quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

SMS 343. Coisas simples, muito simples


31 dezembro 2009

Sobre o que vou escrever, importa fazer já uma ressalva: nos outros lados também é assim mas no Algarve as coisas são piores que em muitos outros lados e não há que ter pruridos em dizer-se isto em letra de forma. Refiro-me a coisas simples, muito simples mas que dão o tom a uma sociedade e a harmonia ao convívio humano em qualquer lugar do mundo. E neste ano novo de 2010, já entradotes no século XXI, essas coisas simples dão ao Algarve e amarram os algarvios a um atraso de 200 anos se não mais, porque o escarrar e cuspir na rua ou comer de boca aberta, por exemplo, já eram coisas que até a Eva proibia a Adão.

Comecemos pelas ruas, até as requalificadas, como se diz e habitualmente se anuncia em enormes cartazes pelos quais “se mostra obra”. Passados poucos meses dessa requalificação, os passeios são ocupadas pelos carros de quem não se quer dar ao incómodo de andar cinquenta metros, as calçadas estão cheias de manchas de óleo à mistura com os dejectos de cães de trela, e à volta dos contentores de lixo, por sinal vazios, são monturos e monturos de desperdícios de quem não se quer dar ao trabalho de abrir a tampa. É claro que, quem assim procede, achará normal cuspir no chão, comer de boca aberta, dispensar-se de cortesia na condução, e quanto a cumprimentar gente humana, isso esgota-se no primo-irmão porque o vizinho do lado já é bicho desconhecido. E a cobrir estes procedimentos, paradoxalmente, uma cultura de luxo saloio e de exibição parola que leva essa gente a olhar de alto a baixo para quem com ela se cruza a medir os sinais de fortuna ou de poder a começar pelo cabedal dos sapatos e a acabar na marca dos óculos e só depois deste exame é que há a decisão de uma vénia de cumprimento ou não, de um tratamento de esquadra ou de missa da sé. Não me vou alongar porque bastam uns exemplos para um apelo à reflexão.

É claro que as autarquias e as escolas têm responsabilidade na matéria, mas sobretudo as câmaras e as juntas. Fazem, sim senhor, obra para mostrar mas não se nota qualquer campanha pública, insistente e instrutiva, no sentido da promoção do civismo, da civilidade e dos valores da convivialidade. Tais campanhas que no Algarve são de uma necessidade urgente, até nem pesariam muito no orçamento mas suspeito que não se façam no receio de ferir a sensibilidade dos eleitores, como se fazer tudo para que o Algarve não seja cópia fiel do tal filme “Feios, Porcos e Maus”, não fosse uma boa causa, uma causa premente, e como se fazer tudo para que o Algarve não seja um filme do pior que se atribui à Sicília por vezes até injustamente.

Nessas coisas simples, há que optar pela prevenção calculada, pela educação pública e pela persuasão com sageza – a civilidade está doente no Algarve e tal doença não se trata e cura com repressão. Mas, oh senhores presidentes de câmara, tenham a coragem de agir e pensar de vez em quando no bem comum porque não duvido que pensem no interesse geral. E não me venham com a desculpa de que não são moralistas, pois civilidade não é moralidade – esta é pequena parte daquela.

Carlos Albino

    Flagrante arrepio: Aquele que o encerramento da Fábrica do Inglês e do Museu da Cortiça certamente causa. Em função desse animador televisivo de recurso, digamos que é o Preço Certo… A cultura popular que é contra o povo, paga-se sem se dar conta.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

SMS 342. O desafio é não esmorecer

24 dezembro 2009

Para os romanos, Janus era o deus das portas do céu, das mudanças, tinha a capacidade de ver simultaneamente o passado e o futuro e as suas duas cabeças representavam os inícios e os fins. Passados estes séculos todos, o seu nome ficou diluído ou dissimulado no nome do mês de Janeiro, marcando-nos indelevelmente com a tradição de, a cada final de ano e início de outro, fazermos o balanço do que sucedeu nos últimos doze meses e do que podemos esperar (e desejar) para os próximos doze.

Claro que não será necessária a ajuda de Janus para avaliarmos que 2009 foi um ano excepcionalmente mau para Portugal, especialmente na frente económica, em que a instabilidade financeira e o abrandamento da prosperidade mundial contribuíram para o temor de quase se bater nos fundos. Mas também execepcionalmente mau na frente educativa. E nisso, tal como Janus, o Algarve teve duas cabeças: uma, por sinal a que tem voz e poder, sentiu alguma coisa mas não foi muito, a outra, a dos quase sem voz e espectadores do poder, sentiu fortemente e de que maneira. Mas independentemente de uns terem sentido muito e outros pouco, dificilmente alguém discordará de que a moralidade pública, que é uma frente que não depende da frente económica mas de cada um, seja este rico e com a crise tenha ficado mais rico, seja ele pobre e pela mesma crise tenha ficado mais pobre. A moralidade pública, nesta transição de 2009 eleitoral para 2010 de eleitos, é para todos uma questão essencial.

Passada a festa e desarmada a igreja, assistimos em 2009 – mais uma vez, no que nos interessa e que é o Algarve – a lamentáveis demonstrações de desprezo que alguns dos concorreram a representantes da população da região, e outros a quem cabe a administração da justiça ou a defesa dos interesses públicos locais, têm pelo decoro, pelas próprias normas de conduta e pela opinião pública, a qual por vezes até negam porque gostariam de que existissem apenas as suas opiniões pessoais sabendo que a opinião pública do Algarve corre à boca calada. Na verdade, o Algarve tem fala ou algumas falas, mas ainda não tem voz.

Já prescrevia Montesquieu, no longínquo século XVIII, que “não se constrói uma sociedade baseada nas virtudes dos homens, e sim na solidez das instituições”. O estimado leitor para quem meia palavra basta, já percebeu o que pretendo dizer: é que sem regionalização, o Algarve não tem instituição sólida, terá a manta de retalhos que sempre teve. E se neste final de 2009 há sinais encorajadores de que 2010 poderá representar um avanço nessa frente fundamental, que Janus nos ajude e abra a porta…

Carlos Albino

    Flagrante prenda: Nunca é demais oferecer aos deputados eleitos pelo Algarve e aos 16 autarcas da terra, uma mão na consciência - coisa que não está à venda mas é bom que se tenha.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

SMS 341. E quanto custa uma não-região?

17 dezembro 2009

Três notas a propósito da regionalização:

1 – Foi um lapso, disse o primeiro-ministro em resposta ao deputado José Mendes Bota por este ter notado que o programa do governo garantia o compromisso com a regionalização “no quadro da próxima legislatura”. Uma vez que a liderança do PSD, pelo menos até agora, até ao presente, não se tem revelado entusiasta, muito menos zelosa por esse objectivo de qualquer democracia madura e estabilizada, o lapso até poderia vingar como regra e fugir para verdade de conveniência. Ora, o primeiro-ministro assumiu esse compromisso para a “presente legislatura”, aguardemos. E aguardemos sobretudo por decisões que preparem a região, dando relevo aos da região, facultando-lhes preparo, ou experiência e prova, para cargos e funções da região e para a região. Algumas mordomias não vão nesse sentido, mas admitamos que também tenham sido lapsos…

2 – A coisa não ficou por aqui. O líder da bancada parlamentar do PS, Francisco Assis, haveria de reiterar o compromisso correctivo do lapso, mas com uma reserva ou salvaguarda de “um caminho a percorrer”. Afirmou Francisco Assis que “esse caminho passa por um debate muito concentrado na avaliação das questões concretas. Quanto custa? Para que serve? De que forma se vão articular com os outros poderes já existentes em Portugal?” É claro que o debate já está genericamente feito, pelo menos no Algarve e não se vê como é que a potencial região algarvia possa ou deva ser penalizada por problemas de outras regiões ou mesmo por divergências entre outras potenciais regiões (sobretudo as de território) mas que também não carecerão de debate mas de acerto ou concertação. Já quanto Às perguntas, Francisco Assis fê-las ao contrário. Em vez de levantar a lebre de quanto custa uma região, deveria ter incentivado a questionar-se quanto custa uma não-região; em vez de ter feito mira no para que serve, deveria ter feito pontaria no que para que serve o centralismo e o controlo exacerbado da administração pública, controlo esse que é tão perverso e pérfido como regionalismo exacerbado que também há; e em vez desse tiro aos pratos da articulação das competências ou poderes regionais com “os outros poderes”, deveria sim formular o problema de como é que “os outros poderes” poderão abdicar de uma cultura política segundo a qual o poder é um dever, um dever é um comando e um comando só faz sentido no centralismo e com o centralismo…

3 – E Miguel Freitas nisto? Bem! João Soares é o n.º 1 eleito pela região mas tem andado pela OSCE, não é líder do partido e bem poderia dizer que toda a gente acreditaria que não é nem lhe compete ser o D. Sebastião do Algarve. Aparentemente Miguel Freitas no parlamento tem-se remetido ao silêncio, e no terreno, onde lidera, nem tirou as convenientes lições dos resultados eleitorais, nem há meio de sair de justificações que não ultrapassam o óbvio e a evidência, ou a prestação de serviço de meras justificações de cordialidade. O que em política é pouco, e em liderança muito pouco.

Carlos Albino

    Flagrante dúvida: O deputado eleito do CDS pelo Algarve, em declaração publicada, manifestou-se contra a regionalização reduzindo-a a mero expediente para a criação “de tachos”. Ou foi um desabafo, ou grave confusão entre política de brincadeira e culinária de populismo a brincar. É a dúvida. Seria bom que esclarecesse.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

SMS 340. Clima político inquinado


10 Dezembro 2009

A política nacional é uma coisa, a regional (a algarvia, naturalmente, é a que aqui nos interessa) é outra, embora ela faça parte do puzzle – todos compreendemos isso. Ora, a política algarvia vive essencialmente do que os deputados eleitos pelo círculo fazem e dizem, do que os autarcas (do de menor expressão ao de maior impacto) prometem, decidem e planeiam, do que os dirigentes regionais dos partidos em especial os líderes  (com mais incidência nos dos partidos com assento parlamentar) proclamam, anunciam e justificam. Depois, só muito depois, conta a legião de administradores regionais, de directores regionais de áreas governamentais e de delegados de ministérios, os quais não podem nem devem exceder os limites das suas competências e atribuições, e que além disso,  porque a autonomia é administrativa, embora possam, não devem falar de motu proprio à revelia da tutela ou em nome de políticas divergentes caso assim queiram, demitem-se ou, na lógica, são exonerados por quebra de confiança política. Ninguém os recrimina por esse papel de correia de transmissão, fazem o seu papel e assim cumprem a sua missão, pois, como também todos querem que a cumpram bem sem que o sapateiro vá além da sola, também ninguém aceitará prepotências, autoritarismos e excessos de poder como por vezes tem acontecido ou ido além das marcas - são nomeados e não eleitos, e embora usufruam e exerçam a corrente do poder central eleito, não estão sufragados directamente como os deputados estão pelo círculo e os líderes partidários dentro dos respectivos partidos. Ppor entre esta legião de nomeados está obviamente a figura que ocupa o governador civil, a qual delega, por natureza, o ministério da Administração Interna que é quem a nomeia, além de uma função de representação do governo e de informação para o governo, representação essa emblemática ou simbólica e que, num contexto de não-regionalização se aceita, mas que não é mais do isso, a não ser que, por exorbitante exercício de populismo por vezes também se faça crer ou leve a crer que é mais do que isso. Neste quadro, os administradores administram, os directores dirigem e os delegados delegam. Quem o façam bem e que conciliem a cordialidade com a transparência - é o que se lhes exige e, por certo, é também o que governo quer. Pelo contrário, também inquinam o clima político da região que, não vale a pena dissimular, está inquinado.

E o clima político algarvio está inquinado porque, primeiro, já se adivinhavam logo em Junho/Julho as consequências do facto dos principais partidos terem imposto, para o parlamento nas eleições de Outubro, listas desconformes com gente sem relação directa e útil com a potencial região, sobretudo para os lugares elegíveis. E como, numa democracia, o que à cabeça conta é o poder (os partidos não são associações de benemerência - visam a conquista do poder para o exercer) o foco de inquinação é obviamente mais notado no partido que legitimamente, no plano nacional, conquistou esse poder, e, secundariamente, no se lhe opõe mais directa e concorrencialmente. Fala-se do PS à cabeça, e do PSD, está claro.

É por isto que não se entende esse bordão do líder regional do PS, Miguel Freitas, usado repetidamente para justificar decisões ao arrepio da ética política (no que toca ao parlamento) mas também das lições que deveriam ser tiradas do exercício de cargos por parte de nomeados. Seja qual for a mudança - para cima, para o lado ou para o biombo - qualquer mudança, conforme se apressa Miguel Freitas a explicar ao povo, foi “no interesse dos algarvios” e para “o bem da região” num apostura acrítica que confrange. Mas que interesse? Que bem? Que fundamentação política? Um algarvio que o seja, ou nisso se tenha tornado e seja aceite, não fala assim perante as evidências que não se descrevem para não haver sequer cheiro de ataque ou questão pessoal, tratando-se questões essencialmente políticas e que inquinam o clima político.

Carlos Albino

    Flagrante diferença: Entre Isilda Gomes antes de se demitir do governo civil para se candidatar ao parlamento e Isilda Gomes depois de uns dias de deputada eleita abandonar S. Bento para voltar ao governo civil. Diferença política, claro está. Não tem nada de pessoal.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

SMS 339. A palavra coração está gasta, mas vale a pena


Quanto a Ruas da Solidariedade, temos que recorrer ao estrangeiro - no Algarve ainda não uma única rua com tal nome, embora travessas de intenções haja muitas...

Vem isto a propósito da campanha pública para a construção,
em terreno cedido pela Câmara Municipal de Tavira,
do Centro Regional de Cuidados Continuados, projecto
da Associação Humanitária de Doentes de Parkinson e Alzheimer.


3 Dezembro 2009

Então, um parênteses na atenção para estancar a baixa política, com atenção para o que consideramos pureza de política. Pois é verdade: o estado não é apenas feito de subsídios para o sector (nunca faltarão sectores…), de verbas orçamentadas, de dotações para apoio de (de e para, com e sob), e de investimentos prioritários (toda a prioridade tem dois sentidos). Há uma componente do estado que se chama Solidariedade e que não depende de magistério presidencial, de decreto de governos, de lei do parlamento ou de sentença de tribunal – depende exclusivamente dos cidadãos, da sua vontade colectiva (espontânea ou organizada), depende, enfim, do fundo dos corações que obviamente não se vêem quando se vê a cara de quem dá. E não vamos ensinar o padre-nosso ao cura, dizendo que a caridade (da ajuda sem conhecimento do beneficiado à esmola directa) é um fiozinho longínquo e um sinal remoto da Solidariedade a que nos referimos. A Solidariedade é vasta como um oceano, tem ondas que vão parar às praias de quem precisa e quem precisa ou pode vir a precisar pode até ser ou vir a ser quem de facto é solidário. Já a caridade é quando muito uma ribeira que só leva água quando chove ou se chove. É claro que muita caridade e muita esmola não passa de exercício compensado por salário de prestígio social, ou, na parte restante, de exibição de poder ou poderio de quem dá sobre quem recebe ficando às extensas – coisa de que as “revistas sociais”, algumas até contra a sociedade, dão público e confrangedor testemunho promovendo a beneméritos alguns que de solidários não têm nada. A caridade (e então a caridade para o estado que é tantas vezes pedinte!) visa a que se veja a cara que se vê; a Solidariedade parte do coração que não se vê.

Ora a essa campanha da Associação Humanitária de Doentes de Parkinson e Alzheimer, eu adiro de alma e coração, e apelo aos meus leitores (nem que sejam sete ou nove) a que adiram com alma algarvia e com coração algarvio. Primeiro que tudo, porque o Algarve pode muito bem tardar em ser Região Administrativa por laxismo governamental, jogo parlamentar ou serviço circunstancial de pára-quedistas, mas não pode nem deve adiar-se como Região Solidária. A nossa identidade também passa por aí onde estão os nossos corações e almas, aliás, é isso.

Por isso, peço ao director do Jornal do Algarve que publique regularmente um anúncio gratuito para que os algarvios solidários saibam a quem e como se dirigir para darem um tijolo que seja para a construção dessa Região Especial que vale a pena e não depende de decretos – basta vir dos corações que sentem, prescindindo-se de mostrar as caras. Serei atendido? Julgo que sim. Basta pronunciar Parkinson e Alzheimer para se perceber que essa região de solidariedade é urgente e necessária.

Carlos Albino

    Flagrante acórdão: Aquele que determina que um presidente de junta de freguesia a tempo inteiro não pode ser assessor ou adjunto de presidente de câmara. E parecer contra isto, batatas. Uma democracia local não pode nem deve ser a casa da Joana.