quinta-feira, 25 de março de 2010

SMS 355. Riram-se


25 março 2010

Quando, há uns meses, aqui se falou da conveniência de se pensar num Plano B para o Algarve, caso a região tenha que enfrentar algum crise profunda seja qual for a causa, alguns riram-se como se isso fosse agoiro, menosprezando a dependência do turismo ou desvalorizando o que isso significa. Depois do que aconteceu na Madeira, felizmente com efeitos relativamente bem controlados, alguns do que se riram, enfim, lá meteram a mão na consciência fazendo cara séria. E há bem pouco tempo, face a sinais de abanão mais ou menos profundo nos fluxos do turismo internacional, quando alguns julgaram dar sossego com a ideia supostamente salvadora do turismo interno como alternativa, muito mais gente que se tinha rido acabou por franzir a testa, sendo evidente que o turismo interno não pode salvar internamente todo o país em que já não há sítio que não espere ser salvo com o turismo interno e, curiosamente, invocando como coroa de glória o não ter repetido “os erros do Algarve”.

Naturalmente que um Plano B ou uma reflexão sobre o que resulte pelo menos em algumas coordenadas de orientação e recurso, não nasce da terra nem cai do céu, não se apanha como o medronho nem pode resultar de decreto. É algo que deve ou tem que resultar da sociedade ou do arsenal sócio-cultural que ela eventualmente possua, pois se não possuir esse arsenal ou se o arsenal não for adequado, também não vale a pena esperar grande coisa ou coisa diferente a não ser continuar-se encostado ao poder central salvador e previdente, mesmo que não tenha capacidade de salvar seja o que for, como se verifica na Grécia que tanto se riu com as suas mil ilhas do mar Egeu, mas onde também se verificou o tal fenómeno de quem delas se aproveitou tão depressa chegou com partiu sem dar contas fosse a quem fosse.

Mas olhando à volta, estamos entregues ao destino e à sorte, com uns empregos políticos pelo meio e uma montanha de considerações honoríficas que tantos e tantos escalam a fazerem representação de figuras públicas conjugando o verbo eu perante o pessoal cá de baixo em silêncio.

Carlos Albino

    Flagrantes 364 dias: Descontado aquele dia de limpar (Algarve incluído) oxalá que não sejam 364 dias a sujar Portugal com os voluntários para isto que toda a gente conhece, bastando poucos para sujarem muito mais do que os muitos que limpam.

quinta-feira, 11 de março de 2010

SMS 354. Título auto-censurado


18 março 2010

Foi uma boa dúzia de títulos para iniciar este apontamento e todos foram sacrificados por auto-censura – ou porque um sugeria desprimor, ou podia outro ser mal interpretados como afronta pessoal, ou pareciam vários ter partido de pessoa desejosa por que a democracia sucumba e venda a alma. E por isso, desta vez, todos os títulos foram cortados exclusivamente por declarado exame prévio e não por pressão do poder. Tudo a propósito do Orçamento ou da forma como o Algarve é considerado no Orçamento, e do comportamento dos deputados que o Algarve elegeu certamente para representarem o Algarve e não para serem delegados automáticos do poder que está ou do que poderá vir. À evidência, este Orçamento desconsidera o Algarve relativamente a todo o resto nacional, numa desproporção injusta, sem equidade e, mais grave, com uma indiferença sobranceira – o que apenas se compreende porque o poder há muito que explora o facto dos algarvios abafarem protestos por mais legítimos que sejam, e, contrariamente à fama secular que ganharam, os algarvios preferirem o silêncio tolerante face ao poder, pondo de lado a tal algaraviada antiga. O poder sabe disto e abusa. E para este abuso há deputados cá do círculo que manifestamente contribuem por atos e por omissões.

Mas muito para além das prontas explicações do deputado Mendes Bota para a sua recusa em votar este Orçamento - o “não” do BE explica-se a si próprio -, havia natural expectativa em que Miguel Freitas explicasse o seu “sim” amalgamado na maioria relativa para a qual altamente contribuiu sem que daí tivesse tirado ilações políticas. E expectativa ainda em que ele explicasse isso do princípio até ao fim, sem artifícios, sem aqueles números apresentados como palavras cruzadas e sem aquela prática corrente que está a corroer a democracia e que consiste no “mostrar serviço” não aos eleitores mas aos da “ordem superior”, expressão de casta que volta a ser usada presencialmente e por ofício. Mas foi isto que acabou por acontecer um tanto inesperadamente, diga-se, a dar prova da fraca ou baixa qualidade do debate político no Algarve. É que Miguel Freitas em vez de explicar e de se explicar sobre a razão pela qual o Hospital Central do Algarve se tem arrastado e foi adiado anos e anos, questiona agora Mendes Bota sobre se Passos Coelho quer suspender o hospital suspenso... É que Miguel Freitas que não questionou quem, com poder, decidiu adiar e protelar o projeto, questiona agora quem nem sequer pode ainda decidir e quem, ao que se sabe, não apresentou a rigor qualquer proposta ou sugestão de adiamento do hospital que é, de resto, um pormenor da região. Pormenor a que Miguel Freitas recorre para não explicar o que importa, pois o que importa é o Orçamento, e já agora o QREN, o PIDACC, enfim, o investimento público efetivo no Algarve, orçamentado ou não orçamentado. E ao recorrer a isso, força-me a censurar o título para este apontamento.

Carlos Albino

    Flagrante calafrio: O da pedofilia que abana a igreja católica na Irlanda e na Alemanha. E não vamos mais longe...

SMS 353. O que fica?


11 março 2010

Pois o que fica de cada Allgarve, aquelas letras que anunciam a entrada na região por terra e ar, sem que haja outra coisa a indicar o nome que a região tem? Há todo o interesse em questionar o que disso fica, o que isso representa ou significa, mesmo que este momento que atravessamos fosse de vacas gordas e o dinheiro desse para tudo pois não dá para quase nada.

Temos tido dança, certa dança. O que fica da dança? Temos tido pintura e escultura, aliás certa pintura e certa escultura. O que fica das exposições? E tem havido música, com certeza. O que fica? Que teatro fica a não ser o que sem Allgarve já existia? E que cinema? E que literatura? Portanto, que práticas culturais ficam, que vivências culturais, que agendas culturais?

O erro que enche o bojo desse programa está precisamente em sugerir que ele inunda o Algarve de cultura e recreio, levando a crer que tudo o que, quanto a cultura, o Algarve carece, não excede a animação turística, provoque tal animação ou não recreio. E como o dinheiro não dá para tudo, a cultura fica por aí, acrescentando-se, quando muito, o que alguns municípios fazem por si próprios ou podem fazer por si próprios, fora da grandeza aparentemente esmagadora do programa Allgarve.

É pois um erro de política, o erro que o programa arrasta, ao afastar qualquer ideia ou propósito de estratégia cultural no Algarve e para o Algarve pensado como um todo, estratégia essa que galvanize, potencie e sobretudo qualifique as iniciativas locais e que tantas vezes, sem a existência de tal estratégia, são degoladas pelo carrasco do provincianismo e do localismo.

Nisto, e na falta de desconcentração coerente, para já não se falar de uma descentralização com pés para andar e braços para mexer, o ministério da Cultura tem-se demitido das suas funções no Algarve e, pior do que isso, logo desde início deixou-se ultrapassar precisamente pelo ministério que tutela o programa de animação, não se podendo exigir ao ministério da Economia que faça o que o da Cultura não faz, ou porque não pode, ou porque não quer, ou porque não lhe interessa. E aqui é que bate o ponto: o erro não está tanto no programa que o ministério da animação turística movimenta com mais l ou menos l, mas sobretudo na ausência de estratégia do ministério da Cultura para a região, sendo essa a prova de que não está desconcentrado, muito menos descentralizado, porque se assim estivesse, poder-se-ia discordar da estratégia, mas tinha estratégia. O que o ministério da Cultura tem por aqui, e que propõe ao lado do tal programa do ministério da Economia, é uma tática – a tática de distribuição dos subsídios possíveis, e que tal como o orçamento está, tal tática será sempre vista como um mal distribuído pelas aldeias.

Carlos Albino

    Flagrante sugestão: À falta de perguntas para um exame de consciência dos deputados eleitos, sugere-se esta: “Eu fui eleito por aquilo que eu sou e valho, ou fui eleito porque o partido me fez eleger independentemente do que eu sou e valho?”. Garante-se que as respostas ficarão em segredo de justiça.

quinta-feira, 4 de março de 2010

SMS 352. Falemos então do “Allgarve”


4 março 2010

Já tinha prometido a mim próprio não voltar a escrever uma linha pública sobre o programa lançado por Manuel Pinho. Primeiro, porque já disse o suficiente sobre a designação do programa e sobre a relação direta e útil que o programa possa ter na cultura, melhor, na política cultural e nas práticas ou vivências culturais dos que passam pelo Algarve e sobretudo dos que vivem no Algarve como lugar do mundo que escolheram ou a que estão amarrados por destino reconfortante ou não. Segundo, porque já desafiei bastante os decisores para que digam de uma vez por todas o que entendem por cultura já que de forma quase majestática outorgam cultura, portanto sem aceitarem discussão, debate e diálogo e, pior, sem darem contas dos resultados além das contas de quem ganha com isso. Terceiro, porque não tenho paciência para dissertar sobre fogos de artifício. Mas quebro a promessa e voltarei a falar do “Allgarve” uma vez porque, segundo foi anunciado, o programa foi ampliado ou reforçado, certamente em função dos resultados e das contas.

Mas ao voltar a falar do “Allgarve” não posso evitar referir alguns pressupostos, sendo importante que fiquem em letra de forma. Primeiro, nada tenho contra criadores, artistas e animadores que o programa movimenta e paga para pôr em cartaz – fazem o seu papel, alguns neste passado recente até o fizeram bem e não são culpados dos critérios seletivos. Segundo, nada tenho contra museus, fundações e demais instituições culturalmente beneméritas que desenterram material das caves – fazem bem desenterrar e oxalá que tenham lucrado, com transparência, alguma coisa com isso. Terceiro, nada tenho contra os responsáveis colocados no terreno, sejam eles comissários, antenas municipais e entusiastas por dever de ofício – não está em causa a sua competência, muito menos a sua devoção pela cultura. Quarto, nada tenho contra os municípios que acriticamente aderiram e continuam a aderir ao programa, vendo nele um supletivo ou mesmo o indeclinável preenchimento de lacunas “culturais” que as gestões camarárias por si sós não conseguiriam no quadro do que se convencionou designar por “animação” mesmo que se admita que a animação seja pouca e de cultura pouco mais tenha do que a sensação de efémeros eventos como outrora nas missas em latim – tudo muito bonito mas a generalidade não entende. E quanto a pressupostos, estão todos – o programa “Allgarve” não faz adversários, muito menos inimigos, mas é algo que, pelo impacto, propaganda de sobrevivência e conveniência mecenática, é passível de debate no que o programa tem a ver com o patamar da decisão política, designadamente da política cultural para uma região que se chama Algarve

Então o que está em causa? Manuel Pinho já se pirou como ministro, e como ministro furtou-se ao debate no tempo devido com quem devia (foi uma espécie de Lurdes Rodrigues da animação turística desfocada da cultura, suportado por acólitos – e é pena porque ele tinha e tem qualidades - , mas o que está em causa permanece atual, melhor, fica atualizado com a decisão política de ampliar e estender o programa, o que não um mal em si, mas atualiza a premência de indagar o que este governo sem Pinho entende por cultura e como recorta a animação turística do que se pode e deve entender por Cultura, pois a outorga governamental se esgota no conceito de animação e parece não se comover com uma adiada estratégia regional de cultura, séria e galvanizadora.

Não se pode dizer tudo de uma vez porque os pressupostos tinham que ser postos em letra de forma. Na próxima semana vai mais uma pitada.

Carlos Albino

    Flagrante insistência: Há uns quantos cargos públicos no Algarve (que até não são muitos) que devem ser confiados apenas a Algarvios. Como outrora se ouvia na praia do Monte Gordo, Oh mé m’nino rico, você sabe nadar ou quer q’eu o aprenda?