quinta-feira, 29 de dezembro de 2005

SMS 138. Casa do Algarve

29 Dezembro 2005

Parecendo que cai mas não cai, com o peso do passado mas, a bem da verdade, reflexo apenas do peso que o Algarve tem, aí temos a Casa do Algarve que a democracia em nada facilitou porque os democratas, os nossos democratas algarvios foram ao longo dos anos pensando apenas nas suas carreiras pessoais e nas suas ganhunças com a política entre um lugarzitro em S. Bento, uma chance rara nalguma secretaria de Estado menor e, para desenjoar, uns quanto mensalões em Estrasburgo que até dão para pagar papalvos. Apesar disto, a Casa do Algarve continua de pé, já resistiu ao pior e, com nova sede a ser erguida de raiz partir de 2007, prepara-se para o sétimo fôlego da sua vida e para reassumir o papel de agente facilitador do Algarve e dos Algarvios junto do poder em Lisboa e da opinião pública portuguesa, quer se queira ou não, é filha ilegítima de Lisboa. Já se viu claramente que a democracia não se esgota nos partidos e, então no caso particular do Algarve, está mais do que provado que os partidos recusaram o seu papel pedagógico do debate público. PS e PSD parece que existem para apagar a ideia de Região da cabeça dos Algarvios, o PCP não conta e é pena, os dissidentes do PCP sentaram-se no adro da política a palitar os dentes, o BE tem piada mas ainda é cedo para se acreditar na salada, e o CDS nem chega a ter piada porque quando aparece no Algarve não foge da fama de ser mera obra clandestina na falésia do PSD. Nestas três décadas de obsessão pelos partidos, a ideia da Casa do Algarve chegou a ser posta de lado como desnecessária, e praticamente como que jogada para o balde do lixo pelos políticos de carreira responsáveis pelo desatino emproado do PS, pelo mau corridinho do PSD, pelo jogo de manecas do PCP e pelo oportunismo de sacristia do CDS. Ora, como o Algarve vai precisar, e muito em breve, da sua Casa do Algarve como pão para a boca, tal como os Açoreanos há muito que perceberam que precisam da Casa dos Açores, os Beirões da Casa das Beiras e os Alentejanos da Casa do Alentejo, que 2006 seja um ano grande e um grande ano para a Casa do Algarve tão estupidamente esquecida por uns quantos e menosprezada por outros tantos - precisamente os tais de que já estamos fartos porque levaram três décadas a olhar para os seus umbigos e para os empregos dos seus filhos e filhas que deputam e já delegam tal como os pais, sendo que a Democracia não é para isto.

Carlos Albino

quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

SMS 137. Os italianos, por exemplo

22 Dezembro 2005

Para não falar dos chineses que imitam tudo e quando imitam as cópias são aos milhões, e também para não falar dos espanhóis que vendem gato por lebre mas porque vendem, arrecadam, falemos dos italianos e a propósito de presépios. Pois, para o presépio deste Natal, quem andou à procura das tradicionais figuras de barro portuguesas, andou em vão - as figuras desapareceram. E desapareceram porque essas figurinhas - milhares e milhares de figurinhas todos os anos colocadas no mercado nesta época - saíam das mãos e do trabalho de crianças naturalmente exploradas aos magotes, em fábricas ali nas cercanias de Famalicão entre outras cercanias - estive numa dessas fábricas e pude constatar, estupefacto, com os meus próprios olhos. Com a dita proibição do trabalho infantil, os grandes empresários que se tornaram grandes à custa dessas misérias, pura e simplesmente acabaram com o fabrico das figurinhas. Ora, a preencher este vazio de mercado, chegaram os italianos que encheram Portugal até dizer basta, com reproduções das figuras dos presépios de Nápoles que são a matriz de todos os presépios da Europa. Os italianos venderam em Portugal como nunca, aliás os portugueses importaram como sempre e desta vez até Presépios. É claro que reproduções dos presépios portugueses - os de Machado de Castro, por exemplo, mas lembrando-me também do Presépio de Estoi - feitas com seriedade artística e empresarial e sem as macacadas do trabalho infantil, teriam êxito assegurado e, naturalmente, êxito na exportação. Poderia até ser aquilo a que os teóricos da economia de salão chamam um «nicho de mercado». Mas se os italianos souberam tirar partido dos presépios de Nápoles, os portugueses preferem, pelos vistos, o mercado de antiguidades bem abastecido pelos ladrões e ofícios correlativos que pilham o nosso património. Já quanto aos Algarvios, estes estão perdoados neste Natal, por não terem tirado ainda partido do Presépio de Estoi. E estão perdoados porque, como se viu com as figurinhas de Faro-Capital-Nacional-da-Cultura, nós Algarvios, infelizmente somos um Presépio vivo e burros são os que, com o seu bafo, aquecem o menino.

Carlos Albino

quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

SMS 136. Segurança

15 Dezembro 2005

Não é difícil concluir que, em matéria de segurança, o Algarve anda ao Deus dará. Há localidades importantes, cidades pois, onde durante um dia inteiro, dois dias, três dias seguidos não se avista um polícia (se há polícia) nem um guarda (se há GNR) sequer para cuidar do trânsito e para prevenir aqueles incidentes que são muitos e se resolvem já como na Idade Média – justiça directa. E dos arredores dessas localidades cada vez mais povoados, nem se diga nada! Sim, é verdade, de vez em quando por aí passa uma patrulha de carro a vinte à hora, mas isso não passa de passeata. Os assaltos a pessoas e bens são mais do que muitos com os criminosos a safarem-se à vontade ou a ficarem impunes se alguém lhes deita a mão. Cada vez mais se descrê na eficácia da participação, cada vez mais as ruas principais, e não já apenas os lugares esconsos, se enchem de clandestinos chantageados em que a percentagem de desespero também sobe perigosamente em flecha, pelo que também todo o tipo de marginalidade se aninha à volta disto – sabem do que estou a falar.

Carlos Albino

quinta-feira, 8 de dezembro de 2005

SMS 135. A árvore

8 Dezembro 2005

Aquela árvore obriga a tréguas. E lendo bem a emoção, cada lâmpada daquela árvore faz lembrar não 100 watts mas 100 crianças umas desprotegidas, outras abandonadas, quase todas talhadas para um dia ganharem apenas o salário do choro que normalmente desconta o imposto da revolta incontrolável, revolta que começa por ser interior - como os moralistas gostam que se diga - e, deixando se ser inquietação, acaba por se transformar em angústia que é a prima-irmã da delinquência. Claro que fui ver a Árvore de Faro assumir todo o seu esplendor com as suas largas centenas e centenas de lâmpadas, não por serem lâmpadas mas porque cada uma delas tem a claridade de 100 crianças. E também é verdade que já quando todos apenas olhavam para a festa luminosa, possivelmente alguns lamentando no íntimo que a árvore não tivesse 287 metros de altura para que fosse a maior do mundo e dois biliões de lâmpadas para que excedesse a população da China, pois eu olhava para o tronco e tentava imaginar como serão as raízes dessa árvore a devassar a profundidade do chão. Não escondo que essas raízes escrevem, por estranho capricho subterrâneo, um nome que só raízes podem escrever porque se trata de um Benemérito - Aboim Ascensão. Mas também não escondo que, tal como acontece por vezes na palma das mãos haver uma letra bem caligrafada no enrugamento de nascença, pois não escondo que nesse tronco, a árvore no seu lento crescimento foi talhando outro nome: Vilas Boas. Ora, se uma obra tem raízes com nome e tem nome no tronco, então sim, podemos olhar para as ramadas, para a copa, para o cimo da árvore. Faro deve orgulhar-se dessas raízes e desse tronco. E foram assim as tréguas.

Carlos Albino

quinta-feira, 1 de dezembro de 2005

SMS 134. O lamentável exemplo dos Meritíssimos Juízes

1 Dezembro 2005

Há coisas que não podemos esquecer, aliás não devemos esquecer para que constem. Esta semana até tínhamos bons e variados temas para este cantinho, temas de relevante interesse para o Algarve e para os Algarvios, mas com esta dos juizes não hesitei no assunto. De onde menos se esperava, partiu a má educação, a quebra do respeito civilizado e civilizador, a falta de decoro próximo do de horda bárbara dos tempos medievais. E que coisa foi essa, assim de tão grave, a dos juizes? Pois, reunidos num congresso, os meritíssimos juizes que travam uma luta de pruridos, dispensas e privilégios com o Governo e em particular com o Ministro da Justiça, quando o ministro entrou na sala, pura e simplesmente não se levantaram. Como nas tascas cá de baixo.

Sabemos o que os juizes fazem quando ou se um arguido, um advogado ou uma testemunha não se levanta na Sala de Audiências quando o meritíssimo entra. Independentemente das razões ou da falta dela, qualquer juiz considera esse acto de continuar sentado com uma ofensa ao tribunal, um insulto à Justiça, um crime portanto, que até pode dar processo e prisão se tal manifestação de assento for acompanhada com alguma palavra que reitere o acto. E é assim que todos, desde o criminoso confesso apanhado junto ao Vascão até à pombinha mais inofensiva de Aljezur, todos se levantam quando o meritíssimo entra para o julgamento, mesmo que se saiba que quem vai julgar, por hipótese, está ali transferido por punição decretada na sequência de inspecção impiedosa (quase todas são piedosas) ou por comportamento impróprio num tribunal de comarca longínqua.

Ora, se os juizes não se levantam por deferência civilizada, quando entra o ministro de que discorda, porque se hão de levantar as crianças quando entra o professor, porque se hão de levantar os cidadãos quando entra o Presidente da República, ou porque se hão de levantar os fiéis católicos de Moncarapacho se por caso e inesperadamente o Papa lhe der na cabeça em celebrar missa em Moncarapacho onde o lugar da missa até é mais agradável e mais cortês que a Capela Sistina? E se a partir de agora, arguidos, advogados e testemunhas, seguindo escrupulosamente o exemplo que vem de cima, ou seja, dos próprios Meretíssimos, deixarem de levantar nas salas de audiência?

Para que haja boa disposição, digamos que a lamentável atitude dos juizes, foi na inteira propriedade das palavras, uma manifestação de assentos. O que até teve as suas vantagens, quanto mais não seja a vantagem de ficar provado que os meritíssimos juizes, para além de por profissão os fazerem, também têm assentos.

Carlos Albino