quinta-feira, 28 de julho de 2005

SMS 116. O custo do não-Algarve

28 Julho 2005

Nenhum governo, até hoje, calculou o custo do não-Algarve, embora todos eles e respectivas extensões telefónicas em Faro que se costuma designar por direcções ou delegações regionais, de uma ou outra forma, tenham contribuído para o descalabro do Algarve – descalabro urbanístico, descalabro da agricultura, descalabro das vias de comunicação e dos transportes, descalabro da agricultura, descalabro dos portos e das pescas, descalabro da cultura, descalabro até do próprio descalabro. Mais um pouco e não teremos o Algarve mas sim o não-Algarve. O sábio oportunismo de autarcas, os interesses rasteiros colados nas costas dos gestores das empresas municipais e inter-municipais, a pressão de empresários que têm tudo menos escrúpulos, a febre das imobiliárias que se pega como a malária em São Tomé, o espavento cinicamente eleitoral de profissionais da política candidatos a todos os parlamentos que prometem irresponsavelmente aquilo que sabem que não poderão fazer nem lhes deixam fazer ficando calados quando têm as cores do poder e dizendo umas coisitas para marcar presença e dar ares de grande verticalidade quando são remetidos para a oposição, tudo isto tem conduzido o Algarve para a negação do Algarve, para o Algarve.

É claro que empresários, investidores e gestores conscenciosos – que os há – queixam-se e com razão da falta de planeamento apesar de tanto plano, da falta de segurança para iniciativas apesar de nos considerarmos num estado de direito, da falta de transparência dos decisores políticos apesar de tanta assembleia eleita com poderes fiscalizadores. É claro que o mundo da cultura – que também há – assiste impotente à promoção do mais reles provincianismo compensado aqui e ali por acções subsidiadas de um novo-riquismo que se julga recobrir a miséria geral das ideias e da arte. É claro que há políticos sérios – naturalmente que os há – que acabam por deixar cair os braços não por ressaibo mas por delento, não por descrença na Democracia mas por demarcação aos que da mesma Democracia se aproveitam para fazerem o mesmo ou coisa semelhante ao que fariam se, acaso a antiga ditadura tivesse perdurado.


É assim que, a propósito de mais um cometa a cair junto das arribas de Lagos, e perante os protestos do senhor Mendes Bota – que não sabemos se protestou nas bandas de Vale do Lobo e arredores até Albufeira por aí fora – o presidente da Câmara lacobrigense diz que votou a favor «não por considerar interessante a operação urbanística dada a sensibilidade do local», mas já a vice-presidente da mesma câmara afirma tratar-se de «um projecto de arquitectura de muita qualidade, uma unidade de que Lagos precisa». É como se Algarve e não-Algarve se confundissem já integralmente sendo uma única e mesma coisa. Bonito.

Carlos Albino

quinta-feira, 21 de julho de 2005

SMS 115. A doença terminal da política

21 Julho 2005

O obreirismo eleitoral não é uma invenção algarvia mas tem funcionado aqui como instrumento de obsessivo êxito político. Autarcas que «não mostrem obra» julgam que tem os dias contados, ir para eleições sem uma boa dúzia de inaugurações com muitas palmas é o mesmo que derrota à vista, porquanto julgam que cada palma é um voto, e, mesmo que a obra não decorra dos méritos da autarquias mas das empresas que as oferecem a troco de qualquer coisa que nunca se sabe o que é, as obras salvam, sobretudo se forem inauguradas um ou dois meses antes do sufrágio porque, nestas coisas, julgam os autarcas que os eleitores continuam a ter a memória curta. E aqui, neste pormenor da memória do eleitor, é que está o erro com que muitos autarcas julgam que dissimulam as suas virtudes ou a falta delas – o eleitor tem memória, o eleitor sabe já de experiência própria quanto lhe custa não ter memória.

Vem isto a propósito de um pouco por todo o Algarve, a três meses das eleições, haver obras por todo o lado. Rotundas disciplinadoras do trânsito que poderiam e deveriam ter sido feitas há anos, só agora é são implantadas; estradas esburacadas que poderiam e deveriam ter sido reconstruídas há muito tempo, só agora é que são objecto do frenesim político; projectos de construção que estavam na gaveta, como que por milagre enchem as ruas de andaimes e os pinhais de hotéis mesmo com os pisos a mais que também durante anos estavam interditos, mas, agora, pelos vistos, deixaram de estar. Por aí fora, para não falar dos repuxos, da sementeira de esculturas de gosto duvidoso, enfim, da praga de congeminações dos arquitectos municipais impostas sem discussão pública e muito menos com a pedagogia da discussão pública. Com isto não queremos dizer que as eleições devem proibir as obras, apenas deixamos sugerido que a excepcional simultaneidade de tanta obra no pino do Verão é de molde a tornar as eleições quase proibitivas e, claro, suspeitosas. Muita obra, mas pouco plano estratégico, aliás, basta ler bem os slogans das campanhas por esses concelhos, tanto dos poderes locais como das oposições – são de uma pobreza extrema e de uma linearidade confrangedora.

Ora, este obsessivo obreirismo eleitoral é a verdadeira doença terminal da política. A política existe para fazer obra segundo o calendário do interesse público e para fazer prova de obra em função da legítima aspiração da sociedade ao bem estar e à modernidade, seja a obra cultural, de cimento ou de alcatrão. O que é assombroso é que o calendário do interesse público degenere em mero calendário eleitoral apenas para fins políticos escusos, para não falar da obtenção por terceiros de ganhos financeiros directos com a discreta oportunidade do momento. A política, assim, tem os dias contados, morre, ou a doença não seja terminal. A política só não morre se o eleitor usar a memória que já tem.

Carlos Albino

quinta-feira, 14 de julho de 2005

SMS 114. Alte à procura de um procurador

14 Julho 2005


1. Consta que Alte não gosta da intervenção que a Câmara de Loulé destina para a emblemática Fonte Grande. Será portanto mais um caso de desencontro entre o gosto oficial do município e o gosto da população – é um desencontro natural e isso ocorre pelo mundo fora, entornando-se o caldo quando um dos lados não manifesta bom senso ou então se impõe com autoridade majestática.

2. Já não acontece pelo mundo fora, mas pelos vistos ocorre em Alte, é que a população não tenha capacidade de se organizar para denunciar o descontentamento, para questionar métodos e para escrutinar o «gosto municipal». Pior ainda, e disso a população já terá culpa, é que não existe nas câmaras (designadamente nos serviços técnicos) uma cultura de discussão de projectos com as populações - apenas quando a lei impõe é que, enfim, se põe em prática a metáfora da discussão pública que não passa de metáfora pois quase todas as discussões públicas impostas legalmente vêm acompanhadas pelo espartilho do medo e de esmagadora retórica com o calão técnico de conveniência. Daí que dos estiradores municipais saia tanto mau gosto para as praças públicas como estas se enchem de tudo menos de bom senso.

3. E quando não há capacidade de organização da cidadania nem as câmaras dão mostras de quererem uma cultura de discussão, naturalmente que a escapatória é a denúncia anónima para uma televisão de casos pitorescos, o telefonema sob reserva para um jornalista salvador de última hora ou o pedido a uma figura supostamente com protagonismo e influência para que intervenha, demova e faça por procuração o que a população sente que não pode fazer. Pelo contacto que me dirigiram, ou muito me engano ou Alte anda precisamente à procura de um procurador.

4. Encurtando, não seria melhor que Seruca Emídio fizesse um atalho e fosse ouvir a população de Alte?

Carlos Albino

quinta-feira, 7 de julho de 2005

SMS 113. É triste e primário

7 Julho 2005

1. É triste. Temia mas está a acontecer já nesta fase das lutas autárquicas: quem tem estado na oposição – independentemente do poder ser PS ou PSD – não sai dos chavões de que «o concelho parou nestes últimos anos», que «nada foi feito», que «os projectos ficaram na gaveta à espera de aprovação», que «a saúde é só para alguns» e por aí fora. Trata-se de uma visão redutora da competição política e também se trata de contar com o tal pressuposto de que os eleitores são uns ignorantes, que não vêem nada, que não conhecem quem está na luta, o que é triste. Mas o que é muito mais triste é uns quantos senhores, em vez de provarem méritos, mostrarem que têm golpe de asa e seriedade, reduzam a democracia a luta corpo a corpo, a duelo em que o primeiro atingido cai para o lado, a guerra política onde vale tudo menos arrancar olhos. A democracia autárquica obviamente que não é isto. Mas esses senhores insistem.

2. É primário. Atitude que não se desliga da anterior, temos constado que, por regra geral, quem está na oposição – independentemente de ser PSD ou PS – não concede o benefício da sua presença a actos do poder envolvendo até benefícios e bens públicos, quer se trate da inauguração de uma biblioteca, da abertura de uma avenida, de um concerto de orquestra ou, mais grave, de um debate cívico e aberto sobre temas colectivos. A ausência é justificada – também regra geral mas entre dentes – porque «é obra deles». Deles, do poder. É primário. Trinta e um anos de democracia já deviam ter varrido esta mentalidade.

Carlos Albino