração para se manterem com os senhores do turismo a fazerem-lhe figas, ou se entretêm em cotoveladas desnecessárias e ridículas, são acríticos e fortemente dependentes da produção noticiosa cozinhada lá em cima ou dos press-releases das conveniências de cá em baixo, pois até as agências funerárias anunciam os mortos privativos do negócio por fotocópias coladas nas paredes e, pelos vistos, isentas de taxas como na selva; e quanto às redes sociais também na generalidade a atividade não passa dos namoros sem namorado e da fotografia do umbigo, pelo que algumas coisas sérias e até bem feitas, se perdem no espaço e apenas uma ou duas dúzias as seguem, sem impacto social, portanto. E para mudar este panorama não há milagres nem decretos nem posturas municipais – a coisa tem que partir da terra e só pode partir da terra se houver interesse e empenhamento da sociedade. Sem esse interesse e sem esse empenhamento, batatas.

Na hora que passa, o Algarve devia ter voz própria, uma vozinha que o País sentisse mesmo que ao de leve. Ora, uma voz própria não cai do céu, nem alguma vez ela será possível com cegos, surdos e mudos que tinham a obrigação e condições de ver, de ouvir e de falar. E fico por aqui.

Carlos Albino
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Flagrante património: A Sé de Silves coberta de telha vermelha é o mesmo que um bispo lá celebrar missa de Natal com equipamento de ciclista do Tavira.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

SMS 476. Essa palavra generosidade


23 agosto 2012

Não é falta de tema, nunca houve tanto tema, mas ocorre falar dessa palavra generosidade em política que é coisa tão necessária ter ou dar a entender que se possui, que não há ladrão, corrupto u calculista que se meta na vida pública que não comece por enganar meio mundo tudo fazendo para se mostrar homem generoso, ou, já agora, mulher generosa. Se conseguir a fama da generosidade, o ladrão, o corrupto ou o calculista acertou na tecla e com isso dá o primeiro passo para uma carreira paradoxalmente impoluta. Já o político que nunca tenha roubado nem alguma vez tenha sujado as mãos com tráfico de influências, se não tiver essa fama está desgraçado, mesmo que jure pelas esquinas que foi sempre e será sempre generoso. Ou seja, todos, do ladrão ao impoluto, reconhecem e sabem que em política a generosidade é uma qualidade imprescindível mas a coisa só se complica quando a fama não corresponde aos factos. E complica-se de tal modo que o ladrão que tenha conseguido a fama de generoso a ponto de ninguém acreditar que não o seja mesmo que os factos digam o contrário, esse pode continuar a roubar ou preparar-se para roubar muito mais que cada roubo surgirá aos olhos da opinião pública como ato de generosidade. E isto porque entre o ladrão e o impoluto há uma grande diferença: o ladrão sabe pintar a manta e o impoluto não sabe nem quer saber que a manta tem que ser pintada. Se houvesse espaço para desenvolver esta ideia da generosidade que em política parece ser não sendo nada disso, até poderíamos dizer que o ladrão, na ânsia de granjear a fama de generoso, é em tudo mais coerente que o impoluto. O ladrão é de uma coerência extrema em mostrar-se generoso, dos pormenores ao geral, até porque a sua generosidade não obedece a princípios. Já o impoluto é um incoerente na matéria, acreditando em nome dos princípios que a sua generosidade fala por si, esquecido de que a generosidade nunca fala e se falasse ninguém acreditaria nela. Não há espaço para desenvolver a ideia, mas ainda cabe dizer que a falta de liderança política na região ou em cada partido da região (não confundir chefias com lideranças) tem muito a ver com falta de generosidade dos políticos cuja fama de generosos, se é apenas fama, não os salva. E é este o problema do Algarve. Não há generosidade e quando ela parece que existe, não passa de mera fasquia comum aos que, por cultivada coerência, sabem roubar, e aos que, por inadvertida incoerência, jamais querem roubar e nunca roubaram.

Carlos Albino
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Flagrante pergunta: A de Mendes Bota ao governo, sobre o prolongado encerramento da Pousada de São Brás, encerramento esse que é ais um exemplo de como o turismo no Algarve é tratado com os pés.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

SMS 475. Forças vivas?

16 agosto 2012

Outrora tínhamos as forças vivas que ora apareciam nos momentos solenes ora elevavam a voz quando o interesse geral ou o bem comum para isso as empurravam para não fazerem figura de forças mortas. Tínhamos as forças vivas do Algarve e também as forças vivas de cada terra, forças vivas essas que englobavam não só quem tinha e exercia poder mas também todos os que de algum modo tinham influência e cuja opinião contava. E agora? Nem forças vivas, nem forças mortas. É verdade que elegemos deputados que aproveitam o melhor possível o seu tempo em Lisboa para a chamada carreira política e que de vez em quando lá se lembram da terra também pela chamada fidelidade aos eleitores; é também verdade que temos autarcas agora com mandatos contados e que deixam de o ser quando começam a ter alguma força; é ainda verdade que temos uma nomenclatura de chefes regionais nomeados para isto e para aquilo e que andam ou têm que andar nos carris se é que querem também fazer carreira de funcionários. Fora disto, ficam os bombeiros, os músicos da Orquestra do Algarve, um ou outro carola de rancho folclórico ou mesmo algum artista de fogo de artifício e ainda as agências funerárias que dão as notícias dos mortos por fotocópias coladas nas paredes. A única universidade pública não conseguiu ter voz marcante e esperançosa sobre as grandes questões da região, as poucas escolas privadas de ensino superior vendem o produto o melhor que podem e pelo mundo das escolas secundárias e básicas as exceções confirmam a regra de mundos à margem do mundo quando não interesses corporativos tocados.

É claro que a democracia fez-se para eleger poderes de decisão e de representação mas também para dar mais vida às forças vivas, o que não acontece nem há meio de acontecer porque ninguém quer e caso alguns poucos o tentem ficam paradoxalmente isolados por um clima montado de suspeições partidárias, ficando a participação e mobilização cívica e torno das grandes causas regionais completamente bloqueadas. Portanto, restam as praias e fazer o maior dinheirinho possível em julho, agosto e setembro em que o sol é de facto a força viva mas não tem voz.

Carlos Albino
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Flagrante desdém: Dos governantes responsáveis pela matéria nem uma palavra sobre o 31das portagens na Via do Infante e sobre o pandemónio da 125 que nenhuma “requalificação” pode salvar. Já não apenas desconsideração, é desdém.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

SMS 474. Medo da praça pública

9 agosto 2012

Claro que cada partido organiza festas, grandes ou pequenas, de expressão nacional ou de interesse meramente local, onde, quando e com quem muito bem entender. O certo é que, à maneira das religiões, os grandes partidos também têm, cada um, a sua santa festividade anual e o verão proporciona às mil maravilhas que o padroeiro da circunstância apareça a céu aberto, sendo verdade que foi o PSD a iniciar essa tradição no já longínquo ano de 1976, num pinhal próximo do aeroporto de Faro, local cujo nome – Pontal – haveria de carimbar a festa para todo o sempre, vá ela para onde for. Em 2005, o Pontal foi já na doca de Faro e em 2006 transferiu-se para o Calçadão de Quarteira, continuando Pontal. É um símbolo desse partido e à exceção de Manuela Ferreira Leite ausente em 2009, todos os líderes foram afinando os seus discursos de poder ou de oposição para o almejado Pontal, inspirados pelo impulso inicial de Francisco Sá Carneiro, com a garantia de títulos de primeira página e presenças de rádios e televisões. E foi assim que vimos desfilar bronzeados Pinto Balsemão, Cavaco Silva, Fernando Nogueira, Marcelo Rebelo de Sousa, Luís Filipe Meneses, Marques Mendes e, já em 2010, Pedro Passos Coelho quando ainda prometia muito na oposição sabendo então o mesmo que, no poder, hoje sabe, ou não tivesse dito à época que estava pronto a governar com o FMI. Mas, enfim, foram festas a céu aberto, mesmo sem o pinhal que deu origem e nome.

No próximo dia 14, o Pontal deixa esse céu aberto e muda-se para edifício coberto, o Aquashow de Quarteira, alegadamente por “redução de custos e facilidades logísticas”. A festa deixa portanto a praça pública e entra para ambiente fechado, com lugares marcados, entradas controladas, ar condicionado e tudo debaixo de olho. Como se disse no início cada partido organiza as suas festas onde, quando e com quem muito bem entender, mas um Pontal assim, visto de fora, não deixa de sugerir um clima de “claustrofobia democrática” como diria Paulo Rangel, ou seja, o medo da praça pública, contrariamente ao que o PSD habituou o país desde esse 1976, naquele tal pinhal, onde, segundo se conta, um comunista assumido, presente na festa, se dirigiu a Sá Carneiro com um copo de vinho na mão e lhe disse: “sou comunista e vim aqui porque tenho admiração por si e por isso vou brindar à sua saúde”. E o que fez Sá Carneiro? Tirou o copo da mão do homem e bebeu o resto do vinho… Foi assim que o Pontal se transformou em símbolo e, por este caminho ou por tais “facilidades logísticas”, ainda se transforma em salão de chá, com a política fervida como folhas de tília. Medo? Medo de quê e de quem? Do vinho que resta?

Carlos Albino
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Flagrante animação: O turismo, com a inflação da música pimba e festivais de cantores reles, não vai longe.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

SMS 473. Doutores da mula ruça

2 agosto 2012

Dentro daquela lógica segundo a qual tudo o que não é proibido é lícito, pelo que com toda a esperteza haverá que aproveitar os buracos, as lacunas e os alçapões da lei, algumas universidades e institutos superiores sobretudo privados que nos públicos ainda há um certo pudor mas pudor apenas, cá vai disto, fizeram fornadas de licenciados nisto e naquilo, alguns com o canudo à velocidade da luz pelo expediente das equivalências, outros pelo facilitismo de provas, outros ainda, certamente por genialidade hereditária, porque nasceram ensinados. Quanto ao estudo, nada; quanto à investigação, zero; e quanto ao que mais importa que é o quadro mental que só uma universidade pode e deve dar, uma nulidade. Naturalmente que os ditosos licenciados do pé para a mão ficaram muito felizes no dia da bênção das pastas, ufanos a gabarolas se começaram a autojustificar com novos cartões de visita ostentando o título académico em brilhante relevo, mas a sociedade ficou mais pobre com cada um de tais doutores da mula ruça.

E tinha que dar nisto. Concederam-se alvarás para o ensino superior como se os critérios fossem quase os mesmos para quem abre uma mercearia – não vendem feijões, vendem diplomas. Em alguns dessas escolas entra o pior que o ensino secundário debita e que não tem entrada em mais nenhum lado. Os professores ditos titulares são low cost e assinam de cruz, tudo o mais possível dentro da tal lei cega para o que à evidência é ilícito. E os chefes de tudo isto, no seu conjunto, mais não formam que uma tribo nómada que tal como a maior parte das tribos nómadas, vivem da apanha da alfarroba que não lhes pertence ou da venda de berbigão e amêijoa em época de apanha proibida, com bastantes autarquias, de norte a sul, a curvarem-se respeitosamente perante tal saber e até a canalizarem orçamento apreciável em nome do chamado prestígio local que foi o que esteve na base do erro.

É claro que, com os anos, a falange dos licenciados por equivalências e facilitismo acabaria por formar uma corporação de interesses e é por isso que, sempre que estala algum caso necessariamente badalado, os da corporação ficam mais caladinhos que os ratos, porque, lá no fundo, sabem muito bem que o seu cartão de visitas tem um erro e que a bênção de pastas foi um regabofe. Um enorme erro que é uma afronta para universidades a sério e para quem a sério por elas passou com a consciência de que uma sociedade não vai a lado nenhum com ilícitos, mesmo que os ilícitos sejam paulatinamente esquecidos pela lei, porque se por ela forem estimulados, que a Sicília nos desculpe, mas essa sociedade iria dar no que a Sicília é emblema.

Carlos Albino
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Flagrante bom momento: O da exposição de pintura de Graça Morais, no Convento de Santo António (Loulé).