quinta-feira, 31 de agosto de 2006

SMS 173. A política está sem fôlego

31 Agosto 2006

Embora os políticos algarvios que por aí foram surgindo não tenham tido grande golpe de asa, o certo é que de vez em quando tinham ou simulavam ter fôlego, gritando como se exige a bons funcionários de partido. Agora nem isso, pois vociferar dois ou três pensamentos profundos retirados de algum livro que ninguém descobre ou supostamente conhecerá, não é o mesmo que gritar. Os nossos deputados, sobretudo os líderes partidários regionais que apenas chefiam, lá vão aguentando cada um o seu barco muito pianinho, os presidentes das câmaras à cautela não levantam muitas ondas e até os das juntas de freguesia, sobretudo ex-electricistas falhados e ex-mecânicos de oficinas falidas, já imitam aquele antigo Presidente da República que sabia como ninguém que no calar é que está o ganho. Toda esta gente em que a democracia faz acreditar, fogem como o gato da água a falar do Desenvolvimento, da Educação, da Cultura, da Segurança, da Saúde, da Administração Pública (estatal e autárquica), da Imigração, fugindo sobretudo a falar da Política para o que preciso ter preparação, quadro mental e, obviamente, o fôlego que advém da autoridade moral, do prestígio ético e da sabedoria política. E nessa arte da fuga, grudam nos discursos altíssimas preocupações com o corriqueiro, com o sericoté, com a trivialidade e com a conjugação do tal verbo Eu – eu Eu, eu Tu, eu Ele eu Nós... Dizia Lautréamont que todo o figo come o seu burro.

Carlos Albino
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Flagrante contraste: A grossa e porca poluição nas praias de Vale de Lobo e a atribuição de «responsabilidades» às límpidas águas das chuvas quando copiosamente vão pela Ribeira de Carcavai a qual, pelos vistos, terá um r a mais.

quinta-feira, 24 de agosto de 2006

SMS 172. Isto não augura nada de bom

24 Agosto 2006

O ambiente não é deveras famoso: o incumprimento sistemático da lei por alguns que julgam ter o rei na barriga, pois em terra de cegos o zarolho é rei; a onda de falta de civismo que varre a sociedade de alto a baixo, sendo até já de mau tom invocar essa horrível palavra do civismo porque da civilidade nem se fala; o egocentrismo impante que se tornou regra nas relações humanas; o desvirtuamento da política ou a transformação da política praticamente na correria aos bons empregos ou na luta por um emprego político melhor, com a secundarização do interesse geral e do bem-comum numa só cajadada; o horror paulatinamente consolidado ao escrutínio dos cargos públicos, sendo até já de mau tom questionar comportamentos espúrios ou pôr em causa decisões, mesmo as que, à evidência, denotam total falta de ética – o que é isso, a ética?; o que se sabe do funcionamento por dentro das câmaras e de alguns serviços do Estado, mas que ninguém ousa ou quer revelar tim-tim por tim-tim por receio fundado de represálias ou porque já fez a outros o mesmo, ou ainda pior; os campeões supostamente endinheirados que vêm de fora e no Algarve se instalam com muletas escondidas, concitando o respeito geral expondo como boa a lei da selva; a cultura popular que por aí há e bem financiada, mas que é contra o povo, recoberta já daquela erudição das papas e bolos com que se enganam os tolos; por aí fora... Isto não augura nada de bom, não digo o naufrágio, mas qualquer coisa próxima do pior da Sicília. Oxalá me engane.

Carlos Albino
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Flagrante contraste: a Região Metropolitana ainda à espera do hino e da letra posta a concurso público por Macário, e a tanta música que se dá no Algarve e aos Algarvios

quinta-feira, 17 de agosto de 2006

SMS 171. Dois casos de polícia

17 Agosto

Primeiro caso: o espavento dos cassetetes. É hábito antigo – vou àquela estação de serviço comprar jornais, encher o depósito do carro, trocar as bilhas de gás e, como é ponto de encontro de quem vai ou vem, há sempre dois dedos de conversa num encontro inesperado de Agosto. É verdade que, por esta época, a discoteca em frente, onde o fim da madrugada equivale à manhã alta do comum dos mortais, despeja o inacreditável para as bermas do cruzamento daí lavando as mãos ou pensando que lava as mãos. É igualmente verdade que a autoridade policial também há muito sabe que o desacato é, naquelas bandas, uma rotina diária, pelo que a mais elementar das regras da ordem pública sugeriria, para ali, uma prevenção constante em vez da repressão à última hora. Mas não – ao espectáculo da visível degradação humana estampada nos rostos dos que saem da discoteca, volta e meia soma-se o espectáculo da degradação da segurança, o espavento circense de suposta força a dissimular a fraqueza do sistema de prevenção que, desde logo, deveria atacar as causas pela raiz como em todo o mundo civilizado onde há discotecas desta espécie e produtos deste género, se faz. Esta semana presenciei o simultâneo desses dois espectáculos degradantes, cada um vivendo do outro. Uns cinco ou seis rapazes filhos da noite, perante larga assistência de primos-irmãos da mesma confusão entre madrugadas e manhãs, embalados pelo produto interno bruto da sua longa madrugada, tentaram fazer o que todas as manhãs fazem – uma detestável prova de vida através do desacato e da provocação. Perante isto, desceram-se as grades de ferro da estação de serviço, a porta encerrou-se transformando aquilo numa jaula, alertou-se a autoridade, chega um carro patrulha, chega outro em sentido contrário, mais outro em contra-mão com brusca travagem e ligando a sirene para afastar quem estava no bom sentido, outro ainda mais e por fim um jeep certamente preparado para transportar delinquentes. E eis como um bom número de agentes empertigados de bastões no ar perante meia-dúzia de rapazolas cuja heroicidade precária se esgota em enfrentar a autoridade fardada – porque, na ausência de prevenção, é isso o que apenas querem, julgando-se nivelar – transformam amiúde aquele pacífico e afável ponto de encontro numa faixa de Gaza.

Segundo caso: Valentina Calixto. Em nome do chamado Plano de Ordenamento da Orla Costeira, expirado um prazo de dez dias no dia 7, marcou-se para fosse executada à noite, ou pela calada da noite, a demolição de quatro apoios de praia em Quarteira. Para já, não se percebe porque é que o Estado, pessoa de bem e que não tem propriamente alma de vagabundo, tenha que executar essa boa acção pela calada da noite e não à luz do dia. Depois, muito menos se percebe que a vice-presidente da CCDR, Valentina Calixto, perante o fracasso dessa operação secreta, tenha comentado que «a acção revelou-se mais complicada do que se esperava» porquanto, disse ainda, «o empreiteiro não deu garantias de desenvolver o trabalho durante a noite»... Esta obsessão de executar demolições legais à noite e com os directamente implicados a dormir, é que choca – não é humano e só pode partir de quem tem do ambiente uma daquelas noções que mais contribuem para o aquecimento global . E choca porque a lei é lei, e sendo lei, é legível durante o dia mas torna-se ilegível quando tenha que ser executada apenas pela calada da noite por um empreiteiro que «dê garantias» de apenas fazer «o trabalho» como polícia nocturno. E mais ilegível se torna quando as próprias autoridades marítimas tomaram posições para essa guerra esconsa, sabendo-se afinal que a Capitania de que dependem, emitiu e cobrou licenças válidas até 30 de Setembro, pelo menos para um dos apoios na mira. Mas, deixando a Capitania com as suas licenças, suponhamos que uma dúzia, duas dúzias de chalés, sobretudo os que, a partir de apoios semelhantes aos de praia ou pouco mais do que isso, se ergueram na Ria Formosa, que não cumprem o POOC ou que um POCC a sério deveria tornar ilegais, um dia destes são demolidos pela calada da noite por um empreiteiro que «dê garantias de desenvolver o trabalho». Claro que chocará «um trabalho» desses durante a noite ou que apenas tenha que ser feito à noite, e, como diria Valentina Calixto numa ironia ao ambiente, «a acção revelar-se-á mais complicada do que se esperava». Fiquemos por aqui.

Carlos Albino
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Flagrante contraste: o barulho de José Vitorino e o silêncio de José Apolinário.

quinta-feira, 10 de agosto de 2006

SMS 170. A doença infantil das auditorias

10 Agosto

Bem nos recordamos de como antes de cada ciclo de eleições locais e quem quer ganhar anuncia, exige e promete sob honra auditorias às contas municipais. O anúncio é feito de forma a sugerir graves prevaricações, a exigência é descrita com argumentação vaga cuja explicitação é remetida para momento oportuno e a promessa é, com alguma sabedoria, transformada em prato forte da captação dos votos daqueles que são sensíveis à moralidade nas coisas públicas. A auditoria é assim tratada como que poção mágica para sufrágios renhidos, a tal ponto que quem está no poder, iluminado pelo velho princípio do quem não deve não teme, já se vê na obrigação de anunciar auditorias à sua própria gestão, antes que o adversário que lhe ambiciona a cadeira tome a iniciativa em primeiro lugar.

Se por acaso uma oposição passa ao poder, a primeira conferência de imprensa festiva e o primeiro comunicado são dedicados à reclamadíssima auditoria, mas, depois, passam os meses, largos meses, meses mais do que suficientes para pôr o preto no branco e o assunto é deixado cair – e então como o Verão Algarvio facilita os esquecimentos! E se também por acaso quem estava no poder não o perdeu, a tal auto-auditoria igualmente vai caindo no conveniente esquecimento, pois quem perdeu, por tradição que não deixa de ser esquisita, bate com a porta, vai à vida e declara-se desiludido com a política. Mas o que é mais espantoso é que na hipótese de ter havido auditoria mesmo e a sério, a investigação de contas, decisões e procedimentos não tenha afinal revelado qualquer resultado escandaloso, ilícito de monta ou crime manifesto como as suspeitas sugeridas ou as invocadas honras pessoais iniciais – conforme os casos - levavam a presumir.

Ora, assim, a política não é jogo limpo.

Carlos Albino

quinta-feira, 3 de agosto de 2006

SMS 169. Estratégias é que não faltam

3 Agosto 2006

Aí temos em discussão pública a proposta para um Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve cuja sigla (PROTAL) a maior parte conhece mais do que o conteúdo, sabendo a maior parte também que, independentemente dos resultados, a totalidade do desordenamento consumado fica legitimada. De qualquer forma, talvez para descargo de consciência dos poderes públicos que tentaram a concertação possível para não se estragar mais o que já está definitivamente estragado ficando, no caso, prejudicados os que a tempo não beneficiaram do regabofe, de 14 de Agosto até final de Novembro aí temos a bendita discussão pública no âmbito da qual, todos e cada um tem a oportunidade de julgar ou até de se autoconvencer que vai salvar o mundo. Depois disto, a proposta, que é uma larva, metamorfosear-se-á no plano propriamente dito, o insecto que, aprovado em Conselho de Ministros, ficará apto a pôr de novo ovos dando origem ás futuras e previsíveis larvas em terrenos propícios para a continuação da espécie – o terreno da estrutura regional de valorização e protecção ambiental, o terreno das regras de concretização dos investimentos estruturantes e o terreno da protecção do litoral, para enumerar os terrenos principais de que larvas e insectos tanto gostam.

É claro que este PROTAL não é uma estratégia do Algarve, é apenas uma táctica de Máximo Divisor Comum entre as muitas estratégias que há no Algarve, algumas contraditórias entre si – estratégias da imobiliária, estratégias da hotelaria, estratégias dos ecologistas (que no Algarve aparecem sempre em casamentos do monte), estratégias dos autarcas (alguns dos quais surgem tão rapidamente no poder como águias reais como rapidamente passam a linces na oposição), e, claro, na lista de muitas mais estratégias não faltam as estratégias dos xicos-espertos tanto os que conservam todo o dinheiro junto do coração como aqueles que, directamente ou por interpostas pessoas e empresas, jogam com o dinheiro inimaginável que manobram em paraísos fiscais. Portanto, estratégias há muitas e se o PROTAL multiplicar por setenta a burocracia que já existe - como tudo leva a crer que vai acontecer -, vão ver como a impunidade reinará, sem apelo nem agravo. Não vendam tácticas por estratégias.

Carlos Albino