quinta-feira, 28 de abril de 2005

SMS 103. Iniciativa exemplar

28 Abril 2005

Quem não deve não teme. Para Sábado, dia 30, está marcada a primeira sessão do Fórum Loulé 21, um anunciado espaço de debate aberto aos cidadãos, associações, empresas, escolas, agentes autárquicos e, enfim, a todas as carruagens do comboio da cidadania. A finalidade, também anunciada, é apurar a estratégia de desenvolvimento do concelho louletano, decorrendo ao mesmo tempo um inquérito, diga-se, bem elaborado. Aí temos portanto debate, a avenida larga do debate naquele sentido pelo qual António Sérgio tanto pugnou. É uma boa notícia, tratando-se de uma inciativa que, se for levada a bom porto com lhaneza e seriedade, poderá muito bem colmatar o que os partidos não conseguiram concretizar nestes 31 anos de democracia, tão envolvidos têm andado na luta pelo poder – pelos poderes a vários níveis – tantas vezes esquecendo o bem comum em nome de um reclamado e, por natureza, sempre duvidoso interesse geral.

É uma iniciativa exemplar que deveria ser seguida não só em cada um dos concelhos do Algarve mas sobretudo pelo próprio Algarve no seu todo que tarda em rever-se na Junta Metropolitana que não há meio de descolar, sobrevivendo de episódios.

Resta saber é se as eleições autárquicas serão apenas uma circunstância no meio do fórum louletano ou se este mesmo fórum, desvirtuando-se ou desvirtuado à força, ficará reduzido a mera circunstância das autárquicas. Esperemos que não – melhor dizendo, esperemos que os cidadãos louletanos saibam agarrar esta oportunidade em que a formulação dos problemas antecipe soluções não escrutinadas pela discussão, pelo debate, enfim, pelo exercício da Crítica que, com letra maiúscula, será ou deverá ser sempre o exame racional, indiferente a preconceitos, convenções ou dogmas, tendo em vista um juízo de valor.

Carlos Albino

quinta-feira, 21 de abril de 2005

SMS 102. Jornais a mais?

21 Abril 2005

Volta e meia, quando no Algarve se fala se jornais – dos que há e dos que não existem fazendo falta como é o caso de um diário a sério – lá surge sempre um entendido a discorrer que há publicações a mais e que por serem muitas é a panóplia de títulos que impede a inciativa e êxito de um diário algarvio… Segundo tais discorrências, os jornais locais, melhor, os jornais que são criados para intencionalmente serem elos confinados das comunidades locais, serão como que uma sangria e um gasto estouvado de recursos a impedir que a Província Algarvia tenha pelo menos uma gazeta diária. Ora, nada mais errado! Nem é a existência destas publicações que impede um diário nem a sua quantidade vai por aí além, diremos mesmo que o Algarve, mesmo no contexto do País que fica muito aquém do que se verifica pela Europa fora, tem jornais locais (concelhios ou inter-concelhios) a menos. E quanto a um diário, se o não tem, é porque pura e simplesmente não há iniciativa editorial sustentada com tal finalidade, não há sincronia com o tecido empresarial que opera no Algarve, não havendo também uma vontade política efectiva que esteja além ou acima dos interesses dos partidos com poder na província. O Algarve não tem um diário provincial pelas mesmas razões que não tem uma estação de rádio provincial digna deste estatuto e uma televisão regional que não seja esmola do Estado.

Tal como uma crise profunda que ocorra no Turismo, a crise não se explica por haver hotéis e campos de golfe a mais, a crise da Comunicação Social do Algarve não tem nada a ver com a existência do singelo e puramente romântico Ecos da Serra de Alte, do bom Postal de Tavira, do dinâmico Região Sul da área de Loulé, do viril Barlavento que sopra de Portimão ou mesmo deste Jornal do Algarve que bem luta por ser o melhor da rua… Os jornais não são como na tropa em que um é soldado raso, outro sargento, algum capitão a esperar promoção a major e, enfim, sonhando todos chegar algum dia ao posto de general. Assim como o melhor sargento do mundo poderia dar no general mais desgraçado do planeta, também um magnífico jornal que por hipótese surgisse no Cachopo e apenas para ser o elo de Cachopo poderia resultar no mais pacóvio diário do Algarve, se a ambição por tal estrelato subisse à cabeça do hipotético director do Cachopo. No mundo dos jornais, não há hierarquias, há funções; não há eleitores, há leitores – e aqui é que bate o ponto.

Terá o Algarve leitores? É a pergunta que deve ser feita. Estamos em crer que não há jornais a mais, o que há é leitores a menos…

Carlos Albino

quinta-feira, 14 de abril de 2005

SMS 101. Direitos humanos

14 Abril 2005

Aquela história real de uma juíza de Olhão ter condenado um inválido - acamado em casa por efeito de uma trombose, sem dinheiro para comer e com a mulher a recorrer à sopa dos pobres - a uma pena de prisão por não ter pago uma multa de 135 euros, nem lembra ao diabo. O caso foi descrito por Idálio Revez (Público, 7 de Abril) e para os humanos que militam pelos direitos humanos, a situação narrada pelo jornalista é deveras ficcional e trágica. A um homem naquelas circunstâncias, a juíza chegou ao ponto de negar a divisão do pagamento em prestações de 15 ou 20 euros para não se entrar em «moldes que, na prática, descaracterizem a pena e as suas finalidades»... Não vamos respigar mais pormenores da primorosa narrativa do jornalista Idálio Revez, mas não podemos evitar alguns considerandos.

A Justiça portuguesa que amiúde invoca não ter meios e recursos para fazer justiça, o que é verdade, também amiúde perde razão e motivos, ou porque nuns casos é permissiva para não dizer subserviente face a circunstâncias difusas , ou porque noutros casos - como o de Olhão - é arrogante, insensível face a claras circunstâncias e desumana. Por vezes, os juízes - sobretudo os mais jovens e iniciados na arte de decidir a coberto da toga - contribuem para essa perda de razão da Justiça, por uma questão de currículo e de singrar na carreira, e, também, porque facilmente se distraem no caravanismo judicial com saltitam de terra para terra. No caso de Olhão, não será isso - nem o pobre homem acamado é um poderoso da imobiliária e nem a decisão ajudará muito a escalada profissional da juíza - aliás não ajuda mesmo nada, se a próxima inspecção funcionar, porque nem sempre funciona. O caso de Olhão é um caso pura e simplesmente de direitos humanos, melhor dizendo - de direito humanitário, assunto que a juíza, se não aprendeu, deveria aprender com urgência.

É claro que, para que se chegue ao vergonhoso cúmulo da justiça de Olhão, as responsabilidades pela degradação da noção de Justiça devem ser partilhadas obviamente por mais gente e que poderosa gente! Mas esta é outra conversa e sobre o exercício da advocacia no Algarve, algum dia, haveremos de falar. Não vamos aqui numa única SMS tratar de tudo ao mesmo tempo em moldes que, na prática, descaracterizem esta pena que escreve e as suas finalidades...

Carlos Albino

quinta-feira, 7 de abril de 2005

SMS 100. Os autocratas…

7 Abril 2005

Dezenas, são várias dezenas e dezenas de histórias por essas autarquias as que me vão contando, envolvendo engenheiros e arquitectos ao serviço das câmaras e comprometendo os gabinetes técnicos dos municípios em procedimentos impensáveis. Os cidadãos lesados calam-se por medo e as empresas privadas de arquitectura nem tugem nem mugem por receio de represálias. Mas há que pôr cobro a este estado de coisas que encapsulou dentro das autarquias verdadeiros ninhos de autocratas e de pequenos soberanos locais insolentes que, por capricho e em função de interesses difusos adiam projectos, cortam planos defensáveis e inviabilizam sem fundamento ideias de progresso. Fazem tudo isto como se fossem intocáveis e como se «o parecer dos serviços técnicos» fosse dogma e verdade infalível.

São processos que se arrastam anos a anos sem decisão e sem qualquer explicação, é o tratamento medieval que esses autocratas diariamente destinam ao cidadão que legitimamente os procuram, é, enfim, o exercício de um poder espúrio que jamais se imaginaria que pudesse sair do tampo de um estirador.

Presenciei, por esse Europa fora, vários primeiros-ministros portugueses ouvirem queixas de investidores contra tais prepotências, designadamente no Algarve, e para as quais apenas haverá uma explicação e que é aquela que a sabedoria popular consagra com a conhecida expressão de «fazer render o peixe».

Tais autocratas, por definição, naturalmente que cuidam por aparentar que os seus actos se conformam com a lei e com as disposições das respectivas ordens profissionais – a dos Arquitectos e a dos Engenheiros. E é nesta lógica perversa que os autocratas que não são eleitos e recusam qualquer escrutínio, não raras vezes conseguem manter reféns os autarcas que são eleitos e que em última análise são os únicos que têm prestar contas... Pedem-me para ser concreto? Vou ser, bastando dizer apenas que há excepções – excepções de engenheiros e excepções de arquitectos.

Carlos Albino